Reforma no Brasil: simples como a substituição tributária

substituicao tributaria
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Ilustracao via ChatGPT

Por Daniel Piga Vagetti

A origem histórica da substituição tributária é controversa: parte da doutrina a remete ao Direito Romano, enquanto outra parcela faz referência ao final dos anos 700 na França. Há quem defenda também que o nascimento da substituição tributária tenha ocorrido na Itália com a edição da Lei nº 4.021/1877, que trouxe regras relacionadas à retenção de tributos pela fonte pagadora.

Não obstante eventuais divergências de origem histórica, cabe destacar que se trata de um instituto antigo, coexistente com o próprio desenvolvimento do conceito de tributo. Além disso, considerando que nas operações sujeitas ao referido regime a fiscalização acaba por se concentrar em um número menor de agentes, normalmente aqueles localizados no início da cadeia de produção/circulação, seu desenvolvimento está intimamente ligado a uma pretensa diminuição da evasão fiscal e à simplificação do controle referente ao cumprimento das obrigações tributárias.

Ocorre que a referida concentração da obrigação em um único sujeito tem reflexos diretos na obrigação tributária, que se refere à ligação obrigacional existente entre o Fisco e, como regra geral, o sujeito que praticou o fato descrito na hipótese normativa tributária, tendo em vista que o legislador acaba por excluir a obrigação comumente atribuída ao sujeito (pagamento do tributo) e a desloca a um terceiro com o qual o primeiro estabeleceu uma relação jurídica material própria[1].

Ainda, de maneira complementar, cabe mencionar que, resumidamente, temos hoje duas modalidades de substituição tributária: (i) substituição tributária para trás, que se refere aquela em que a legislação estabelece que o tributo será recolhido pelo substituto na próxima operação jurídica. Ou seja, o recolhimento não será feito pelo realizador da operação jurídica (substituído), mas sim por aquele que levar a cabo à operação seguinte (substituto). Sobre tal modalidade de substituição tributária, o Professor Paulo de Barros Carvalho[2] esclarece que se trata de uma verdadeira hipótese de diferimento, onde há a postergação do instante do pagamento do tributo, sendo que a regra-matriz de incidência tributária permanece inalterada em todos os seus aspectos, incidindo e dando nascimento à obrigação tributária, sendo que apenas a exigibilidade do cumprimento dessa relação jurídica é que acaba sendo adiada para um momento posterior da cadeia; e (ii) substituição tributária para frente, hipótese em que o substituto integra a relação jurídica constituída antes mesmo da ocorrência do fato imponível que talvez venha a ser praticado no futuro pelo substituído. A prática é denominada pela doutrina[3] de “fato gerador presumido”, e se refere a uma norma jurídica que atribui a um fato indiciário de situação provável de ocorrência no futuro, consequências jurídicas próprias do fato jurídico típico tributário.

Feitos estes breves comentários sobre a substituição tributária, verificamos que essa última modalidade (“para frente”) acabou sendo inserida pelo Senado Federal no art. 492 do PLP 68 (regulamentação da reforma tributária sobre o consumo), dispondo que “o Comitê Gestor do IBS e a Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, por meio de ato conjunto, poderão estabelecer regime de substituição tributária em relação ao IBS e à CBS incidentes em operações subsequentes, realizadas a partir de 1º de janeiro de 2029”.

Ora, a previsão do instituto da substituição tributária (majoritariamente criticado pela doutrina e pelos profissionais da área tributária dado sua complexidade e disfuncionalidades causadas no sistema) no âmbito da regulação da reforma tributária sobre o consumo discutida atualmente no legislativo não tem o menor sentido (a não ser aqueles de caráter políticos e outros que fogem da discussão democrática). Além de violar os princípios norteadores[4], a movimentação legislativa coloca em dúvida toda a funcionalidade prometida com o novo modelo de tributação.

Fica claro que a potencial alteração e mudança do paradigma da relação de confiança entre o “fisco e o contribuinte” que a reforma poderia promover não está no radar dos legisladores. Se fosse para manter institutos “consagrados” no atual sistema tributário, não seria necessária uma reforma de alcance constitucional. Poderia o legislador, de maneira muito mais simples e menos burocrática, passar a adotar de maneira ampla o regime de substituição tributária ou até mesmo a sistemática do regime monofásico. Dessa forma, a despeito das distorções do atual sistema, as empresas, seriam poupadas de um longo regime de transição, custos adicionais de adequação sistêmica e de pessoal para, ao fim e ao cabo, retornarem ao cenário que vem sendo construído desde a promulgação do Código Tributário Nacional em 1966.

Em uma última palavra: espera-se que a Câmara dos Deputados faça jus a este momento legislativo histórico que o Brasil atravessa e se utilize da sua prerrogativa para afastar a possibilidade de uma “IVA-ST” (verdadeira jabuticaba).


[1] PANDOLFO, Rafael. ICMS, substituição tributária, limites constitucionais e phármakon in NETO, Arthur M. Ferreira Neto. NICHELE, Rafael. (coords.). Curso avançado de substituição tributária. Modalidades e direitos do contribuinte à luz da atual jurisprudência do STF. 3ª Edição. São Paulo: Malheiros; Porto Alegre: IET, 2020. Pag. 277.

[2] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 7ª Edição revista. São Paulo: Noeses, 2018. Pag. 678 e 679.

[3] FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade tributária e o código civil de 2002. 3ª Edição. São Paulo: Noeses, 2013. Pag. 69 e 70.

[4] A respeito da violação dos princípios constitucionais, recomendamos a leitura do recente artigo publico no CONJUR do Professor Hugo de Brito Machado Segundo denominado “Os princípios da reforma são só ‘aula de religião’?”, disponível em <https://www.conjur.com.br/2024-dez-04/os-principios-da-reforma-sao-so-aula-de-religiao/>. No excelente texto, o Professor Hugo, recentemente aprovado no concurso de livre docência da faculdade de direito da USP, trás luz ao tema e explora a noção de constitucionalização simbólica elaborada pelo Professor Marcelo Neves.


Daniel Piga Vagetti é coordenador Tributário na Ourofino Saúde Animal. Advogado e contador atuante no consultivo tributário (especialista em Direito Tributário pelo IBET e mestre em Direito Tributário pela FGV-SP) com mais de 10 anos de experiência.


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