A transição para o novo sistema tributário exigirá ajustes significativos nos sistemas de arrecadação e fiscalização, escreve Letícia Amaral
Por Letícia Mary Fernandes do Amaral
A recente aprovação do Projeto de Lei Complementar 68/2024 pela Câmara dos Deputados marca um momento crucial na história tributária do Brasil. A reforma, que regulamenta a Emenda Constitucional nº 132, promulgada em dezembro de 2023, promete transformar profundamente o sistema tributário nacional. Mas o que isso realmente significa para o país, para as empresas e, sobretudo, para os cidadãos brasileiros?
Simplificação e unificação dos tributos
Um dos pilares da reforma é a criação do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e da CBS (Contribuição Social sobre Bens e Serviços). O IBS, de competência compartilhada entre estados, municípios e Distrito Federal, e a CBS, de competência da União, visam substituir a miríade de tributos que atualmente incidem sobre o consumo. Essa simplificação é um passo essencial para reduzir a complexidade do sistema tributário brasileiro, que é frequentemente apontado como um dos mais complicados do mundo.
A preparação antecipada permitirá que as empresas se adaptem de maneira mais eficiente às novas exigências fiscais
Imposto Seletivo: regulação e saúde pública
Outro componente inovador da reforma é o IS (Imposto Seletivo), que será de competência da União e terá uma natureza regulatória. O objetivo do IS é desestimular o consumo de bens prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, como produtos de tabaco e bebidas alcoólicas. Essa medida não apenas visa aumentar a arrecadação, mas também promover a saúde pública e a sustentabilidade ambiental.
Benefícios para todos
Os defensores da reforma argumentam que ela trará benefícios significativos para o país. A simplificação tributária deve reduzir os custos de conformidade para as empresas, tornando o ambiente de negócios mais favorável e competitivo. Para os cidadãos, a promessa é de um sistema mais justo, onde a carga tributária é distribuída de maneira mais equitativa. A devolução personalizada de tributos para pessoas de baixa renda é uma das medidas que visam aumentar a justiça fiscal.
Desafios e percepções
No entanto, a implementação da reforma não será isenta de desafios. A transição para o novo sistema tributário exigirá ajustes significativos nos sistemas de arrecadação e fiscalização.
Além disso, a percepção pública será crucial. Há uma preocupação de que o aumento da arrecadação não seja acompanhado por melhorias significativas nos serviços públicos e na qualidade de vida da população. A relação entre carga tributária e IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), tal como anualmente divulgada pelo IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação) no estudo IRBES, será um indicador importante a ser observado nos próximos anos. Até hoje o Brasil sempre ocupou a última posição no ranking.
Contrapontos importantes
- Análise de impacto pelas empresas: as companhias deverão desde já analisar o impacto da reforma tributária sobre seus negócios, mantendo acompanhamento contínuo das mudanças legislativas. A partir de 2025, será essencial antever cálculos de carga tributária nos diversos cenários de suas atuações e projeções de crescimento, faturamento e expansão de mercado. A preparação antecipada permitirá que as empresas se adaptem de maneira mais eficiente às novas exigências fiscais;
- Carga tributária elevada: mesmo com a reforma tributária, será muito difícil uma redução significativa da carga tributária no Brasil. A alíquota prevista do IBS e CBS é de 26,5%, uma das mais altas do mundo. Além disso, a reforma tributária deveria estar acompanhada de uma reforma administrativa e política, que considerasse a redução da máquina pública. Sem essas reformas complementares, a carga tributária elevada pode continuar a ser um obstáculo para o desenvolvimento econômico;
- Endividamento tributário e compliance: as projeções indicam que haverá manutenção do endividamento tributário por parte das empresas, tendo em vista a necessidade de investir em compliance fiscal. Durante o período de transição da reforma, que acontecerá de 2026 a 2033, as empresas terão que manter tanto o velho sistema tributário quanto o novo em operação. Esse duplo esforço exigirá investimentos significativos em sistemas de gestão e conformidade fiscal, aumentando os custos operacionais.
Para entender melhor os impactos e desafios da reforma, é interessante analisar a entrevista realizada recentemente pela BBC News Brasil com o dr. Carlos Alberto Pinto, diretor do IBPT. Durante a entrevista, alguns pontos cruciais foram destacados:
- Aumento da arrecadação: o governo apresentou um aumento de arrecadação de mais de 8% em relação ao ano anterior, apesar de uma redução da carga tributária de 0,7% em comparação a 2022. Isso foi possível graças à ampliação da base de arrecadação, incluindo novas fontes como a taxação das compras internacionais e a tributação dos fundos exclusivos;
- Justiça fiscal e progressividade: Pinto enfatizou que a reforma busca justiça fiscal e progressividade, desonerando os de baixa renda e cobrando mais dos mais ricos. A relação entre carga tributária e IDH foi mencionada, destacando a necessidade de melhorias na qualidade de vida da população;
- Percepção pública: a percepção da população é de que o governo está cobrando mais impostos sem oferecer melhorias significativas em troca. Isso é um desafio que a reforma precisará enfrentar para ganhar aceitação pública, reforçando aqui a importância do estudo do IRBES mencionado anteriormente.
Um olhar para o futuro
A reforma tributária é um processo contínuo e a aprovação do PLP 68/2024 é apenas o começo. A segunda fase da reforma, que abordará a tributação de renda e lucros, ainda é incerta e dependerá do cenário político e eleitoral. No entanto, a expectativa é que as mudanças propostas resultem em um sistema tributário mais eficiente e justo, capaz de promover o desenvolvimento econômico e social do Brasil.
Em conclusão, a reforma tributária representa sim uma oportunidade única para modernizar o sistema tributário brasileiro. Se implementada com sucesso, pode trazer benefícios significativos para o país, as empresas e os cidadãos.
No entanto, será essencial continuarmos debatendo e monitorando de perto a implementação e os impactos da reforma para garantir que os objetivos de simplificação, justiça fiscal e desenvolvimento econômico sejam alcançados.
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