Transação tributária ganha força com o avanço da reforma sobre o consumo

Distorções tributárias revelam injustiça no sistema atual, aponta Helton Kramer
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Foto: Benjamin Child via Unsplash

Por Helton Kramer Lustoza

Enquanto o Brasil avança nas discussões sobre a reforma tributária, com os PLPs 68 e 108 em destaque no Congresso Nacional, uma questão essencial emerge: não seria o momento de tornar nosso sistema tributário mais consensual?

O debate em torno da reforma reflete os ânimos acirrados da sociedade, especialmente diante da complexidade do sistema atual, marcado por uma carga tributária elevada e pela morosidade de seus processos administrativos e judiciais. A população não suporta mais o peso sobre renda, serviços e bens essenciais, clamando por um sistema mais simples, transparente e eficiente.

Neste cenário, a Administração Pública tem uma oportunidade única de adotar um modelo mais consensual, que reduza os conflitos com os contribuintes e modernize a gestão tributária. A complexidade da legislação nacional, aliada ao crescente volume de litígios fiscais e à dificuldade na recuperação de créditos tributários, aponta para a necessidade de uma abordagem que valorize a negociação e o diálogo.

Dados da PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) revelam que, em 2020, o estoque de créditos tributários atingiu impressionantes R$ 2,4 trilhões, distribuídos em mais de 19 milhões de débitos, sob responsabilidade de 4,9 milhões de devedores. Além disso, uma auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União) destacou que o tempo médio de tramitação no contencioso administrativo fiscal no Brasil varia de 2 a 4 anos, muito acima do padrão internacional de 90 dias, e que seriam necessários 58 anos para julgar todo o estoque de processos.

Diante dessa realidade, instrumentos como a transação tributária emergem como soluções práticas e viáveis. Já reconhecida como uma forma alternativa de solução de conflitos fiscais, a transação permite uma negociação mais alinhada à capacidade econômica do contribuinte, oferecendo justiça fiscal e racionalidade na cobrança tributária.

A Lei nº 13.988/2020, que regulamenta a transação tributária no âmbito federal, já demonstra resultados expressivos. Dados da PGFN indicam que, até o momento, foram celebrados mais de 268 mil acordos, regularizando aproximadamente R$ 60 bilhões em créditos classificados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação.

No âmbito municipal, exemplos como o de Blumenau (SC) destacam-se pela inovação. Desde 2017, a cidade regulamentou a transação tributária, com a criação de uma Câmara de Transação que analisa individualmente as condições econômicas dos contribuintes, promovendo descontos proporcionais à capacidade de pagamento.

Esse modelo, inspirado no programa “Offer in Compromise” dos Estados Unidos, reafirma o princípio da capacidade contributiva, valorizando a análise casuística e o diálogo entre Fisco e contribuintes. Diferentemente dos tradicionais programas de parcelamento (como o REFIS), a transação tributária dispensa alterações legislativas anuais, beneficiando tanto grandes quanto pequenos contribuintes.

Ademais, a Nota Técnica nº 3, da Unafisco Nacional, destaca uma grave falha dos parcelamentos especiais: mais de 68% desses benefícios são destinados a grandes contribuintes, com faturamento anual acima de R$ 150 milhões. Em contraste, a transação tributária considera a real capacidade de pagamento de cada contribuinte, ajustando os benefícios de forma proporcional e justa. Essa abordagem reflete os princípios da eficiência, isonomia e interesse público, promovendo uma gestão tributária mais alinhada às necessidades sociais e econômicas do país.

As formas alternativas de solução de conflitos, como a transação tributária, também são recomendadas nas Diretrizes e Recomendações Técnicas para o Aperfeiçoamento da Gestão Fiscal dos Estados Brasileiros, publicadas pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), e nas diretrizes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Além de promover eficiência e justiça fiscal, a transação tributária se alinha aos princípios contemporâneos do direito público, que privilegiam a consensualidade e a efetividade nos resultados. Esse modelo não apenas facilita a recuperação de créditos como também inaugura uma administração tributária mais aberta, transparente e colaborativa.

O momento atual, marcado por mudanças estruturais no sistema tributário, oferece a oportunidade de consolidar um novo paradigma: um sistema tributário mais eficiente, justo e participativo, que respeite os interesses dos contribuintes sem comprometer a arrecadação pública.


Helton Kramer é Procurador do Estado do Paraná; Doutor em Direito Tributário pela UNIMAR; Mestre em Direito Constitucional pela UNIBRASIL, com estudos na UFPR; Graduado em Ciências Contábeis pela UNIPAR; Graduado em Direito pela Universidade Positivo; Professor Adjunto de Direito Tributário da Universidade Paranaense – UNIPAR; Professor-instrutor da Escola de Gestão Pública-EGP do Tribunal de Contas do Estado do Paraná


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