Por Caroline Souza
A reforma tributária proposta pelo PLP 68-A traz consigo uma série de mudanças significativas para diversos setores da economia brasileira, incluindo o agronegócio. Este setor, que atualmente se beneficia de uma série de desonerações fiscais, enfrenta a perspectiva de um novo cenário tributário que pode impactar sua competitividade e sustentabilidade. Este artigo busca explorar os principais impactos da reforma tributária no agronegócio, analisando desde a desoneração atual de impostos sobre o consumo, como o ICMS, IPI, PIS e COFINS, até as estratégias necessárias para adaptação às novas alíquotas do IVA Dual, composto pelo IBS – Imposto sobre Bens e Serviços e pela CBS – Contribuição sobre Bens e Serviços.
Incentivos estaduais de ICMS
O agronegócio brasileiro tem historicamente se beneficiado de desonerações significativas de ICMS, especialmente em operações com insumos essenciais como os defensivos agrícolas, assim como também ocorre para adubos, fertilizantes, corretivo de solo, e tantos outros insumos agropecuários. Grande parte dos incentivos vinculados aos insumos do agronegócio estão contemplados no Convênio ICMS nº 100/97, que ano após ano tem sido renovado, mantendo as isenções nas vendas internas (vendas que ocorrem dentro do mesmo estado) e reduções na base de cálculo em operações interestaduais, tais benefícios têm sido fundamentais para manter a competitividade do setor, reduzindo custos tributários e incentivando o crescimento econômico.
Carga tributária federal reduzida de PIS e COFINS
O setor também se beneficia de carga tributária reduzida de PIS e COFINS, que são tributos federais, por vezes chegam a zerar a apuração de débitos destes tributos, resultando em saldo credor, com a possibilidade de recuperação de créditos dos tributos sobre as compras, que, por falta da apuração de débitos sobre as vendas superiores aos créditos, acabam acumulando e gerando oportunidades de compensação com demais tributos administrados pela Receita Federal, ou até mesmo em pedidos de restituição em espécie, caso não haja débitos compensáveis.
Essa política fiscal de incentivo federal tem sido vital para a cadeia produtiva do agronegócio, permite que os produtores mantenham margens de lucro mais saudáveis e preços competitivos, tanto no mercado interno quanto no externo.
Alíquota zero ou não tributação do IPI – Imposto sobre produtos industrializados
Para incentivar o agronegócio, a legislação federal em torno do IPI prevê desoneração para os insumos agropecuários, como adubos, inseticidas, herbicidas, fungicidas, sementes como milho e soja, dentre tantos outros insumos. Essa desoneração é importante para o setor, principalmente para fins de fluxo de caixa, já que este tributo é destacado em nota fiscal e somado ao total da venda, conhecido como “tributo por fora”, a carga tributária zerada do IPI ajuda a desonerar os importadores, industriais e equiparados pela legislação vigente.
Impacto das novas alíquotas de IBS e CBS
Com a reforma tributária proposta pelo PLP 68-A, última versão publicada, há uma expectativa de aumento na carga tributária em geral, com a entrada em vigor do IBS e da CBS, mesmo com os incentivos previstos na proposta de lei.
A proposta contempla uma redução de 60% da alíquota do IVA para insumos do agronegócio no anexo IX, como, por exemplo: inseticidas, fungicidas, formicidas, herbicidas, parasiticidas, germicidas, acaricidas, nematicidas, raticidas, desfolhantes, dessecantes, espalhantes, adesivos, estimuladores e inibidores de crescimento (reguladores), amônia, uréia, sulfato de amônio, nitrato, de amônio, nitrocálcio, MAP, DAP, entre outros.
Haverá redução de 100% para produtos hortícolas, frutas e ovos previstos no anexo XV do projeto de lei, e redução de 100% para itens da cesta básica, previsto no anexo I, como arroz, feijão, leite, margarina, café, óleo de soja, dentre outros itens.
Há uma recente previsão de diferimento nas operações envolvendo produtores rurais, o que ajudará a reduzir repasses tributários do setor.
No entanto, mesmo com todos esses incentivos acima mencionados, a carga tributária, em geral, tende a aumentar, impactando diretamente os custos operacionais do setor. Essa conclusão ocorre após analisar simulações de impactos com empresas reais do setor, com operações das mais diversas, “dentro e fora da porteira”, com Zona Franca de Manaus, exportações diretas e indiretas, leasing, arrendamento, e todas as operações correlatas do agronegócio que se estendem ao longo das cadeias produtivas.
Importante reflexão sobre Investimento e Desinvestimento
A reforma tributária pode exigir uma reavaliação dos investimentos e desinvestimentos das empresas do setor, considerando especialmente a redução de incentivos fiscais estaduais a partir do ano de 2029, onde ano a ano, perdem-se 10% dos incentivos de ICMS, sejam eles positivos, como o crédito presumido ou outorgado, ou dos benefícios negativos, como a isenção, do diferimento e da redução da base de cálculo. As empresas precisarão analisar cuidadosamente suas estratégias relativas aos atuais investimentos, para mitigar a perda de incentivos e entender se ainda há viabilidade econômica naquela região / estado, mesmo sem o benefício fiscal, ou seja, entender se a logística não resta prejudicada, assim como a margem de lucro das operações. E ainda, avaliar novos investimentos, pois a perda de incentivos fiscais pode mudar o rumo da operação dentro de poucos anos.
Cabe avaliar se haverá alguma necessidade de desinvestimento, para minimizar operações deficitárias em virtude da perda de incentivos fiscais que atualmente viabilizam operar em alguma região do país.
Nunca foi tão estratégico avaliar a proximidade física com os atuais e futuros clientes, mas agora sem a extrema preocupação do tributo parte na origem e parte do destino, como acontece hoje com o ICMS e o DIFAL (diferencial de alíquotas), já que o IBS e a CBS serão tributos e devidos 100% no destino da operação, onde estão os clientes finais. O planejamento tributário e a operação logística agora tendem caminhar lado a lado, para maximizar a eficiência operacional das empresas.
Acúmulo de créditos de IBS e CBS no setor agro
Atualmente o setor já acumula créditos tributários de ICMS, PIS e COFINS, a depender da operação, porém há grande chance do novo sistema de tributação baseado no IVA resultar em um acúmulo ainda maior de créditos de IBS e CBS, afetando negativamente o fluxo de caixa das empresas. Isto porque, para acumular créditos, naturalmente os tributos que estão embutidos no preço, que antecede a apuração dos tributos, precisam ser financeiramente pagos. Os créditos acumulados podem não ser imediatamente compensáveis, exigindo uma gestão financeira mais rigorosa para evitar problemas de liquidez.
Há previsão de compensação, ressarcimento e restituição dos novos tributos, operações de ressarcimento com prazo de apreciação / análise dentro de 30 dias até 180 dias, a depender do caso, porém, o que gera maior preocupação nos contribuintes é a efetividade no cumprimento deste prazo inicialmente previsto em projeto de lei. Se forem criadas burocracias no ressarcimento ou na restituição que alarguem este prazo, como é o caso de protocolos complexos, obrigações acessórias complementares, entregas de documentos comprobatórios, fiscalização, dentre outros requisitos, pode ser que a falta de agilidade processual prejudique as empresas que passarão a acumular mais créditos, e restarão automaticamente prejudicadas no fluxo de caixa.
Recentes mudanças no texto da reforma no Congresso Nacional
O texto da reforma PLP 68-A passou por recentes alterações no Senado, que foram acatadas pela Câmara dos Deputados, embora ainda não haja uma redação final aprovada pelo Congresso, estando pendente de sanção presidencial. Entre as mudanças, destaca-se a ampliação do rol de insumos do agro abrangidos pela redução de 60% do IVA, proporcionando maior previsibilidade e planejamento ao setor.
Além disso, foi estabelecido um prazo de cinco anos para a revisão das regras do crédito presumido envolvendo os produtores rurais, o que oferece maior estabilidade ao setor. Outras alterações incluem o diferimento sobre operações específicas realizadas por produtores rurais, o que poderá evitar o acúmulo de créditos tributários no setor. Ainda, as regras conceituais sobre produtores rurais foram melhor definidas, ampliando a hipótese de benefícios do IVA nas operações com insumos do agro. O último texto aprovado também amplia o conceito de produtos “in natura”, o que gera benefícios ao setor, principalmente para quem possui maior foco operacional “dentro da porteira”.
Competitividade e preparação estratégica
A competitividade do agronegócio pode ser comprometida se as empresas não se prepararem adequadamente para a nova realidade tributária. É essencial que as empresas realizem uma previsão detalhada dos impactos nos preços de produtos e serviços adquiridos, entendam o impacto da cadeia produtiva, os riscos da manutenção de fornecedores “fim de cadeia” tributária, como é o caso do Simples Nacional sem recolhimento regular de IVA, importante que as empresas ajustem seus contratos para prever as mudanças nas regras tributárias, especialmente na forma de tributação dos preços, as regras perante possíveis inadimplências tributárias por parte dos fornecedores, já que refletirão em prejuízos na apropriação de créditos, pois resta mantida a previsão de vínculo financeiro entre o débito do fornecedor e o crédito do comprador.
Diante de um cenário de complexidade, é de extrema importância a visão holística para o planejamento estratégico. Isso inclui demonstrar impactos e ter plano de ação junto as áreas mais impactadas do negócio, que geralmente são: suprimentos, comercial, finanças, logística, tecnologia, tributário (tax) e controladoria, garantindo que todas as áreas estejam alinhadas e preparadas para as mudanças.
A área de tax muito provavelmente será a mais demandada para organização dos impactos e das prioridades, por ser a detentora dos números, do conhecimento sobre a reforma tributária, além da expertise sobre as regras de negócio. Logo, este setor que já tem grande relevância dentro das organizações e tende a ser ainda mais protagonista nas áreas estratégicas.
Conclusão
A reforma tributária proposta pelo PLP 68-A representa um marco significativo para o agronegócio brasileiro, trazendo desafios e oportunidades. Enquanto a desoneração atual de impostos tem sido um pilar para a competitividade do setor, as novas alíquotas de IBS e CBS exigem uma adaptação estratégica das empresas. A capacidade de se preparar para essas mudanças, através de uma gestão financeira eficaz e um planejamento estratégico abrangente, será crucial para garantir a sustentabilidade e o crescimento contínuo do agronegócio no Brasil. As empresas que conseguirem se adaptar a esse novo cenário estarão melhor posicionadas para enfrentar os desafios futuros e aproveitar as oportunidades que surgirem.
Caroline Souza é CFO, líder de reforma tributária na ROIT. Contadora, advogada, sócia na ROIT, professora FBT e IPOG, palestrante, VP de planejamento Assespro-PR.
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