Implementação de mecanismos que alinhem a interpretação da legislação tributária entre os órgãos de julgamento é crucial, escreve Luiz Roberto Peroba
A reforma tributária teve como um de seus objetivos principais a simplificação do sistema tributário brasileiro por meio da unificação de tributos incidentes sobre o consumo de bens e serviços. Embora na maioria dos países se tenha um único IVA (Imposto sobre Valor Agregado), no Brasil foi necessário criar um IVA-Dual a fim de manter a repartição de competências dos entes federados, sendo composto pelo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), de competência dos Estados e Municípios, e pela CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), de competência da União.
A necessidade de simplificação do sistema é tão relevante que a própria EC 132/23 (Emenda Constitucional nº 132/2023 ), ao aprovar a reforma tributária, incluiu expressamente no texto da Constituição Federal (CF) o princípio da simplicidade, dentre outros princípios. Esse princípio impacta não apenas a cobrança dos tributos propriamente ditos, mas também outros como o contencioso tributário, atualmente complexo e fragmentado em cada uma das jurisdições dos entes federados no âmbito de suas competências, resultando em um contencioso volumoso, oneroso e de pouca segurança jurídica para os contribuintes.
Por isso mesmo é que foi instituído o Comitê Gestor do IBS, por meio do qual os Estados, o Distrito Federal e os Municípios exercerão suas competências de forma integrada, incluindo o contencioso administrativo, conforme previsto no artigo 156-B, inciso III, da CF. Além disso, a CF permitiu à lei complementar estabelecer a integração do contencioso administrativo do IBS e da CBS, com vistas a permitir um contencioso unificado e harmônico, prestigiando o princípio da simplicidade.
Não obstante, o PLP 108/24 (Projeto de Lei Complementar nº 108/2024), que institui o Comitê Gestor e dispõe sobre o processo administrativo tributário relativo ao lançamento de ofício do imposto, dentre outros assuntos, trouxe apenas a previsão de unificação do contencioso administrativo do IBS. Ou seja, haverá uma divisão do contencioso administrativo do IBS e da CBS, mantendo-se, em certa medida, a estrutura atualmente segregada entre a União e os demais entes federados.
Muito embora seja verdade que a complexidade do contencioso tributário está diretamente relacionada à própria complexidade do direito material, já que a multiplicidade de tributos, regras de não-cumulatividade e benefícios fiscais do sistema atual são as principais causas de litígios entre fisco e contribuintes, de modo que o contencioso tributário tende a ser simplificado com a instituição do IVA-Dual, perde-se a oportunidade de efetuar uma unificação por completo que estaria definitivamente alinhada à busca de um sistema simples.
No contexto delineado pelo PLP 108/24, espera-se que sejam implementados mecanismos eficientes para alinhar a interpretação da legislação tributária (precedentes) pelos órgãos de julgamento no âmbito federal e do Comitê Gestor do IBS, especialmente porque estamos falando de tributos gêmeos. Além disso, outra forma de trazer maior simplicidade ao sistema seria por meio da unificação do contencioso judicial tributário.
Esse tema já está em discussão no governo, em que se estuda criar um foro nacional que concentre julgamentos relativos ao IBS e à CBS. Segundo as informações noticiadas, a ideia é implementar essas mudanças por meio de uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional), sendo que as medidas estão sendo elaboradas pela AGU (Advocacia-Geral da União) e pelo Ministério da Fazenda, em discussões com o Poder Judiciário, Estados e Municípios.
A simplificação do contencioso tributário alivia a sobrecarga dos órgãos de julgamento e permite que os recursos sejam direcionados para questões mais estratégicas, reduzindo a burocracia e os custos das disputas fiscais. Isso contribui para um ambiente econômico mais competitivo e atrativo para investimentos, além de promover uma arrecadação fiscal mais eficiente e estável. Com menos litígios e maior previsibilidade, o governo pode focar em políticas públicas voltadas ao crescimento econômico, ao invés de gastar recursos em disputas e cobranças.
Em conclusão, embora o PLP 108/24 tenha optado por não unificar completamente o contencioso administrativo do IBS e da CBS, a implementação de mecanismos que alinhem a interpretação da legislação tributária entre os órgãos de julgamento é um passo crucial para a redução de litígios, além de outras medidas que possam ser adotadas no âmbito judicial para tornar as disputas tributárias mais simples e céleres.
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