Mudanças no planejamento sucessório: impactos do anteprojeto do Código Civil e da Reforma Tributária

A iminência da alteração do ITCMD somado às alterações nas regras de sucessão torna o tema urgente para aqueles que pretendem manter incólume o patrimônio

Por Gabriel Maurício Gelman Arisa e Juliana Menezes Vaz

O planejamento sucessório sofrerá impactos significativos nos próximos meses devido a mudanças legislativas importantes. Tais mudanças têm implicações diretas no patrimônio que será partilhado entre os herdeiros, havendo uma real possibilidade de diminuição do valor líquido da herança, e as famílias e empresas que estruturarem e implementarem medidas de planejamento sucessório ainda durante o exercício de 2024, poderão ter uma redução considerável da carga tributária.

A primeira alteração legislativa decorre da Emenda Constitucional n° 132/2023 (Reforma Tributária), aprovada no Congresso Nacional em 15 de dezembro de 2023, que, dentre outras alterações, prevê a obrigatoriedade das alíquotas do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (“ITCMD”) serem progressivas. Isso significa que a carga tributária sobre heranças e doações aumentará conforme o valor dos bens transmitidos.

Antes da Reforma Tributária, a progressividade do ITCMD era facultativa, e determinados estados, como o Rio de Janeiro e Santa Catarina, já a previam em sua legislação. Contudo, muitos estados ainda preveem a aplicação de alíquotas fixas de ITCMD e deverão incorporar a progressividade do imposto em sua legislação de forma a adequá-la às novas regras.

A legislação paulista, por exemplo, prevê atualmente uma alíquota fixa de ITCMD de 4%. No entanto, encontra-se em tramitação o Projeto de Lei Estadual n° 7/2024, apresentado pouco depois da aprovação da Reforma Tributária, cuja redação inicial pretende a instituição de alíquotas progressivas de ITCMD que vão de 2% a 8%.

É importante observar que, caso o Projeto de Lei Estadual n° 7/2024 seja aprovado e convertido em lei ainda em 2024, deverá ser respeitado o princípio da anterioridade anual, de tal forma que a progressividade da alíquota do ITCMD somente passará a valer a partir do dia 1º de janeiro 2025.

Portanto, as famílias e empresas que aproveitarem o ano de 2024 para elaborar ou reestruturar o planejamento sucessório poderão ter uma redução de até metade da carga tributária em comparação com aquelas que implementarem estrutura de sucessão de 2025 em diante.

Além disso, outra possível alteração legislativa iminente que impactaria as medidas de planejamento sucessório consiste na previsão da incidência do ITCMD sobre os planos de previdência privada complementar (PGBL e VGBL), conforme o relatório do segundo projeto de lei de regulamentação da reforma tributária (PLP 108/2024). Atualmente, esses planos não integram o inventário e, portanto, não deveriam sujeitar-se à incidência do ITCMD, ainda que muitos Estados venham editando leis e efetuando cobranças do imposto sobre PGBL e VGBL nos últimos anos.

Outra alteração relevante decorre do anteprojeto do Código Civil, entregue ao Senado Federal em 17 de abril de 2024. Esse anteprojeto traz uma modificação substancial para o planejamento sucessório ao rebaixar os cônjuges e companheiros à categoria de herdeiros não necessários. Anteriormente, esses indivíduos eram considerados herdeiros necessários, com direito a uma parcela da herança independentemente de disposições testamentárias. Com essa alteração, os planejamentos sucessórios já implementados precisarão ser reavaliados para garantir que os interesses de cônjuges e companheiros sejam devidamente protegidos, e, considerando a possível majoração do ITCMD, o momento mostra-se especialmente propício para as reestruturações.

O planejamento sucessório consiste na adoção de diferentes técnicas com o objetivo de garantir a transferência ordenada e eficiente do patrimônio familiar aos herdeiros e sucessores por meio da minimização de conflitos, reduzir os impactos tributários e, no caso de empresas familiares, garantir a continuidade dos negócios. Sob a ótica societária, o planejamento sucessório engloba tanto a alocação de bens e direitos em estruturas societárias compatíveis quanto a regulação dos direitos e obrigações dos herdeiros. Sob a ótica fiscal, o objetivo é estruturar a alternativa que represente a maior eficiência tributária, como uma forma de assegurar que a maior parte do patrimônio deixado seja efetivamente transferido aos herdeiros.

Nas empresas familiares, o ideal é que o planejamento sucessório aconteça de forma programada. É importante destacar que essa preparação para a formação de sócios conscientes deve ocorrer independentemente de sua participação societária, e a formação de herdeiros capazes de assumir responsabilidades de gestão pode e deve ser promovida mesmo antes que eles assumam qualquer participação significativa na empresa. Assim, o preparo para a sucessão de gestão e a sucessão patrimonial podem seguir caminhos complementares, mas distintos, garantindo a continuidade e prosperidade dos negócios familiares. O importante é que algum tipo de regra e/ou estrutura seja estabelecida visando a continuidade dos negócios, especialmente em empresas familiares, pois, do contrário, a empresa pode perder a capacidade de tomada de decisão, aumentando o risco de dilapidação do patrimônio e falência.

Dentre os instrumentos oferecidos pela legislação brasileira para o planejamento sucessório, destaca-se a criação de holdings, que nada mais são do que sociedades cujo objetivo é concentrar o patrimônio familiar a fim de permitir a gestão e transmissão mais eficiente do patrimônio. Adicionalmente, com a criação de uma holding é possível garantir parte da herança aos cônjuges e companheiros por meio da conferência de participação societária a tais indivíduos, assegurando que os interesses desses indivíduos sejam devidamente protegidos.

Outro instrumento de destaque utilizado para o planejamento sucessório é a doação com reserva de usufruto. No caso dos planejamentos sucessórios, costuma-se empregar a doação com reserva de usufruto para antecipar a transferência da propriedade de imóveis ou de participação societária para os cônjuges, companheiros ou descendentes, porém sem perder o direito de usar o ativo.

Por estar sujeita ao ITCMD, é esperado que, a partir de 2025, a doação com reserva de usufruto passe a ser tributada de acordo com a alíquota progressiva de 2% a 8% no Estado de São Paulo, caso o Projeto de Lei Estadual n° 7/2024 seja aprovado, o que irá dobrar a carga tributária em relação ao que temos em 2024, dependendo do patrimônio a ser transferido. Ressalta-se que qualquer doação realizada antes da entrada em vigor de lei estadual que estabelecer a progressividade das alíquotas estará sujeita às regras atuais, o que evidencia a importância de realizar um planejamento sucessório o quanto antes, para a adoção de medidas de proteção do patrimônio familiar e, eventualmente, para antecipação da tributação de modo a garantir uma carga tributária inferior.

Diante das mudanças propostas no anteprojeto do Código Civil e trazidas na Reforma Tributária, o planejamento sucessório ganha especial relevância. A iminência da alteração na alíquota do ITCMD, não apenas em São Paulo, mas em diversos outros Estados, somado às alterações nas regras de sucessão torna o tema relevante e urgente para aqueles que pretendem manter incólume o patrimônio familiar.


Gabriel Arisa é advogado de tributário do VBSO Advogados. Graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2019) e Pós-Graduado em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas – FGV Law (2021), Gabriel especializou-se em direito societário e M&A, assessorando clientes nacionais e internacionais em operações de fusões e aquisições e demais combinações de negócios, atuando desde a identificação dos riscos até a estruturação das operações. Sua atuação engloba, também, reorganizações e consultorias societárias.

Juliana Vaz é advogada de tributário do VBSO Advogados. Desde 2017, atua na prática de Direito Tributário, tanto na esfera consultiva quanto contenciosa, assessorando clientes de diversos perfis no enfrentamento de questões tributárias complexas. Nos últimos anos, tem assessorado empresas dos setores de infraestrutura em diversas atividades, desde a análise dos impactos tributários decorrentes de suas peculiaridades contábeis e regulatórias até o patrocínio de pedidos de habilitação a regimes especiais, como o REIDI.


Os artigos escritos pelos “colunistas” não refletem necessariamente a opinião do 
 Portal da Reforma Tributária
. Os textos visam promover o debate sobre temas relevantes para o país.


Leia mais: