Os debates no Congresso sobre a responsabilidade das plataformas digitais

É fundamental que as discussões avancem de forma a atribuir responsabilidades às plataformas digitais sem comprometer o desenvolvimento de suas atividades, escreve Luiz Roberto Peroba
Fachada do Congresso Nacional
Fachada do Congresso Nacional
Fachada do Congresso Nacional, a sede das duas Casas do Poder Legislativo brasileiro – Jefferson Rudy via Agência Senado

Em meio às discussões que permeiam a regulamentação da reforma tributária, têm ganhado destaque a questão sobre a responsabilização das plataformas digitais. A complexidade dessas discussões envolve determinar se as plataformas devem ser responsáveis pela retenção e recolhimento de tributos sobre as transações que intermediam, definindo os mecanismos para garantir o cumprimento dessas obrigações, além de definir as respectivas obrigações acessórias.

A atribuição de responsabilidade reflete a transformação da economia digital e a urgência de adaptar a legislação tributária a essa nova realidade, tema que tem sido debatido globalmente. Com o aumento expressivo do comércio eletrônico e a atuação crescente das plataformas digitais como intermediárias em transações comerciais, tornou-se essencial que essas empresas assumam um papel ativo no cumprimento das obrigações fiscais, garantindo que os tributos sejam devidamente arrecadados e repassados às autoridades competentes.

No texto atual do PLP 68/2024, o artigo 23 traz prevê que as plataformas digitais estabelecidas no país ou no exterior serão responsáveis pelo recolhimento do IBS e da CBS, sendo essa responsabilidade atribuída (i) em substituição ao fornecedor estrangeiro; e (ii) de forma solidária ao contribuinte residente e domiciliado no Brasil e que não registre a operação em documento fiscal eletrônico. No entanto, o assunto está longe de ter uma definição, pois apenas no Senado Federal já foram apresentadas ao menos 22 propostas de emendas que tratam de temas relacionados à responsabilização das plataformas digitais.

Dentre essas, 9 emendas estão diretamente ligadas às regras de responsabilidade fiscal das plataformas. A maioria delas (5) busca isentar as plataformas da responsabilidade pelo recolhimento de tributos em transações realizadas por fornecedores brasileiros, desde que as empresas forneçam mensalmente à Receita Federal do Brasil e ao comitê gestor todas as informações necessárias sobre essas transações (Emendas nºs 22, 168, 193, 224 e 715). Essa abordagem está em linha com as recomendações da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), que defende a adoção de políticas que incentivem a transparência e o fornecimento de dados para melhorar a fiscalização, sem sobrecarregar as plataformas com responsabilidades tributárias diretas.

Outras 3 emendas tratam especificamente da importação de mercadorias físicas, um tema delicado no comércio eletrônico internacional (Emendas nºs 71, 267 e 276). Elas visam esclarecer as obrigações das plataformas nas operações de importação, especialmente no que diz respeito ao recolhimento de tributos na origem, garantindo que o fisco brasileiro tenha controle adequado sobre essas transações. Além disso, há 2 emendas (Emendas nºs 77 e 715) que tem como objetivo assegurar expressamente que as instituições financeiras envolvidas no mecanismo de “split payment” não sejam responsabilizadas em nenhuma circunstância, afastando o risco de responsabilização das entidades financeiras que processam os pagamentos.

As demais 13 emendas (Emendas nºs 10, 53, 68, 169, 397, 478, 499, 653, 686, 749, 860, 983, 1.046) estão relacionadas a questões específicas que envolvem plataformas de transporte, entrega e serviços de turismo. Essas emendas refletem a particularidade de setores que, embora também façam parte da economia digital, possuem nuances que exigem regras mais detalhadas. No caso das plataformas de transporte e entrega, o foco é assegurar que os prestadores de serviço e as próprias plataformas tenham clareza sobre quem é o responsável pelo recolhimento de tributos, especialmente em casos em que há múltiplos intermediários. Já nas plataformas de turismo, as emendas buscam ajustar as regras de responsabilização fiscal para assegurar que as plataformas não assumam um ônus excessivo sobre transações realizadas por terceiros.

É fundamental que as discussões avancem de forma a atribuir responsabilidades às plataformas digitais sem comprometer o desenvolvimento de suas atividades. A exigência de fornecer informações sobre transações realizadas por meio dessas plataformas, por exemplo, já implica um aumento nos custos de conformidade para essas empresas. Além disso, atribuir-lhes a responsabilidade pelo recolhimento de tributos pode resultar em um aumento da carga tributária sobre operações que elas não realizaram diretamente, o que pode impactar negativamente suas estratégias de precificação e políticas comerciais, gerando possíveis distorções no mercado.

Em conclusão, a responsabilização das plataformas digitais no contexto da reforma tributária é um tema complexo e ainda longe de uma definição final. As discussões em andamento no Senado, com mais de 22 propostas de emendas, refletem a diversidade de opiniões e a necessidade de equilíbrio entre garantir a arrecadação tributária e não sobrecarregar excessivamente as plataformas. A adaptação da legislação fiscal à nova realidade digital deve considerar o papel crescente das plataformas como intermediárias, estabelecendo regras claras e justas que não prejudiquem o desenvolvimento do setor. É essencial que o processo avance de forma a garantir que as plataformas cumpram suas obrigações fiscais sem comprometer suas operações e estratégias comerciais, de modo a promover um ambiente de negócios equilibrado e competitivo no Brasil. 


Os artigos escritos pelos “colunistas” não refletem necessariamente a opinião do Portal da Reforma Tributária. Os textos visam promover o debate sobre temas relevantes para o país.