Regulamentação da reforma tributária estende benefício do IPI à ZFM e afeta restante do país

Zona Franca de Manaus
Zona Franca de Manaus
Zona Franca de Manaus tem hoje mais de 600 indústrias instaladas -Foto: Suframa

Por Caroline Souza

A regulamentação da reforma tributária, aprovada pelo Congresso em dezembro de 2024, trouxe avanços esperados, mas o diabo mora nos detalhes. Entre os pontos controversos que a ROIT analisou do texto aprovado na Câmara está a mudança no tratamento tributário para produtos da Zona Franca de Manaus (ZFM), um tema que reacende o debate sobre competitividade industrial e equidade tributária no Brasil.

O Artigo 454 do PLP 68/2024 estabelece que, a partir de 2027, produtos da ZFM sujeitos a alíquota do IPI inferior a 6,5% terão o imposto reduzido a zero. A versão aprovada ampliou o escopo em relação ao texto anterior: além dos produtos fabricados na ZFM em 2024, também poderão se beneficiar aqueles com projetos técnico-econômicos aprovados pela Suframa entre 2022 e a data da publicação da lei.

Leia como ficou o texto aprovado:

“Art. 454. A partir de 1º de janeiro de 2027, as alíquotas do IPI ficam reduzidas a zero para produtos sujeitos a alíquota inferior a 6,5% (seis inteiros e cinco décimos por cento) prevista na Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados – Tipi vigente em 31 de dezembro de 2023 e que tenham:

I – sido industrializados na Zona Franca de Manaus no ano de 2024; ou

II – projeto técnico-econômico aprovado pelo Conselho de Administração

da Suframa (CAS) entre 1º de janeiro de 2022 e a data de publicação desta Lei.

[Nosso grifo]

O Poder Executivo da União divulgará a lista dos produtos cuja alíquota de IPI tenha sido reduzida a zero.

Na prática, a mudança aparenta ser apenas um ganho para a ZFM, mas levanta outras questões críticas. A ampliação do escopo de produtos beneficiados pode abrir um espaço para maior tributação do IPI no restante do Brasil, gerando distorções na competitividade industrial. Dependendo dos itens abrangidos, empresas em outros estados enfrentarão desvantagens significativas, especialmente aquelas que não conseguirem ou não tiverem tempo de se planejar em 2024.

Importante ressaltar que as empresas que se planejaram, se instalaram na Zona Franca mesmo sem a aprovação final do PLP 68 saíram na frente, pegaram “o bonde andando” e conseguiram mudanças no texto para aproveitar das benesses regionais.

Planejamento estratégico

O texto aprovado também deixa em aberto quais produtos específicos serão afetados. Em setores onde um único item possui centenas de fábricas espalhadas pelo país, a isenção localizada na ZFM pode causar um desequilíbrio substancial no mercado. Isso reforça a importância do planejamento estratégico para empresas que pretendem navegar nas águas turbulentas da reforma tributária.

Empresas que não se anteciparam ao longo de 2024 — seja para fabricar na ZFM ou para submeter projetos técnicos à Suframa, ou até mesmo, reavaliar a cadeia de suprimentos para decidir abrir novas negociações com fornecedores situados nas regiões beneficiadas — perderam uma oportunidade valiosa. O novo artigo escancara uma verdade dura: a reforma, embora necessária, premia aqueles que se planejam e pune os desprevenidos.

Ao criar mais hipóteses de isenção, o artigo 454 intensifica um modelo que privilegia exceções. Isso pode enfraquecer o objetivo central da reforma tributária: simplificar o sistema e tornar o ambiente de negócios mais previsível. Para a ZFM, as mudanças soam como uma vitória; para o restante do Brasil, representam mais complexidade, distorções e a perpetuação de privilégios regionais.

A aprovação da regulamentação da reforma tributária é um marco importante, mas o debate sobre a justiça e os impactos das regras recém-criadas está longe de terminar. Em 2025, o Brasil terá a chance de provar se conseguiu, de fato, simplificar o complexo — ou se simplesmente empilhou regras que ainda são complexas sobre um sistema já caótico.


Caroline Souza é CFO, líder de reforma tributária na ROIT. Contadora, advogada, sócia na ROIT, professora FBT e IPOG, palestrante, VP de planejamento Assespro-PR.


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