Por Regina Krauss
Fabio Queiroz, executivo de Tax com passagens pela Adidas, EY, Crown Embalagens e Dana Corporation, descreve o cenário atual brasileiro como o segundo grande ponto de inflexão vivido em sua experiência de mais de 25 anos no setor tributário. O primeiro foi a revolução tecnológica dos anos 2000, conta ele.
O executivo destaca os desafios de apresentar a reforma ao board de grandes multinacionais e da importância de garantir previsibilidade no processo de transição que deve perdurar por sete anos, como previsto na EC 132/23.
Do analógico ao digital
Ao analisar a transformação em curso no sistema tributário, o executivo lembra que a revolução digital talvez tenha sido a última mudança de grandes proporções. “Quando eu cheguei na empresa, nos anos 90, estávamos instalando o Windows nos computadores e o primeiro ERP. Naquela época tudo era feito em formulário contínuo, com quatro vias e as atualizações vinham em calhamaços de folhas. Era comum você receber um fiscal de ICMS e ele pedir todos os livros dos últimos cinco anos. Saía com uma kombi de livros”, lembra Fabio.
Em poucos anos tudo evoluiu muito rápido e a passagem para o digital se tornou obrigatória para todas as empresas, profissionais e para o fisco também. “Inteligência artificial, processos digitais, automação. Estamos vivendo isso, mas, ao mesmo tempo, estamos no Brasil. É muito complexo você pensar que na nossa realidade você vai automatizar tudo. Já é atualmente um dos mais complexos do mundo, com outro em sistema rodando em paralelo por anos, beira a insanidade”. No entanto, Fabio pondera que não vê outra forma de desmontar um sistema tão complexo como o brasileiro, especialmente simultaneamente para as três esferas.
O Brasil não é para amadores
“Eu torço para que a reforma realmente traga simplificação, diminua as judicializações e garanta um ambiente de negócios previsível, porque o sistema em que trabalhamos hoje é simplesmente insano, tanto para gerenciar e se adequar quanto para explicar a quem está fora do Brasil.” Fabio conta que já viveu inúmeras situações em que teve que redobrar os esforços para convencer os executivos estrangeiros de conceitos habituais para os brasileiros, tais como o imposto como parte da formação do preço, alíquotas diferentes em cada estado ou município e para diferentes setores. “É verdade que o Brasil não é para amadores. Por isso, normalmente você vai ver que os executivos de tax para a América Latina estão no Brasil.”
Previsibilidade
Um dos pontos cruciais para a reforma tributária dar certo, segundo ele, é a garantia de previsibilidade. “Me parece que a lógica é: vai complicar primeiro para depois de oito anos de transição, facilitar. Neste processo, é fundamental que as empresas saibam o que vai acontecer, pois precisam começar a investir agora e não podem ser surpreendidas daqui a um tempo com uma nova uma normativa ou regulamentação que vai entrar em vigor daqui a três meses”.
O maior desafio hoje é começar a dimensionar o tamanho do projeto e dos investimentos necessários dentro das empresas para se preparar para reforma, afirma. “Me preocupam mais os processos e as pessoas do que a simples configuração de software fiscal”, afirma.
O ex-CFO da Adidas conta que a primeira preocupação do board é entender a timeline da reforma. “Porque a princípio seria para simplificar, o que é ótimo, mas agora já temos diversas exceções e ainda não se tem ideia da alíquota padrão do IVA. Sobre o ICMS, que na minha opinião é o imposto mais complexo do mundo, se realmente acabar, já conseguimos um grande avanço”.
Fabio lembra que empresas e acionistas precisam conhecer as regras do jogo. “Se realmente entrar em vigor em 2026, as empresas terão um curtíssimo prazo para adaptação. A programação de ordem de vendas do começo do ano que vem já está lançada, por exemplo”. Em sua experiência anterior, Fabio conta que fez uma estimativa de custo de adaptação dos negócios baseada no percentual investido na última mudança de sistemas. Na sequência, é preciso pensar na seleção e preparação do time que vai cuidar do modelo atual e do modelo a ser implantado e, principalmente, mapear os processos dentro da empresa.
Urgência
A impressão compartilhada por Fabio é a de que muitos profissionais e empresários ainda acham que a reforma tributária é um projeto de lei e não uma Emenda Constitucional (que pode sofrer alterações, mas que já foi aprovada em 2023). “Tenho percebido que as pessoas estão um pouco por fora e até achando que talvez uma mudança de governo lá na frente vai cancelar tudo. E isso não é verdade. Não podemos deixar para começar a fazer alguma coisa no segundo semestre de 2026. Neste sentido, já estamos atrasados. Bastante atrasados”.
Essa reportagem foi publicada com exclusividade na Revista da Reforma Tributária. Acesse a edição completa aqui (é gratuito).