Por Matheus Bueno e Aline Kazari
A entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 132/2023 marcou o início de uma significativa Reforma Tributária sobre o consumo. Essa emenda consolidou o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que abrangerá tanto o ISS (Municipal) quanto o ICMS (Estadual). Paralelamente, os impostos federais como PIS e COFINS serão fundidos na Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Além disso, bens e serviços considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente podem estar sujeitos ao Imposto Seletivo (IS), enquanto produtos primários ou semielaborados poderão ser tributados por Contribuição Estadual.
Assim, a reforma promete simplificar a tributação sobre o consumo, oferecendo maior segurança ao sistema atual, sem aumentar a arrecadação. No entanto, é claro que essa simplificação não será tão ideal quanto se esperava (de cinco tributos, voltamos a ter outros cinco), embora se antecipe uma transparência sem precedentes. Enquanto alguns conflitos tradicionais entre fisco e contribuinte podem diminuir, é incerto quantos novos surgirão com a regulamentação futura. Além disso, dada a falta de conhecimento sobre as alíquotas efetivas dos novos tributos, é difícil garantir que a arrecadação não aumentará.
A transição para o novo modelo será gradual, com início em 2026 e previsão de conclusão até 2033. Esse período representa um desafio significativo para as empresas, pois exigirá que atendam aos requisitos legais dos tributos existentes (PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS), além dos novos tributos (CBS e IBS).
Os créditos de PIS e COFINS poderão ser compensados com a CBS, ou como é atualmente praticado, podem ser utilizados para compensação com outros tributos federais ou reembolsados em dinheiro. Os créditos homologados de ICMS serão compensados com o IBS em até 240 parcelas, a partir de 2033, com correção monetária, conforme vier a ser estabelecido em Lei Complementar.
Em termos gerais, eis nosso resumo direto ao ponto:
Reforma Tributária nas Instituições Financeiras: A necessidade de um regime diferenciado
Apesar da necessidade de elaboração de Leis Complementares e outras normativas nos próximos meses e anos para detalhar com precisão a carga tributária de cada setor, já é possível identificar algumas diretrizes claras em relação ao setor financeiro.
O universo das instituições financeiras encontra-se diante de desafios particulares. O regime convencional proposto pela EC nº132, se aplicado sem ajustes específicos, poderia trazer consequências desfavoráveis para esse segmento crucial da economia, impactando não apenas as próprias instituições, mas também os consumidores e a dinâmica financeira do país.
A transição para um novo modelo tributário poderia acarretar um aumento nos custos operacionais das instituições financeiras, refletindo-se, eventualmente, nos serviços oferecidos aos clientes. Além disso, a mudança de regime tributário pode trazer incertezas quanto ao impacto nos custos dos bens utilizados pelas instituições financeiras em suas operações diárias.
Um dos pontos de preocupação é o aumento substancial da alíquota sobre as receitas financeiras, que poderia saltar de 4,65%+5% para uma faixa entre 25% e 30%, representando um desafio significativo para a rentabilidade das instituições. A perspectiva de um aumento nos créditos sobre gastos é insuficiente para compensar o potencial aumento da carga tributária sobre as operações das instituições financeiras.
A tributação no destino levanta questões complexas, especialmente no contexto das transações financeiras, podendo gerar conflitos entre os municípios para a repartição da receita tributária. A definição precisa dos serviços financeiros a serem tributados é essencial para evitar ambiguidades e garantir uma aplicação justa do novo regime.
A possibilidade de bitributação, especialmente entre o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e o Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) dual, precisa ser cuidadosamente considerada e mitigada para evitar distorções e impactos negativos. O regime tributário deve ser desenhado levando em conta a especificidade dos serviços financeiros e das instituições que os fornecem, de modo a evitar conflitos e distorções indesejadas.
Diante desses desafios, torna-se evidente a necessidade de um regime tributário diferenciado para as instituições financeiras. O Projeto de Lei Complementar que regulamenta a reforma estabelece um regime específico para as instituições financeiras, abrangendo uma ampla gama de atividades, desde intermediação financeira até seguros e capitalização.
Um dos pontos centrais desse novo modelo tributário é a base de cálculo, definida como a margem da operação. Embora a alíquota seja uniforme em todo o território nacional, sua determinação final ainda não foi divulgada, permanecendo como um dos aspectos a serem finalizados nos próximos passos da legislação.
Dentre os serviços contemplados, destacam-se aqueles que não estavam expressamente mencionados na legislação anterior, como é o caso dos corretores de seguros e assessores de investimentos. Esse alargamento do escopo reflete a complexidade do setor financeiro e a necessidade de regulamentação específica para suas diversas atividades.
Um dos principais desafios enfrentados durante o processo de elaboração da reforma foi a determinação da base de cálculo, que varia conforme a natureza de cada atividade. No entanto, o critério adotado buscou manter a carga tributária sobre operações de crédito das instituições financeiras, com uma regra específica para o arrendamento mercantil.
Uma das grandes novidades trazidas pelo projeto é a possibilidade de tomada de créditos nas aquisições de bens e serviços, bem como em operações como arrendamento mercantil e administração de consórcios. Isso representa uma oportunidade para desonerar o financiamento bancário para as empresas, potencialmente reduzindo os custos e aumentando a competitividade do mercado.
No entanto, é importante destacar que algumas exceções foram estabelecidas quanto ao crédito tributário, especialmente nos serviços financeiros prestados a pessoas físicas e em determinados produtos destinados a esse público. Além disso, as empresas do setor financeiro terão que lidar com dois regimes distintos, um específico para suas atividades e outro para aquelas fora desse escopo.
Outro aspecto relevante é a simplificação das obrigações acessórias, com a possibilidade de uma apuração mensal dos tributos devidos. Essa medida visa reduzir a burocracia e simplificar o processo de conformidade fiscal para as empresas do setor.
No que diz respeito à distribuição da arrecadação do novo imposto sobre bens e serviços (IBS), o Comitê Gestor terá a responsabilidade de verificar o local de destino das operações, garantindo uma distribuição equitativa em todo o país.
Em resumo, a Reforma Tributária nos serviços financeiros traz consigo uma série de desafios e oportunidades. Enquanto busca simplificar o sistema tributário e desonerar as empresas, também demanda uma adaptação às novas regras e uma revisão dos processos internos para garantir conformidade e eficiência operacional.
Eis nosso resumo direto ao ponto:
Estratégias: como devem ser feitas? “If you fail to plan, you are planning to fail!”
O tema em questão é de extrema importância, porém, como lidar com ele? Como sempre, direto ao ponto:
Primeiramente, é essencial identificar os times e responsáveis e estabelecer prazos para a transição para o novo sistema tributário. Isso envolve desenhar quem são os times e indivíduos envolvidos na compreensão e direção do tema. Embora diversos setores dos negócios possam ser chamados para auxiliar, é crucial ter um líder conduzindo essas iniciativas.
Após isso, é pertinente criar uma modelagem que identifique as variáveis no preço e outras grandezas do modelo atual, para estimar os impactos dos novos tributos ao longo do tempo. Embora possa parecer prematuro, essas projeções financeiras servem para antecipar cenários e identificar possíveis ganhos, perdas, riscos e oportunidades, permitindo decisões informadas antes que se tornem urgentes.
Também é importante considerar os efeitos nos regimes atuais, na cadeia de logística e suprimentos, bem como a conveniência de explorar novas exceções criadas. Além disso, deve-se avaliar a possibilidade de a empresa possuir créditos fiscais do regime atual, antecipando cenários para evitar custos desnecessários.
Por último, e mais importante, são as pessoas. As equipes atuais podem não ser suficientes para estrategicamente antecipar e planejar a transição para o novo regime. Investimentos em equipes internas e assessores externos são necessários para dimensionar corretamente o que fazer e quando fazer. Líderes preparados para tomar as decisões corretas e executivos treinados para fornecer os cenários de ação são essenciais diante dessa reforma tributária do consumo. Essas ações podem significar maximizar ganhos e minimizar perdas para qualquer negócio.
Matheus Bueno é advogado (USP, 2001), especialista em tributário (IBET, 2003; IBDT, 2008; Georgetown Law, 2012). Sócio do Bueno Tax, boutique com clientes de diversas verticais da economia.
Aline Kazari é advogada da Bueno Tax. Tem sólida expertise no âmbito do contencioso administrativo tributário e consultoria.
Os artigos escritos pelos “colunistas” não refletem necessariamente a opinião do Portal da Reforma Tributária. Os textos visam promover o debate sobre temas relevantes para o país.
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