Por Moises R. Coimbra
O Convênio ICMS 109/2024, publicado em 7 de outubro de 2024, estabelece novas regras para a remessa interestadual de mercadorias entre estabelecimentos de mesma titularidade. Esse convênio permite a transferência de créditos de ICMS acumulados em operações anteriores.
Uma das principais mudanças é a possibilidade de o contribuinte optar por considerar a transferência de mercadorias como fato gerador do ICMS. Essa escolha deve ser registrada anualmente e aplicada a todos os estabelecimentos do contribuinte no território nacional.
Várias dessas mudanças significativas estão relacionadas às operações interestaduais entre estabelecimentos de mesma titularidade nas quais pondero algumas para ciência.
Transferência de Créditos de ICMS: O convênio permite a transferência de créditos de ICMS acumulados em operações anteriores, o que pode melhorar o fluxo de caixa das empresas.
Opção pela Tributação: As empresas podem optar por considerar a transferência de mercadorias como fato gerador do ICMS. Essa escolha deve ser feita anualmente e aplicada a todos os estabelecimentos do contribuinte no território nacional.
Flexibilidade na Gestão Tributária: As novas regras oferecem maior flexibilidade para as empresas na gestão de seus créditos fiscais, permitindo uma melhor otimização tributária.
Desafios e Complexidade: Apesar das vantagens, o convênio também traz desafios, como a necessidade de ajustes nos sistemas de gestão e a complexidade adicional na apuração e transferência de créditos.
Inconsistência e Conflito
A alteração da base de cálculo para operações de transferência interestadual e também, o direito ao crédito relativo a operações anteriores, ainda apresenta inconsistências entre a Lei Complementar 204/2023, que altera a Lei Kandir, e o Convênio ICMS nº 109/2024, além de conflitos com normas estaduais.
E o que é a Lei Complementar 204/2023? A Lei Complementar 204/2023, sancionada em 28 de dezembro de 2023, alterou a Lei Complementar 87/1996, conhecida como Lei Kandir, estabelecendo que o ICMS não incide sobre a transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte.
Algumas das mudanças importantes trazidas pela Lei Complementar 204/2023 são:
Não Incidência de ICMS: A lei estabelece que o ICMS não incide sobre a transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte. Isso significa que essas operações não serão mais consideradas fato gerador do imposto.
Transferência de Créditos de ICMS: A lei regulamenta a transferência dos créditos de ICMS acumulados em operações anteriores. Esses créditos podem ser utilizados de forma mais eficiente pelas empresas, inclusive nas transferências interestaduais.
Alteração do Artigo 12 da Lei Kandir: O artigo 12 da Lei Complementar 87/1996 (Lei Kandir) foi alterado para refletir essas mudanças, garantindo que os créditos de ICMS sejam mantidos em favor do contribuinte.
Opção pela Tributação: Alternativamente, por opção do contribuinte, a transferência de mercadorias pode ser considerada como fato gerador do ICMS. Nesse caso, serão aplicadas as alíquotas estabelecidas na legislação para operações internas e interestaduais.
O enredo todo e o julgamento dessa temática confirmou o que determinava a Súmula nº 166 do Superior Tribunal de Justiça: “o deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular não configura fato gerador da incidência de ICMS, ainda que se trate de circulação interestadual”.
Na mesma oportunidade, restou assegurada, ainda, a possibilidade de manutenção e transferência dos créditos do imposto relativos às operações e prestações anteriores em favor do contribuinte. De acordo com o entendimento da Suprema Corte, os Estados sequer têm competência tributária para instituir o ICMS na referida hipótese, que não configura isenção ou não incidência, razão pela qual não há anulação do crédito relativo às operações anteriores.
Em decorrência da modulação de efeitos desse julgado do STF, coube ao Congresso Nacional disciplinar tais transferências, o que ocorreu com a edição da Lei Complementar 204/2023, tendo sido vetado um de seus dispositivos.
O Congresso Nacional rejeitou o veto presidencial (VET 48/2023) ao § 5º do artigo 12 da Lei Complementar 87/96, introduzido pela Lei Complementar 204/2023. A redação do dispositivo que passou a produzir efeitos confere ao contribuinte remetente a faculdade de transferir mercadoria com incidência do ICMS.
Assim, o novo convênio passou a reproduzir referida faculdade em sua cláusula sexta, autorizando o contribuinte a optar pela equiparação da transferência como operação sujeita à incidência do fato gerador do ICMS. Porém, referida opção será anual, irretratável para todo o ano-calendário, e alcançará todos os estabelecimentos dos contribuinte localizados no território nacional. Tais condições impostas pelo Convênio ICMS 109/2024 limitam sobremaneira o direito do sujeito passivo do ICMS, assegurado pela decisão proferida na ADC 49 e pela Lei Complementar 204/2023.
O Convênio ICMS 109/2024 define, ainda, bases de cálculo distintas para fins de transferência do crédito e para os débitos opcionais, o que pode vir a impactar na apuração do imposto pelos estabelecimentos envolvidos na transferência. A adoção do valor médio da entrada da mercadoria em estoque como base de cálculo nas transferências, por exemplo, pode vir a diminuir o saldo credor a ser transferido, a depender dos valores de entrada das mercadorias, registrados no momento da transferência.
O novo cálculo, trazido pelo Convênio ICMS nº 109, utiliza o valor médio da entrada da mercadoria em estoque e exclui os custos de mão de obra nas mercadorias produzidas e não industrializadas. Um ponto importante é que a Lei Complementar 204/2023 define que o crédito transferível será baseado no valor da operação, mas não especifica quem deve definir a base de cálculo.
Diferente da redação do Convênio ICMS 178/2023, o qual estabeleceu a obrigatoriedade de transferência de créditos de ICMS do estabelecimento de origem para o estabelecimento de destino, nas remessas interestaduais, o Convênio ICMS 109/2024, em sua cláusula primeira, apenas “assegura o direito” à transferência do crédito nessas hipóteses.
Nessa perspectiva, a nova redação aplicada pelo Convênio ICMS 109/2024 parece confirmar a interpretação que vinha sendo sustentada pelos contribuintes, no sentido de que a transferência do crédito é facultativa, assim como o lançamento a débito do ICMS.
Não obstante, nos termos do inciso II do § 4° do artigo 12 da Lei Complementar nº 87/96, o convênio impõe a obrigatoriedade de observância de um limite pelo contribuinte, caso opte pela manutenção dos créditos do imposto na unidade federada de origem, qual seja, a diferença positiva entre os créditos relativos às operações anteriores e aquele que seria transferido a outro Estado.
Em termos práticos, a despeito de reconhecer a faculdade de transferência do crédito, o convênio não garante a possibilidade de aproveitamento de sua integralidade. Isto é, o contribuinte que optar por manter os créditos no Estado de origem apenas poderá efetivamente usufruí-los até o limite da diferença positiva entre a aplicação da alíquota interna e da adoção das alíquotas interestaduais definidas pelo Senado.
Tal medida parece divergir do entendimento proferido pelo STF no julgamento dos Embargos Declaratórios da ADC 49, tendo em vista que a corte não estabeleceu quaisquer restrições ou limites à transferência de créditos do ICMS nas operações entre estabelecimentos pertencentes ao mesmo titular.
Enfim, acredito que nos resta apenas acompanhar o tema, visto que as polêmicas parecem não ter fim.
Moises R. Coimbra é formado em Administração de Empresas pela Universidade Ashworth College nos EUA, Contador pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Pós-graduado em Auditoria Contábil pela Faculdade de São José dos Campos, MBA em Tributos Diretos (IRPJ e CSLL) pelo Grupo Educacional BSSP, Pós-Graduado em Advocacia Tributária e Contabilidade Tributária pela renomada EPD – Escola Paulista de Direito. Pós-Graduado em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Pós-Graduando em Gestão Fiscal e Tributária promovido pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e Extensão em Especialização em Tributação na Indústria do Petróleo e Gás pela APET (Associação Paulista de Estudos Tributários).
Os artigos escritos pelos “colunistas” não refletem necessariamente a opinião do Portal da Reforma Tributária. Os textos visam promover o debate sobre temas relevantes para o país.