Representantes de infraestrutura temem distorções na reforma tributária

Especialistas destacam desafios na regulamentação da Reforma Tributária, apontando riscos de cumulatividade, aumento de alíquotas e insegurança jurídica para contratos de concessão em setores estratégicos
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Participantes chamaram a atenção para o risco da cumulatividade de tributos – Foto: Waldemir Barreto via Agência Senado

Por Redação

A regulamentação da reforma tributária deve ser aprimorada para assegurar a segurança jurídica dos contratos e reduzir distorções no tratamento de diversos setores da infraestrutura, segundo especialistas ouvidos nesta quarta-feira (18) em audiência na CAE (Comissão de Assuntos Econômicos). Os debatedores chamaram atenção para o risco de cumulatividade de tributos, aumento de alíquotas em setores estratégicos e incerteza sobre a sustentabilidade de concessões ao setor privado.

A reforma foi promulgada em dezembro de 2023, como Emenda Constitucional 132. A audiência pública faz parte do ciclo de debates solicitado pelo presidente da CAE, senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO), para ajudar o grupo de trabalho coordenado pelo senador Izalci Lucas (PL-DF) — que presidiu a reunião — na avaliação do primeiro projeto de lei que regulamenta a reforma tributária (PLP 68/2024).


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Concorrência desleal

Representando a Confederação Nacional do Transporte (CNT), a consultora tributária Alessandra Brandão manifestou a preocupação da entidade com alguns aspectos da regulamentação. Segundo ela, o transporte internacional de cargas poderá tornar relativamente mais baixos os custos dos transportadores estrangeiros.

“Teremos uma concorrência totalmente desleal”, avaliou.

Entre outros pontos, Alessandra também apontou como oneroso o período de transição previsto para as locadoras de veículos, e cobrou mais “compreensão” e “transparência” no PLP sobre a redução de alíquotas do transporte de passageiros entre estados e municípios, da mesma forma que foi feita no transporte aéreo.

O diretor-presidente da ANTF (Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários), Davi Ferreira Gomes Barreto, salientou os avanços trazidos pela reforma tributária, em especial o princípio da não-cumulatividade de tributos. Mas ele criticou aspectos do texto em tramitação. Conforme ressaltou, o PLP não é explícito sobre o prazo de aproveitamento dos créditos acumulados de PIS-Cofins, que são importantes para a indústria exportadora e pode atingir um montante muito elevado.

“Nosso receio é que isso seja confundido com a regra geral de aproveitamento do prazo de IBS [Imposto sobre Bens e Serviços] e da CBS [Contribuição sobre Bens e Serviços], que é de cinco anos. Isso pode ter um impacto grande.”

Barreto alertou que os investimentos em ferrovias envolvem grandes somas e dependem de segurança jurídica. Ele teme que os termos da repactuação dos contratos de concessão à luz da reforma tributária possam trazer exigências descabidas às concessionárias e disse ser difícil prever o cumprimento dos prazos estabelecidos para a repactuação.

Contratos

O diretor-presidente do IBI (Instituto Brasileiro de Infraestrutura), Mário Povia, também expressou preocupação com o reequilíbrio dos contratos, lembrando que o Brasil depende basicamente de investimentos de origem privada para projetos de infraestrutura. Ele defendeu o Regime Tributário para Incentivo à Modernização e à Ampliação da Estrutura Portuária (Reporto) e o estímulo tributário à navegação de cabotagem, e cobrou uma regulamentação que torne o Brasil mais competitivo e produtivo.

“Essa simplificação tributária precisa trazer um ambiente de negócios mais favorável, segurança jurídica e estabilidade regulatória, mas também reduzir o custo Brasil.”

Para o diretor-presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), Marco Aurélio de Barcelos Silva, a segurança jurídica é peça-chave na atratividade dos novos leilões no setor. Apesar dos avanços do PLP para manter o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão, o texto não estabelece qualquer consequência se a respectiva agência reguladora não conseguir reanalisar um contrato no prazo legal de 90 dias.

“Se não considerarmos uma consequência do não cumprimento desse prazo, nos alimentaremos de frustração.”

O diretor da associação de grupos de infraestrutura MoveInfra, Márcio Roberto Alabarce, entende que, sem correções de rumo, a viabilidade de vários contratos sob a reforma tributária possa ser posta em risco. Como exemplo, ele disse que, sem crédito tributário, o imposto sobre o material de construção se torna custo para o empreiteiro.

“Existe uma violação à não-cumulatividade muito flagrante, muito gritante.”

‘Remédio’

O presidente da Associação dos Aeroportos Federais Privados (ABR), Fábio Rogério Carvalho, definiu a reforma tributária como “remédio para a sociedade”, mas também expressou preocupação com o risco do desequilíbrio dos contratos. Entre as ressalvas que fez à regulamentação da reforma tributária, ele sublinhou que o imposto seletivo sobre bebida e tabaco não faz distinção às vendas em lojas francas.

“Pela redação atual (…), os duty free brasileiros deixam de ser free (…). Seria uma surpresa muito grande não só para os turistas, mas também para a indústria.”

O vice-presidente do Fase (Fórum das Associações do Setor Elétrico), Alexandre Lopes, expressou o entendimento da entidade pela exclusão dos encargos setoriais da base da incidência do IBS e da CBS.

“Faz sentido um consumidor que está em Brasília, por exemplo, pagando subsídios ao carvão no Rio Grande do Sul, pagar tributo ainda sobre esse subsídio?” — indagou.

A diretora da Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto, Christianne Dias Ferreira, sublinhou que a reforma elevará a alíquota tributária das operadoras do setor de 9,74% para 26,5% — situação que elevará as tarifas de água e esgoto em 18%. Ela também avaliou que os tributos elevados levarão a uma redução de investimentos, e o mecanismo de cashback não será suficiente para mitigar o aumento das tarifas para consumidores de baixa renda.

“Há quatro anos aprovamos o Marco Legal do Saneamento. (…) Estamos sendo bem-sucedidos com a implementação, pois realizamos já 49 leilões (…) e há muito a ser feito.”

Segundo Christianne, a reforma tributária deveria dar tratamento equânime aos setores de saúde e de saneamento, lembrando que o investimento em saneamento corresponde a uma economia 5,5 vezes maior em saúde.

Competitividade
Para o diretor-executivo do Centronave (Centro Nacional de Navegação Transatlântica), Claudio Loureira de Souza, falta ao projeto uma equiparação tributária entre as diferentes etapas da cadeia logística, o que leva a perda de competitividade internacional. Representando a ATGás (Associação de Empresas de Transporte de Gás Natural por Gasoduto), Marina Cyrino avaliou que a atividade da associação está sendo indevidamente equiparada ao transporte por meio rodoviário para fins de recolhimento de tributos.

O consultor econômico da Fenavist (Federação Nacional das Empresas de Segurança e Transporte de Valores), Euripedes Abud, defendeu proposta que torna obrigatória a revisão de contratos em razão da alteração da carga tributária. O diretor de Novos Negócios da ABEEólica (Associação Brasileira de Energia Eólica), Marcello Cabral, pediu tratamento especial para a aquisição de energia destinada a geração de hidrogênio verde e para a operação de empresas em zonas de processamento de exportação (ZPEs). O diretor-presidente da ABTP (Associação Brasileira dos Terminais Portuários), Jesualdo Conceição da Silva, prevê cumulatividade e “exportação de tributos” se o texto for mantido como está.

A diretora jurídica e de regulação da Abragel (Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa), Renata Menescal, defendeu os benefícios socioeconômicos das centrais hidrelétricas de menor porte e também apresentou proposta de alteração do PLP com relação ao reequilíbrio de contratos de longo prazo. E Daniela Martins, diretora institucional da Conexis Brasil Digital — entidade que congrega as principais operadoras de telecomunicações —, disse que o setor recolhe atualmente 29% de tributos (segundo as estatísticas que apresentou, a média mundial está em 12%) e tem o desafio de enfrentar a concorrência de serviços semelhantes que são menos tributados.

Fazenda

O representante do Ministério da Fazenda, Matheus Rocca, assessor da Sert (Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária), concluiu a audiência pública. Ele destacou que os projetos do Poder Executivo enviados ao Congresso, que regem a transição para a nova política tributária, contaram com a participação da União, dos estados e dos municípios. Defendeu o mecanismo de reequilíbrio de contratos da forma como foi aprimorado na Câmara. No entanto, Rocca rejeitou a proposta, manifestada por entidades de infraestrutura, de possibilidade de reequilíbrio cautelar em favor das contratadas quando não houver decisão das agências reguladoras no prazo legal.

“Esse tema foi muito debatido (…). Há setores que sofrem com a morosidade nesse processo de desequilíbrio, mas não se chegou a um meio-termo de permitir uma parte do reequilíbrio de forma cautelar por diversas questões práticas (…) Dando um exemplo básico de pedágio: quem passou num pedágio e teve um acréscimo na tarifa em razão do reequilíbrio econômico-financeiro não necessariamente seria restituído por isso.”

A senadora Damares Alves (Republicanos-DF) cumprimentou os membros do grupo de trabalho que analisa a regulamentação da reforma tributária e expressou a repercussão positiva dos debates sobre o tema entre os vários setores da economia.

“Tudo que está sendo dito aqui não é só para cumprir tabela: está sendo muito, muito absorvido por todos nós”.

Izalci definiu o debate como uma abordagem do “mundo real” sobre o projeto, com o recolhimento de propostas objetivas para modificar o texto em tramitação.

“Na teoria, o projeto está bem consolidado. Teoricamente e academicamente, está maravilhoso. (…) Apresentou a emenda, vamos debater isso de forma muito clara.”


Com informações da Agência Senado