O futuro do contencioso administrativo fiscal do IBS

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Por Márcio Costa

No artigo anterior, com o título “Comitê Gestor e o Exercício Jurisdicional no Processo Administrativo Tributário”, comentei sobre “a criação do Comitê Gestor do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), prevista no Projeto de Lei Complementar (PLP) 108/2024, foi recepcionada com elogios e críticas. Os especialistas ouvidos na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) em audiências públicas que antecederam as audiências que estão ocorrendo na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), fomentaram estas percepções”.

Compreender os reflexos, impactos e interferências dos PLPs nº 68 e 108 que regulam a Emenda Constitucional nº 132/2023 é medida de urgência e de extrema relevância para enriquecer os debates, depurar as demandas necessárias, assim como nivelar competências.

Por falar em nivelar competências, será que o Comitê Gestor não extrapolou tais limites? 

Dentre algumas críticas consideradas pelos diversos debatedores, que estiveram presentes nas audiências públicas, salientei o poder exagerado pela concentração de atribuições que ficaram a seu cargo.

Neste artigo irei me ater ao Contencioso Administrativo Fiscal do IBS, sendo esta uma das atribuições do Comitê Gestor do IBS, cujo intuito é expor algumas reflexões a respeito deste tema.

Mas antes, imperioso fazer uma pequena contextualização, para informar que através da Emenda Constitucional nº 132/2023, implementou-se no Brasil o IVA-DUAL, cuja diferença está apenas no destino da arrecadação, quer seja, quanto ao IBS destinado aos Estados, Municípios e DF; e na CBS destinada para União; Ou seja, estamos tratando de tributos com a mesma Regra Matriz de Incidência Tributária, com o mesmo fato jurídico tributário, com hipóteses bem delimitada, eliminando divergências regionais, é o que dispõe os artigos inseridos pela EC nº 132/2023.

O Art. 149-B, dispõe que: os tributos previstos nos arts. 156-A e 195, V, observarão as mesmas regras em relação a:

I – fatos geradores, bases de cálculo, hipóteses de não incidência e sujeitos passivos;

II – Imunidades;

III – regimes específicos, diferenciados ou favorecidos de tributação;

IV – regras de não cumulatividade e de creditamento;

Parágrafo único. Os tributos de que trata o caput observarão as imunidades previstas no art. 150, VI, não se aplicando a ambos os tributos o disposto no art. 195, 7º.

Para evoluirmos no propósito do artigo, assim melhor refletirmos sobre o tema posto, vejamos o que dispõe o artigo 156-B, nos parágrafos 6º, 7º e 8º, que prevê a possibilidade de integração do contencioso administrativo do IBS e da CBS:

§ 6º O Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços, a administração tributária da União e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional compartilharão informações fiscais relacionadas aos tributos previstos nos arts. 156-A e 195, V, e atuarão com vistas a harmonizar normas, interpretações, obrigações acessórias e procedimentos a eles relativos.     (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)

§ 7º O Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços e a administração tributária da União poderão implementar soluções integradas para a administração e cobrança dos tributos previstos nos arts. 156-A e 195, V.     (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)

§ 8º Lei complementar poderá prever a integração do contencioso administrativo relativo aos tributos previstos nos arts. 156-A e 195, V.     (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)

Diante o exposto, em especial ao que se propõe o §8º, não seria outra, senão, que a expectativa da sociedade civil vislumbrasse que os projetos de leis apresentassem soluções de coordenação e integração relativa a tal contencioso, caminhando para uma equação necessária para que tenhamos um Estado Brasileiro mais eficiente, até porque, é necessária e urgente a redução das despesas públicas, para o equilíbrio das contas do país e não menos importante, a tão sonhada segurança jurídica.

Contudo não é isso que está previsto ocorrer!

O PLP nº 108/2024, partiu de um formato em que cada Estado deverá ter uma estrutura de 1ª e 2ª instâncias de julgamento e a 3ª Instância uniformizadora será formada por representação conjunta de todos os Estados e Municípios.

Então, de acordo com a proposta, haverá estruturas de julgamento em cada um dos 27 Estados, denominadas Câmaras de Julgamento que serão compostas em primeira instância por turmas com 5 julgadores cada uma. A segunda instância será composta por 27 Câmaras de Julgamento que terão turmas com 9 julgadores cada. E, por fim, a Câmara Superior terá a função de uniformização de entendimentos e será composta por uma turma de 9 julgadores (inclusão de 8 representantes dos contribuintes).

Ou seja, não precisa de fórmula matemática para se chegar à conclusão de que a máquina irá permanecer “pesada”, pois se tivermos 2 turmas em cada Câmara de Julgamento, o número de julgadores irá ser irracional para julgar recursos administrativos contra decisões de órgãos fiscalizadores para o IBS que carrega consigo a expectativa de não ser um tributo controvertido, por todos os princípios basilares de um IVA eficaz, ao menos aos olhos dos mais otimistas.

É premente a necessidade de simplificação e unificação do contencioso como forma de enfrentamento dos custos da burocracia, do acúmulo de processos, e sobretudo, de estarmos diante de tributos ancorados sob as mesmas regras matrizes, mesmo fato gerador.

Entretanto, o contencioso ainda de forma extra oficiosa, será assim dividido: CBS irá ficar no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF e o IBS utilizando-se em parte das estruturas que hoje existem, sendo que ambos sujeitos a um controle de harmonização do CG e com sensíveis interferências procedimentais como sinalizado no artigo anterior.

Nesse diapasão, digo no sentido de ter Câmara Superior uniforme para ambos os tributos, IBS e CBS, faço algumas provocações para reflexão:

Porque ambos os contenciosos não ficaram juntos?

Não estaria o CARF, capacitado a incorporar o IBS, sem interferências de outros Conselhos?

Iniciei o artigo, falando na importância de nivelar competências, na máxima daquela que envolve a ideia de eliminar discrepâncias, tornando algo ou alguém no mesmo nível, ou patamar, podendo se referir até mesmo à padronização de critérios.

Nesse passo, equilíbrio e igualdade são palavras-chave quando discutimos o significado de nivelar, pois quando nivelamos algo, estamos buscando uma condição de equidade, onde todos os agentes estão em pé de igualdade.

Entretanto, com o que está posto para ser implementado sob a batuta do Comitê Gestor, segue na contramão. Ora, como atribuir a decisão final na esfera administrativa para um órgão, onde dentre todas as atribuições do CG-IBS, este ficará encarregado de coordenar a fiscalização?

Melhor esclarecendo, a fiscalização será exercida por Estados, Municípios e a Receita Federal, mas o Comitê Gestor será o responsável pela coordenação dos pontos relacionados ao IBS. Visando consolidar o “modelo ideal” de fiscalização, o CCiF (Centro de Cidadania Fiscal) preparou a Nota Técnica nº XXVIII[1] em que sugere a criação do SINAFI (Sistema Nacional de Fiscalização Integrada) do IBS (novo ICMS/ISS) e da CBS (novo PIS/COFINS)

Tal fato, per si, ratifica a amplitude e poder atribuído ao Comitê Gestor do IBS o Art. 156-B, I da Constituição Federal, que vai muito além da simples competência de gestor da arrecadação:

Art. 156-B. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios exercerão de forma integrada, exclusivamente por meio do Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços, nos termos e limites estabelecidos nesta Constituição e em lei complementar, as seguintes competências administrativas relativas ao imposto de que trata o art. 156-A:     (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)

I – editar regulamento único e uniformizar a interpretação e a aplicação da legislação do imposto;     (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)

II – arrecadar o imposto, efetuar as compensações e distribuir o produto da arrecadação entre Estados, Distrito Federal e Municípios;     (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)

III – decidir o contencioso administrativo.     (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)

Estudos apontam a necessidade de eliminar redundâncias, racionalizar as atividades administrativas, otimizar os trâmites processuais e imprimir maior celeridade na solução dos litígios administrativos fiscais.

Sendo o CARF o maior Conselho Administrativo do país, formador de jurisprudência de peso relevante na redução de litígios, não seria mais produtivo acolher o IBS, dado sua estrutura e expertise operacional e tecnológica, formada ao longo de 100 anos de existência?

Por que não aproveitar sua estrutura criando uma Seção, incorporando ao quadro de julgadores para esta Seção, os Conselheiros/Juízes dos Estados/DF e Municípios, formando apenas uma segunda instância recursal, consequentemente uma Câmara Superior de Recursos Fiscais?

Nessa toada, outras reflexões vêm a reboque, tais como:

Seria necessário, gastos com a criação de uma nova estrutura para o Contencioso do IBS (custo administrativo), ou mesmo uma nova estrutura que comportasse os dois novos tributos, IBS e CBS?

Quanto iria custar a implantação de uma estrutura de um tribunal no âmbito do Comitê Gestor que já tem um orçamento projetado na faixa de R$ 3,8 bilhões para os anos de 2025 à 2028?

Seria o esvaziamento dos Estados e Municípios, pois perderiam anos de jurisprudências e prestígio?

Sendo o CARF, o Conselho eleito para a unificação dos contenciosos, haveria uma tendência que a CBS encabeçasse as jurisprudências?

Com todo o poder concentrado no Comitê Gestor, contemplando a uniformização da regulamentação e da interpretação da legislação do IBS e da CBS em relação as matérias comuns, bem como com o Fórum de Harmonização Jurídica, como órgão consultivo nestas atividades. Não seria deveras tendencioso, ter o transito em julgado por uma Câmara Superior, onde ainda tenha que se submeter ao equivocado e tendencioso §3º do artigo 92 do PLC 108 que estabelece que “… fica vedado às autoridades julgadoras, no âmbito do processo administrativo tributário, afastar a aplicação ou deixar de observar a legislação tributária sob o fundamento de inconstitucionalidade ou ilegalidade”?

Vale a pena manter as estruturas em 2ª Instâncias dos estados e municípios ou a centralização caminharia para a unificação dos precedentes em compasso com os princípios da segurança jurídica, da instrumentalidade e da eficiência da Administração Pública?

Atento a leitura em conjunto da estrutura básica do texto legal do Art. 156-B, no que dispõe seus artigos, parágrafos, incisos e alíneas, em especial o §8º, é preciso travar um debate sério, com olhos atentos ao enfrentamento dos custos da burocracia (economicidade da máquina pública), com as boas práticas de um único processo administrativo, com a salutar uniformização de procedimentos (PL 2.481/2022)[2], tão idealizado pelos que militam no contencioso administrativo fiscal (novas regras do processo administrativo fiscal federal (PL 2.483/2022)[3], sem interferências, e é claro, prestigiando o controle jurídico das ações da Fazenda Pública, a segurança jurídica, e a jurisprudência formada por um prestigiado Conselho, que em certa medida contribui com o poder judiciário.


[1] O SINAFI será um sistema integrado de fiscalização tributária, baseado em uma infraestrutura tecnológica robusta e em práticas uniformes. file:///E:/Backup%20Pasta%20D%20do%20Desktop%2004072020/Coluna%20Portal%20da%20Reforma%20Tribut%C3%A1ria/NT-XXVIII-SINAFI.pdf

[2]PL 2.481/2022 foi aprovado na forma de um substitutivo para instituir o Estatuto Nacional de Uniformização do Processo Administrativo.

[3] Novas regras do Processo Administrativo Fiscal Federal – PL 2.483/2022 – elaborado pela Comissão de Juristas (CJADMTR), criada em 2022 por ato conjunto do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e da então Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, para modernizar o Processo Administrativo Tributário Nacional.


Márcio Robson Costa é Mestre em Ciências Contábeis pela Fucape Business School, Contador — Ex Conselheiro e Vice-Presidente de Turma no CARF — Consultor Tributário. Especialista em Direito e Planejamento Tributário, dentre outras disciplinas que cursou em Pós-Graduação/MBA: Gestão Estratégica de Empresas, Finanças e Gestão Coorporativa e Controladoria e Auditoria. Professor convidado na Pós-Graduação na Mackenzie/RJ. Professor do CRC-RJ. Membro da Comissão de Assuntos Tributários do CRC-RJ e Ex Pesquisador do Grupo de Tributação do Consumo do Núcleo de Pesquisas do Mestrado (NUPEM) – IBDT (Instituto Brasileiro de Direito Tributário).


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