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A promulgação da Lei Complementar nº 214/2025 (LC 214/25), que instituiu o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), trouxe inovações substanciais ao ordenamento tributário brasileiro. Entre os avanços mais significativos, destaca-se a positivação de critérios objetivos para a responsabilização tributária de empresas pertencentes ao mesmo grupo econômico.
I- O novo paradigma da responsabilidade tributária de grupos econômicos
A LC 214/25 introduziu disposição expressa no sentido de que a simples existência de um grupo econômico não é suficiente, por si só, para a atribuição de responsabilidade solidária entre suas entidades integrantes.
Na prática, isso significa que a administração tributária não poderá exigir o pagamento do IBS e da CBS de uma empresa do grupo que não tenha sido o contribuinte direto da operação tributável, salvo se demonstrado, de maneira inequívoca, que essa entidade:
(i) concorreu para o inadimplemento da obrigação tributária, seja por ocultação da ocorrência do fato gerador ou do valor da operação; ou
(ii) tiver incorrido em abuso da personalidade jurídica, caracterizado por desvio de finalidade ou confusão patrimonial.
Essa delimitação normativa representa um avanço na regulamentação da responsabilidade tributária, reduzindo a insegurança jurídica e o potencial de interpretações expansivas por parte do Fisco, que, até então, frequentemente buscava responsabilizar solidariamente empresas de um mesmo grupo econômico sem a devida comprovação de sua participação efetiva no fato gerador do tributo.
II. O panorama anterior e a interpretação do Código Tributário Nacional
O Código Tributário Nacional (CTN) estabelece, em seu artigo 124, que a responsabilidade solidária pode ser atribuída a pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação tributária.
Historicamente, a administração tributária tem utilizado essa norma para fundamentar a exigência de créditos fiscais de empresas pertencentes ao mesmo grupo econômico, ainda que não houvesse evidências concretas de participação ativa no evento tributário.
Em contrapartida, os contribuintes sustentam que a responsabilização deve ser interpretada de forma restritiva e teleológica, exigindo-se a comprovação de que houve uma atuação coordenada das empresas do grupo para fraudar a legislação tributária e obter vantagem indevida.
III. A jurisprudência do STJ e o novo regime da reforma tributária
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem consolidado o entendimento de que a mera existência de um grupo econômico não configura, por si só, a responsabilidade solidária, sendo necessária a demonstração de vínculo efetivo entre a empresa e o fato gerador da obrigação tributária.
De acordo com a orientação jurisprudencial do tribunal, para que haja a responsabilização solidária, é imprescindível que se verifique a presença de práticas empresariais comuns, participação conjunta na materialização do fato gerador ou a existência de confusão patrimonial.
Apesar da relativa uniformidade desse entendimento no âmbito do STJ, o Fisco frequentemente busca ampliar o escopo da responsabilidade tributária, extrapolando os limites estabelecidos pelo tribunal e gerando contenciosos administrativos e judiciais de grande complexidade.
Com a entrada em vigor da LC 214/25, a responsabilidade tributária para IBS e CBS passa a ser regida por critérios mais objetivos e restritivos, reforçando a necessidade de demonstração concreta de interdependência operacional ou envolvimento em atos ilícitos.
IV. Segurança jurídica e perspectivas para o contencioso tributário
A delimitação clara dos critérios de responsabilização solidária tende a reduzir os litígios tributários e garantir maior previsibilidade na aplicação das normas. Espera-se que a administração tributária observe rigorosamente os novos parâmetros legais, evitando interpretações expansionistas que comprometam a segurança jurídica dos contribuintes.
Além disso, o novo regime contribui para um ambiente de negócios mais estável, garantindo que empresas de um mesmo grupo econômico que atuem de forma independente não sejam automaticamente responsabilizadas por obrigações fiscais alheias.
Com a LC 214/25, a Reforma Tributária avança no sentido de conferir maior equilíbrio às relações entre Fisco e contribuintes, garantindo uma tributação mais transparente, previsível e juridicamente segura.
Luiz Roberto Peroba É Sócio/Tax Partner no Pinheiro Neto. Assessora clientes nacionais e estrangeiros de diversas indústrias, tanto em consultoria/planejamento tributário como contencioso, em disputas administrativas e judiciais.
Os artigos escritos pelos “colunistas” não refletem necessariamente a opinião do Portal da Reforma Tributária. Os textos visam promover o debate sobre temas relevantes para o país.