Por que sou contra a reforma tributária?

Uma Reflexão sobre um “Frankenstein” chamado de PEC 45/2019 (Emenda Constitucional 132/2023).
O plenário da Câmara
O plenário da Câmara
O plenário da Câmara durante a votação da reforma tributária – Foto: Bruno Spada via Câmara dos Deputados

Por Moises R. Coimbra

Que o Brasil precisa de uma reforma tributária, isso é inquestionável. Porém, que seria primordialmente mais importante uma reforma administrativa, antes de se discutir uma reforma tributária, indubitavelmente seria essencial. 

O Brasil está prestes a implementar uma reforma tributária que pode ter consequências graves para a economia. A transição desta reforma levará mais de 50 anos para ser plenamente concluída e promete décadas de caos, burocracia e perda de competitividade.

No início o projeto da reforma tributária começou ideal, depois com o tempo apresentou algumas imperfeiçoes, cheio de furos, influenciada por “lobistas”, e hoje acredito que essa tal reforma seja um desastre que só o tempo dirá e mostrará.

Isso é tão verdade, que um exemplo notável é o lobby do agronegócio, que conseguiu emplacar a redução de impostos sobre agrotóxicos e outros insumos agrícolas. Durante o processo de votação, várias emendas foram apresentadas por deputados, muitas das quais foram redigidas por profissionais ligados ao setor agropecuário.

Essa influência é comum em processos legislativos, onde grupos de interesse buscam moldar as leis de acordo com suas necessidades e benefícios. No caso da reforma tributária, a atuação dos lobistas do agronegócio resultou em vantagens fiscais significativas para o setor. 

Por meio século, as empresas terão que lidar com duas contabilidades fiscais simultâneas: uma que lentamente se expande e outra que gradativamente desaparece. Essa exigência duplicada gerará confusão, sobrecarga e inevitáveis erros fiscais, que se acumularão em passivos imprevisíveis.

Muitas empresas já estão planejando terceirizar uma das contabilidades para aliviar a pressão sobre seus contadores.

Outro exemplo são as empresas do Simples Nacional. Mas afinal, as empresas do Simples Nacional serão impactadas pela Reforma Tributária? Sim, a reforma tributária trará impactos significativos para as empresas do Simples Nacional. A principal mudança é a introdução da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que substituirão tributos como ICMS, IPI, PIS e COFINS.

As empresas do Simples Nacional poderão optar por continuar no regime atual ou adotar o novo modelo, o que pode trazer maior complexidade tributária e custos adicionais. Além disso, haverá ajustes na forma de concessão de créditos fiscais, o que pode influenciar o planejamento contábil e fiscal dessas empresas.

Essas mudanças exigirão uma reavaliação das estratégias empresariais para cumprir as novas regras e aproveitar as oportunidades que surgirão com o novo modelo tributário. A citar como exemplo alguns dos motivos prejudiciais:

Aumento da carga tributária: As empresas do Simples Nacional podem enfrentar um aumento na carga tributária se optarem por recolher a CBS e o IBS fora do regime simplificado, para gerar créditos integrais aos seus clientes1. Isso pode resultar em custos adicionais e maior complexidade na gestão tributária.

Perda de competitividade: Empresas que permanecem no regime do Simples Nacional podem gerar créditos fiscais reduzidos para seus clientes, o que pode desestimular outras empresas a comprarem delas. Isso pode levar a uma perda de mercado e redução nas vendas.

Complexidade administrativa: A necessidade de operar dois regimes tributários simultaneamente (Simples Nacional e o novo modelo de CBS e IBS) pode aumentar a complexidade administrativa e os custos operacionais1. Isso exigirá novos sistemas e maior esforço contábil.

Esses fatores podem impactar negativamente a competitividade e a sustentabilidade das micro e pequenas empresas que optam pelo Simples.

Historicamente, o Simples Nacional é um regime tributário criado especialmente para tornar a vida das Microempresas (ME) e Empresas de Pequeno Porte (EPP) mais fácil. Com o regime, reduz-se tanto a burocracia quanto os custos dessas empresas, que têm um faturamento menor do que aquelas que optam pelos dois regimes de Lucro.

Criado pela Lei Complementar 123/2006, ele reúne a cobrança de vários impostos em uma única guia, chamada DAS (Documento de Arrecadação do Simples Nacional). Com isso, tributos como IRPJ, IPI, CSLL, COFINS, PIS/PASEP, CPP, ICMS e ISS são todos pagos de uma vez, simplificando o processo.

Na reforma tributária, porém, as empresas no Simples que atuam como fornecedoras correm o risco de se tornarem menos atraentes, uma vez que o Simples Nacional não transfere a totalidade dos créditos tributários aos seus clientes.

Quanto as atividades que permitem a opção pelo Simples Nacional, o projeto de reforma não inclui tal tópico, podendo haver a manutenção das atividades ou algum ajuste, ao teor do que for proposto no trâmite do Projeto de Lei.

O PL 68/2024, encaminhado pelo Poder Executivo, não inclui tópico quanto a atividades passíveis de opção pelo Simples Nacional. Conforme consta do PL 68/2024, as empresas optantes do Simples Nacional são contribuintes do IBS e da CBS.

Art. 21. É contribuinte do IBS e da CBS:

(…)

§ 4º Os optantes pelo Simples Nacional poderão exercer a opção de apurar e recolher o IBS e a CBS pelo regime regular, hipótese na qual o IBS e a CBS serão apurados e recolhidos conforme o disposto nesta Lei Complementar.

§ 5º A opção a que se refere o § 4º será irretratável para todo o ano-calendário e será exercida no mesmo prazo previsto para exercício da opção pelo Simples Nacional, nos termos do art. 16 da Lei Complementar nº 123, de 2006

Quanto a transferência de créditos, as empresas do Simples Nacional, na legislação atual transferem créditos de ICMS, apenas de ICMS,  no valor determinado com base na faixa de receita bruta no mercado interno a que a ME ou a EPP estiver sujeita no mês anterior ao da operação, mediante aplicação das alíquotas nominais constantes dos Anexos I ou II, havendo créditos específicos na hipótese de empresas em início de atividade, no percentual de 1,36% (atividade do Anexo I) e de 1,44% (Atividades do Anexo II) §§ 1º a 3º, do art. 60 da Resolução CGSN nº 140/2018).

Já o projeto da reforma tributária – conforme o art.146, § 2º da CF/88 com a redação da EC 132   – prevê que os créditos de IBS e CBS serão nos valores que foram recolhidos.

Portanto, sendo optante pelo regime (RPA, por fora do Simples Nacional), apurará e recolherá o IBS e CBS pelo regime normal de apuração, podendo apropriar e transferir créditos integralmente, mantendo-se no SIMPLES em relação aos demais tributos.

Mas o que isso tudo quer dizer? Como fica afinal as empresas optantes pelo Simples com a Reforma Tributária? Há de fato algum benefício pelo menos paras as empresas do Simples Nacional?

A Reforma Tributária mantém as políticas de tratamento especial e favorecido, no âmbito do IBS e da CBS, para pequenas e microempresas, por meio do SIMPLES Nacional (art. 146 da CF).

As empresas enquadradas no SIMPLES passam ainda a ter a opção de:

  1. Apurar e recolher IBS e CBS segundo as regras do SIMPLES, caso em poderão transferir créditos correspondentes ao que foi recolhido neste regime; ou
  1. Apurar e recolher IBS e CBS pelo regime normal de apuração, podendo apropriar e transferir créditos integralmente, mantendo-se no SIMPLES em relação aos demais tributos.

Outro ponto positivo para as empresas do SIMPLES é que a Reforma Tributária reduz significativamente a necessidade da substituição tributária, que hoje onera as empresas enquadradas neste regime.

E quais são os demais problemas com essa Reforma Tributária? A extinção do ICMS, um tributo estadual usado para atrair empresas e estimular o desenvolvimento regional, será um golpe severo para os estados. Sem essa ferramenta, estados eficientes não poderão reduzir impostos para viabilizar negócios. Com margens de lucro variando entre 5% e 8%, uma redução de 5% na carga tributária poderia salvar muitos negócios em dificuldades, mas a reforma negligencia completamente esse impacto.

Apesar de anos de debates, a reforma mantém aberrações fiscais que penalizam o setor produtivo. Tributar cada etapa da cadeia de produção continuará drenando o capital de giro das empresas, que são obrigadas a antecipar impostos ao governo antes mesmo de receber pelos produtos vendidos.

Além disso, a exigência de pagamento em 15 dias, mesmo quando as vendas são feitas a prazo de 10 meses sem juros, compromete ainda mais a capacidade de investimento e o crescimento econômico.

O silêncio de setores importantes, como FIESP, Associação Comercial e Fecomércio, diante dessa tragédia anunciada é alarmante. Como um único economista do governo, Bernard Appy, conseguiu monopolizar o debate sobre uma reforma de tamanha magnitude? Onde estão as vozes que deveriam proteger o setor produtivo e lutar por um sistema tributário mais justo?

E a sociedade também tem sua parcela de responsabilidade. A apatia política e a omissão intelectual permitiram que essa reforma avançasse sem oposição significativa. Poucos perceberam que ela consumirá 28% de sua renda sem oferecer uma contrapartida adequada. Essa negligência custará caro.

Esta reforma tributária não é apenas desastrosa – ela ameaça diretamente o desenvolvimento econômico do Brasil. O que está em jogo não é apenas a sobrevivência das empresas, mas a capacidade do país de se manter competitivo no cenário global.


Moises R. Coimbra é formado em Administração de Empresas pela Universidade Ashworth College nos EUA, Contador pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Pós-graduado em Auditoria Contábil pela Faculdade de São José dos Campos, MBA em Tributos Diretos (IRPJ e CSLL) pelo Grupo Educacional BSSP, Pós-Graduado em Advocacia Tributária e Contabilidade Tributária pela renomada EPD – Escola Paulista de Direito. Pós-Graduado em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Pós-Graduando em Gestão Fiscal e Tributária promovido pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e Extensão em Especialização em Tributação na Indústria do Petróleo e Gás pela APET (Associação Paulista de Estudos Tributários).


Os artigos escritos pelos “colunistas” não refletem necessariamente a opinião do Portal da Reforma Tributária. Os textos visam promover o debate sobre temas relevantes para o país.