O possível?

Thiago Figo analisa a reforma tributária aprovada e os desafios para sua implementação, destacando dúvidas sobre impactos econômicos e neutralidade fiscal
Balança dinheiro e imposto

Por Thiago Figo

Quando recebi o convite para escrever para a revista, inicialmente pensei que poderia ser uma pegadinha. Afinal, não sou um entusiasta desta reforma tributária. Não acreditava que ela seria aprovada. Meu ceticismo foi vencido e tivemos a aprovação da EC 132. 

Com isso, fui obrigado a começar a analisar a reforma por uma perspectiva mais pragmática e busquei (e ainda estou buscando) encontrar “meu lado Poliana” para acreditar que o arranjo realmente trará evoluções substanciais ao modelo atual. Que isso fomentará nossa economia e trará mais prosperidade.

Confesso que estou tentando o meu melhor, mas os sinais que venho observando não têm contribuído para reduzir meu ceticismo e alimentar meu incipiente lado “Poliana”. 

A menos de 17 meses do início do período de transição sobram dúvidas, questionamentos e faltam certezas.

Apesar de a reforma ter estado em relativa evidência nos últimos 4 anos, discutindo os modelos propostos pelas PECs 45 e 110 e sua constante necessidade devido à complexidade do atual sistema, fato é que a aprovação da EC 132 pela Câmara, em dezembro de 2023, com diversos pontos trazidos de última hora e tantos outros sem um consenso relativo, deixou a percepção de que a reforma não foi adequadamente discutida. 

A regulamentação da EC 132 era para estar finalizada no período de 180 dias, mas até o momento, temos o PLP 68/2024 aprovado pela Câmara e em análise pelo Senado. Este último, inclusive, se opôs a fazer aprovações e, por esta razão, o Senado retirou o pedido de urgência por entender que diversos pontos precisam ser adequados e profundamente debatidos. A expectativa é que a respectiva votação no Senado ocorra entre o final de novembro e o início de dezembro. 

Imagino que o Senado aprovará com alterações que demandarão novas discussões e votações na Câmara, portanto, devemos ter a primeira regulamentação efetivamente aprovada em menos de 12 meses do início do período de transição.

A neutralidade da reforma somente existirá na perspectiva de arrecadação, ou seja, a soma dos valores atualmente arrecadados não poderá ser inferior quando da implementação da nova sistemática.

Na prática, isso implicará que os diferentes setores da economia serão impactados de formas bastante distintas, com alguns sendo beneficiados e outros negativamente afetados. Isso ocorrerá de forma puramente matemática, pois aqueles que tiverem suas operações prejudicadas pela reforma certamente não ficarão passivos ao impacto, nem o absorverão de bom grado, apenas para contribuir com a sociedade e com um sistema tributário ‘mais justo’.

Diria que é bastante provável que aqueles setores que forem impactados negativamente repassarão este impacto em seus preços e manterão suas margens atuais. Em contrapartida, aqueles setores que forem beneficiados podem, eventualmente, utilizar parte deste impacto positivo para aumentar ou recompor margem, de modo que vejo pouca probabilidade de redução de preços.

O consumidor final, é o único contribuinte de fato, tem seu poder de compra limitado. Por mais louvável que seja o discurso de que o consumidor terá visibilidade sobre o custo tributário que arca em suas aquisições, ele pouco se importará com a composição do valor que paga pelos produtos adquiridos. Saber quanto de tributos há em determinados itens produzirá pouco efeito. Ele continuará achando que paga caro pelos produtos que adquire e que a carga tributária é bastante alta.

Nossa população, de forma geral, não foi educada e não está preparada para entender o IVA ou fazer grandes distinções sobre o preço com e sem tributos, uma vez que estará efetivamente preocupado com o valor que está efetivamente pagando e a visão de que os tributos são muito altos.

Penso que teria maior efetividade, muito embora fosse algo de médio a longo prazo, dar à nossa população, maior consciência da função social do tributo, clareza de como ele é gasto/investido e demonstrar coerência da arrecadação com os gastos/investimentos. 

Com tudo que estamos observando, vejo uma probabilidade maior de termos aumento de preços decorrentes da reforma do que um impacto positivo sobre a economia como alguns propagam. Veremos como será.

Estamos a menos de 17 meses da tão sonhada e aguardada reforma. Sequer temos a definição da alíquota. Ainda há discussões acerca da inclusão de alguns setores em regimes diferenciados. Não temos as regulamentações aplicáveis. Os contribuintes apenas sabem que, mais uma vez, serão os grandes perdedores. Terão que fazer altos investimentos em sistemas. Terão pouco tempo para adaptação e muita dor de cabeça para estarem em compliance. Não me surpreenderá se tivermos postergações no início do período de transição.

Enfim, esperamos tanto tempo para termos a reforma votada e, quando chegamos neste momento, entendo que apresentamos uma proposta desconexa com um plano maior, referente a uma tributação que, mesmo alguns dizendo ser moderna, é algo antigo e não substancialmente distinto do que temos atualmente (apenas o fato de ser um tributo agregado ao preço final e não calculado por dentro, não faz desta metodologia de cálculo algo inovador).

Às vezes tenho a percepção que daremos uma grande volta de 360 graus e chegaremos quase no mesmo lugar e ganhos marginais frente ao que temos hoje e ao que poderia ser melhorado, mas com um período de transição que talvez seja traumático e custoso.

Muitos dizem que esta foi a reforma possível, reconhecendo não ser a ideal, mas penso: será que esperar tanto tempo para se contentar com “o que foi possível” é algo que devemos nos consolar? 

Ah, mas calma que teremos o split payment, algo super moderno, inovador e que deixará tudo muito fácil, muito simples…, pelo menos é como estão vendendo este novo personagem no sistema brasileiro…

Mas isso é assunto para outro momento! Nos próximos meses, falaremos de diversos aspectos da reforma e espero que, a cada período, consiga exercer mais “meu lado Poliana” e deixar meu ceticismo de lado. 

Aos tributaristas, que tenham oportunidades e vida longa, e que a Nossa Senhora dos Contribuintes nos proteja!

Até a próxima.


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Esse artigo foi publicado com exclusividade na Revista da Reforma Tributária. Acesse a edição completa aqui (é gratuito)