Por Janine Pereira e Maria Isabel Ferreira
A reforma tributária, aguardada há mais de três décadas, cuja regulamentação foi aprovada pelo Congresso Nacional no final de 2024, terá expressivo impacto no ambiente de negócios no Brasil ao longo da transição ao novo modelo, numa agenda de transformações paulatinas até 2033. Com o propósito de simplificar o sistema, tributos complexos e cumulativos, como PIS, COFINS, ICMS e IPI, serão substituídos por um modelo mais direto de Imposto sobre Valor Agregado (IVA). Isso tem reflexos diretos na contabilidade e nas finanças das empresas, que precisarão adaptar-se às novas regras. Mas, o que, de fato, mudará?
Para entender as alterações, é essencial analisar o cenário tributário atual do País. A carga brasileira é uma das mais altas do mundo, representando cerca de 33% do PIB. O atual modelo é conhecido por sua complexidade, com dezenas de taxas e obrigações acessórias, exigindo das empresas uma estrutura contábil robusta para garantir conformidade e evitar penalidades. Com a reforma, a intenção é substituir o emaranhado de tributos federais, estaduais e municipais por uma estrutura simplificada, composta pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto Seletivo, também conhecido como “do Pecado”, aplicado a produtos considerados supérfluos ou com potencial de causar danos, como o cigarro, por exemplo.
A transição para a nova estrutura representará para as empresas não apenas um alívio na complexidade operacional, mas também desafios de adaptação. Atualmente, os impostos como PIS e COFINS são calculados sobre o faturamento bruto. Com a reforma, incidirão “por fora” do preço dos produtos e serviços, o que exigirá ajustes nos sistemas de contabilidade. Essa mudança poderá afetar indicadores financeiros como o Ebitda (Lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização) e as margens de lucro, além de demandar maior transparência nas notas explicativas.
Outra alteração relevante será a possibilidade de apropriação de créditos fiscais apenas após o pagamento do tributo pela etapa anterior da cadeia produtiva. Isso pode gerar impactos significativos no fluxo de caixa das empresas, principalmente para as pequenas e médias, que precisarão revisar seu planejamento financeiro para evitar gargalos.
A reforma também promove mudanças nos prazos e datas de recolhimento dos tributos, o que exigirá adaptação rápida por parte das empresas. Em setores como a indústria e o agronegócio, nos quais os incentivos fiscais têm grande importância, será necessário revisar projetos e investimentos, o que representa um desafio adicional.
Apesar das dificuldades iniciais, a reforma poderá resultar, ao cabo de sua implementação plena, em 2033, em maior previsibilidade financeira e eficiência tributária, beneficiando as empresas que se prepararem estrategicamente. Além dos ajustes operacionais, as organizações precisarão investir em tecnologia e capacitação. Ferramentas como o ERP (Enterprise Resource Planning / Planejamento de Recursos Empresariais) serão essenciais para garantir o compliance e reduzir os custos administrativos relacionados à conformidade fiscal.
A reforma também proporciona oportunidades como a competitividade e atração de investimentos, pois a simplificação tributária deverá tornar o Brasil mais estimulante para investidores estrangeiros. Outro ganho refere-se à eficiência operacional, pois a eliminação de tributos acumulados na cadeia produtiva beneficiará exportadores e empresas com margens apertadas.
Para minimizar riscos e aproveitar essas oportunidades, as empresas devem adotar as seguintes medidas: investir em tecnologia e capacitação, atualizando os sistemas e treinando as equipes para lidar com as novas exigências fiscais; revisar processos internos, garantir que os modelos contábeis e financeiros estejam alinhados às novas regras; e planejar cenários. Para isso, cabe simular os impactos da reforma, considerando diferentes cenários econômicos e operacionais.
A reforma tributária representa uma chance de modernização e simplificação do modelo de arrecadação de impostos, mas exige preparo. Empresas que investirem em tecnologia, planejamento e capacitação estarão mais bem posicionadas para navegar nesse novo cenário e tirar proveito de um sistema mais eficiente. Embora a transição seja desafiadora, com a estratégia certa poderá tornar-se um diferencial competitivo para as organizações de todos os setores que se adaptarem de modo eficaz à nova realidade.
Janine Pereira é sócia-diretora de Finance & Accounting da KPMG no Brasil.
Maria Isabel Ferreira é sócia-líder de Tributos Indiretos da KPMG no Brasil.
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