
A Emenda Constitucional 132 autoriza a instituição de regimes específicos, diferenciados ou favorecidos de tributação no que se refere ao IBS e à CBS. A regulamentação aprovada em 17 de dezembro de 2024 pela Câmara, por sua vez, institui 11 regimes específicos de tributação para setores variados da economia, além do regime geral, dos regimes diferenciados (reduções de alíquota em 100%, 60% ou 30%) e do regime favorecido da Zona Franca de Manaus.
Neste artigo nos voltaremos ao regime específico de bares e restaurantes. Nosso objetivo é apresentar a sua inspiração, derivada dos regimes especiais do ICMS; examinar as suas regras, considerando o texto submetido à sanção presidencial; e apontar o seu alcance quando em vigor.
O regime específico de bares e restaurantes instituído pelo PLP 68/24 teve inspiração nos regimes especiais instituídos pelos Estados e pelo Distrito Federal com fundamento nos Convênios ICMS nº 9, de 1993; 116, de 2001; 65, de 2003; 91, de 2012; e 24, de 2018. Os referidos Convênios ICMS autorizam a concessão de regimes simplificados de tributação a bares e restaurantes, de modo que o ICMS incida a uma alíquota reduzida sobre a receita decorrente da comercialização de refeições (em média 5%). Em contrapartida, como regra geral, as legislações estaduais vedam a apropriação de qualquer crédito fiscal.
A finalidade desses regimes especiais é simplificar a apuração do imposto sem prejudicar a arrecadação, uma vez que é mais fácil calcular e recolher o ICMS com base apenas na receita ou faturamento do estabelecimento que fazê-lo pela sistemática normal de débitos e créditos, cujo controle e fiscalização é mais complexo e detalhado. Isso é especialmente relevante quando se trata de estabelecimentos com grande número de vendas de pequeno porte, como bares e restaurantes.
É de amplo conhecimento que o custo de conformidade fiscal no Brasil é um dos maiores do mundo. De acordo com o estudo Doing Business do Banco Mundial (2020), os contribuintes brasileiros gastam, em média, por ano, 1.493 horas com o cumprimento de suas obrigações tributárias, enquanto México, Índia e Rússia e os países de alta renda membros da OCDE gastam 300 e 156 horas, respectivamente, o que coloca o Brasil na última colocação (191ª posição), com uma distância considerável para o penúltimo colocado (Bolívia), que gasta, em média, por ano, 1.025 horas. Como consequência desse cenário, diversos contribuintes do setor optaram por apurar e recolher o ICMS nos termos dos regimes especiais de tributação instituídos com base nas autorizações previstas nos Convênios ICMS mencionados acima.
A simplificação do regime de apuração do ICMS gera efeitos positivos não só ao contribuinte, mas também ao Erário. Isso porque há uma redução nas despesas relacionadas à fiscalização do setor de bares e restaurantes, como também um aumento na arrecadação, decorrente do crescimento do setor. E foi exatamente em razão desses benefícios mútuos que o modelo hoje aplicado a bares e restaurantes no âmbito do ICMS foi incorporado pelo PLP 68/24.
Em sua redação original, o PLP 68/24 estabelecia uma redução das alíquotas de referência do IBS e da CBS de modo que a carga tributária do setor de bares e restaurantes resultasse em arrecadação equivalente àquela do ICMS e do PIS/COFINS. Em contrapartida, era vedada a apropriação de créditos de IBS e de CBS tanto pelos bares e restaurantes, como pelos adquirentes de alimentação fornecidas por aqueles contribuintes. O texto também previa a exclusão das gorjetas da base de cálculo do IBS e da CBS, desde que integralmente repassados aos empregados.
Nota-se que o modelo originalmente proposto pelo PLP 68/24 era extremamente semelhante aos regimes de tributação inaugurados pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ). De um lado, aplicar-se-ia uma alíquota reduzida, enquanto, de outro, ficava vedada a apropriação de créditos. A adoção desse modelo tinha suporte não só na experiência positiva no âmbito estadual, mas também no novel princípio da simplicidade do Sistema Tributário Nacional, introduzido pela EC 132/23.
O texto do PLP 68/24, porém, sofreu algumas alterações no curso de seu processo legislativo. Optou-se pela substituição do modelo simplificado, que era cumulativo, por um modelo não-cumulativo no qual se aplica uma alíquota do IBS e da CBS com redução de 40% e com direito a apropriação de créditos desses tributos que forem pagos nas aquisições de bens, serviços e direitos pelos bares e restaurantes. Apesar da opção em privilegiar a não cumulatividade em relação à simplicidade, foi mantida a vedação à apropriação de créditos pelos adquirentes de alimentação fornecidas por bares e restaurantes.
Além disso, a nova redação do PLP 68/24 prevê uma segunda hipótese de exclusão da base de cálculo do IBS e da CBS devidos pelos bares e restaurantes, qual seja as taxas repassadas aos prestadores de serviços de entrega e intermediação de pedidos de alimentação.
Outra modificação importante no texto do PLP 68/24 foi a restrição do regime específico com relação às operações envolvendo fornecimento de alimentos e bebidas a eventos, comissaria ou catering; alimentos e bebidas adquiridos de terceiros e que não tenham sido submetidos a qualquer tipo de preparo no estabelecimento (revenda de alimentos); e bebidas alcoólicas. A redação original não impunha essas limitações, quaisquer operações de fornecimento de alimentos e/ou bebidas por bares e restaurantes estavam sujeitas ao regime específico.
Na redação submetida à sanção presidencial, o regime específico de bares e restaurantes se descolou de sua inspiração original, qual seja os regimes especiais de ICMS, aproximando-se do regime diferenciado de alimentos destinados ao consumo humano. A escolha do legislador foi privilegiar a não cumulatividade ampla e o modelo de alíquotas reduzidas em relação à simplicidade do modelo original.
Embora haja uma redução na simplicidade do regime, há pontos positivos nessa mudança. O regime específico fica mais próximo da sistemática geral, reduzindo o número de exceções à regra geral, o que era um dos objetivos da reforma tributária, como também garante uma tributação reduzida a produtos essenciais à população (alimentos).
Por outro lado, é essencial acompanhar os atos normativos infralegais a serem editados pela Receita Federal e pelo Comitê Gestor para cumprimento das obrigações tributárias acessórias a fim de verificar o seu grau de complexidade. Caso não seja garantida uma redução no grau de complexidade das obrigações tributárias acessórias relacionadas a esse regime específico se comparado com o atual, independentemente da escolha legislativa feita no curso do PLP 68/24, estar-se-á violando a razão pela qual esse regime específico foi originalmente criado.
Guilherme Gregori Torres é Associado sênior da área tributária de Pinheiro Neto Advogados. Mestrando em Direito Constitucional e Processual Tributário e Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Este artigo foi publicado com exclusividade na 2ª edição da Revista da Reforma Tributária. Adquira seu exemplar aqui.
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