O Agronegócio é mesmo o grande vilão da Reforma Tributária do Consumo?

Rafael Moumdjian analisa os desafios enfrentados pelo setor agropecuário no Brasil

Por Rafael Moumdjian

Neste exato momento, temos a PLP nº 68/24 sendo debatida no Senado Federal e continua a carregar consigo as diversas polêmicas que surgiram durante o processo de aprovação na Câmara dos Deputados, onde com muito esforço foram aprovados alguns regimes diferenciados para diversos setores, dentre eles o Agronegócio, incluindo o regime diferenciado de alíquota de 60% até alíquota zero para os produtos integrantes da cesta básica nacional.

Contudo, é incorreto e injusto veicular na mídia que seriam os regimes diferenciados ao setor agro é que estamos nos forçando a sermos mais uma vez Campões do Mundo, mas não me refiro a Copa do Mundo e sim ao país com a maior tributação sobre o consumo do mundo, caso ultrapassemos a alíquota de 27%.

Sendo extremamente cauteloso e com o máximo de respeito possível, o que faz o Brasil ser um potencial Campeão do Mundo na carga tributária efetiva sobre o consumo, não é o Agronegócio, Automotivo, Eletrônico, ou qualquer outro seguimento de mercado, mas sim a despesa da máquina pública que não para de aumentar historicamente, mas isso é para outro dia.

Considerando apenas os Princípios básicos constitucionais e universais quando falamos dos direitos humanos, o Congresso Nacional tem agido corretamente em incluir e manter os insumos agropecuários no regime diferenciando de redução de 60% da alíquota, onde o rol considera os bens e serviços destinados ao consumo humano, englobando produtos “in natura”, pecuária, avicultura, pesqueiros, atividades florestais, dentre outros, onde pode ser encontrado nos artigos 8º e 9º, §1º, 3º e 13º da Emenda Constitucional 132/23.

Além disso, merece destaque comentar que na redação do texto da PLP nº 68/24, através de muito debate, comprovação técnica e financeira necessária, para demonstrar e convencer o GT da Reforma que outros itens consideramos como insumos agropecuários não previstos de forma expressa na EC 132/23, foram incluídos na PLP.

O artigo 133 deixa expressa a redução de 60% sobre as alíquotas de IBS e CBS incidentes sobre o fornecimento dos insumos agropecuários relacionados ao Anexo IX da própria Lei Complementar, com as especificações das respectivas classificações da NCM/SH e da NBS.

Pois bem, mas ainda era insuficiente para garantir o menor impacto inflacionários possível a sociedade em referência ao consumo humano, uma vez que existem insumos agropecuários que não possuem NCM e não seria passiveis de inclusão no Anexo IX. Além disso, ter uma lista restrita a NCM já é algo que preocupa um setor movido a tecnologia, inovação e sempre vanguardista do ESG.

Desta forma, carece informar que através do apoio das mais diversas associações do agronegócio, foi possível participar, auxiliar e colaborar na redação do §2º com a inclusão de insumos não tangíveis e sem NCM, mas que são imprescindíveis para a produção de alimentos. Ou seja, tivemos a equiparação de insumos o melhoramento genético de animais e plantas e biotecnologia, inclusive os seus royalties, bem como sêmens, embriões e matrizes de animais puros de origem, desde que possuam registro genealógico.

Imagine, o Brasil que é um líder mundial agrícola, adaptando-se cada vez mais aos modelos de produção sustentável e governança com base no ESG (Ambiente, Sustentabilidade e Governança), e não inclui royalties e biotecnologia como um insumo dentro do regime diferenciado, seria um retrocesso sem precedentes e com impactos financeiros enormes. Longa história curta, até que se prove o contrário, insumos agropecuários com redução de 60% a 100%, produtores rurais com a opção de tornar-se contribuinte ou não do IBS e CBS, inclusão dos royalties e biotecnologia como insumos para produção de alimentos para consumo humanos. Mesmo assim, ainda com uma alta carga tributária se compararmos contra o regime atual, pois se considerarmos que o IVA referencial será de 26,5%, a carga tributária efetiva média para o setor será de 10,6%.

O “jeitinho” do Brasil tentando ingressar na OCDE

Como é de conhecimento de maioria ou de todos que atuam com IRPJ e Transfer Pricing, sabemos que o Brasil vem tentando a anos ingressar na OCDE e dentro os diversos requisitos para ingresso é que e tributação média é de 22%, com base na variação do IVA entre todos os países da Comunidade de União Europeia.

Mas temos um pouco de tudo, países com 0% de alíquota como os Estados Unidos até 25% da Dinamarca, mas todos consideram alíquotas muito reduzidas para os chamados alimentos básicos que, em teoria, equiparam-se aos itens que compõe a nossa cesta básica.

Cabe-nos fazer menção que, a título de exemplo, os combustíveis adquiridos como insumos para produção rural, até o presente momento, não possuem alíquotas reduzidas, isenções ou qualquer outra forma de incentivos para reduzir o custo de produção.

Os insumos como defensivos agrícolas, fertilizantes, adubos e sementes certificadas, estão migrando de 0%, 2,8% e 4,8% para 10,6%, sendo que em outras economias comparáveis, as alíquotas são menores.

A limitação da receita bruta de R$ 3.6M/ano com a opção de o produtor rural tornar-se contribuinte ou não do IBS ou CBS, parece ser visto como um “favor” por parte do legislador e o que deveria ser feito é excluir o produtor rural de ser contribuinte e ainda ser considerado como parte dos destinatários do “cashback”, mas claro que com regras e controles específicos e não limitar apenas a população cadastrada no cadastro único do Governo Federal para receber o benefício. Agora, imagine qual seria a alíquota do IVA referencial caso fosse aplicado um sistema de recomposição de custo a produção agrícola. Chegaríamos ao IVA de 50%? Como dissemos em um outro artigo publicado, estaríamos com um IVA de 1º Mundo com uma Economia de 3º Mundo.

Conclusões

Em nenhum momento, o Brasil com sua atual legislação vigente ou com a futura legislação tributária amparada pela Emenda Constitucional nº 132/23, em nenhuma hipótese está tendo um tratamento diferenciado a base de privilégios e sim o contrário, ao compararmos a carga tributária efetiva atual contra a futura, sem compararmos apenas o ICMS, PIS e COFINS a carga efetiva está aumentando em 10 vezes. Onde existem privilégios?

No caso em tela, o principal “vilão” de alíquota referencial do IVA em mais de 27% é a combinação de resistência política, complexidade de nosso sistema tributário e que permanecerá complexo e a resistência de diversos atores, dentre eles os setores empresariais, Governo quanto ao modelo da distribuição de receitas entre os entes federativos, uma vez que uma alíquota alta poderá ser vista como uma forma de garantia de autonomia fiscal e o lobby dos mais diversos setores. Em resumo, a tributação de insumos agropecuários no Brasil, com o novo texto da Reforma Tributária, ficará como um reflexo da necessidade de arrecadação do governo, com ainda um tímido estímulo à produção agrícola. Em contrapartida, OCDE tem como base que suas políticas fiscais visem promover a sustentabilidade agrícola, a inovação e segurança alimentar, além de equilibrar a arrecadação tributária.


Rafael Garabed Moumdjian é head of tax & LTOs do Syngenta Group. Professor de MBA de Direito Tributário na
Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), é Board Member, “PcD” Professional e Executive Director of Pensions.


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