Carlos Eduardo Xavier, presidente do Comsefaz, que reúne os secretários de Fazenda dos estados e do DF, disse que será essencial o bom uso do Fundo de Desenvolvimento Regional para melhorar a infraestrutura como forma de atração de empresas nas unidades da Federação.
O fundo começará a receber valores escalonados, com início de R$ 8 bilhões em 2029, aumentando progressivamente a cada ano até atingir R$ 60 bilhões em 2043.
Xavier está à frente das discussões sobre o impacto das novas regras fiscais para os estados. Ele também é secretário de Fazenda do Rio Grande do Norte e tem cerca de 20 anos de experiência como auditor fiscal e uma sólida formação em Engenharia da Computação e Engenharia de Produção.
Em entrevista exclusiva, o secretário mencionou a importância da criação do Comitê Gestor do IBS, que será responsável por coordenar a arrecadação e distribuição dos tributos.
Abaixo, trechos da entrevista:
Atualmente, a ideia de criar o Comitê Gestor do IBS está pacificada?
Está. Até porque não tem mais volta. Já está no texto constitucional. Foi uma alternativa para lidar com esse contexto do IVA dual. Com a reforma tributária, aqui no Brasil, a gente criou esse modelo de um IVA federal, estadual e municipal. Nesse contexto, era fundamental a criação dessa figura do Comitê Gestor. Então a criação dele, sim, está pacificada. O que a gente está discutindo agora é a composição, as competências, a operacionalização desse comitê, que de fato é uma figura nova, uma figura que nasce da reforma tributária e que vai administrar a arrecadação das 27 unidades federadas e de cerca de 5.600 municípios. Então acho que não há mais polêmica com relação ao Comitê Gestor. A polêmica é de como vai ser composto, como vão ser as deliberações e daí por diante. É um novo modelo que precisa ser construído.
O que você espera da regulamentação no Senado do PLP-108?
Acho que a gente precisa fazer algumas correções. Eu tenho, enquanto um profissional que atua na área tributária há mais de 20 anos, eu tenho algumas posições que são muito pessoais, que a gente precisa ir discutindo no PLP-108, principalmente no que diz respeito a esse excessivo número de desonerações. Essa é uma discussão que a gente está fazendo hoje no país, que foi feita na Câmara, e o país está discutindo isso. Porque a consequência direta disso é a gente pressionar a alíquota de referência para cima.
Acho que essa desoneração em itens de cesta básica não traz progressividade para o nosso sistema. As pessoas, quando você desonera o produto da cesta básica, a pessoa que precisa comprar a cesta básica vai comprar com isenção, com desoneração. Mas o cara que não precisa também vai adquirir esse produto com desoneração. Por isso, defendo uma redução dessa desoneração excessiva em troca de um cashback mais robusto, que é aquele que consta lá no projeto do PLP-108, mas um cashback mais robusto que devolva o tributo para quem efetivamente precisa. Isso traria mais progressividade para o nosso sistema.
Durante a tramitação na Câmara, procuradores do Estado se movimentaram para poderem ter maior papel. Como o senhor avalia esse movimento?
Primeiro, a gente tem que ter muito cuidado com essas coisas para evitar que, num cenário de simplificação do sistema tributário do consumo, essas disputas corporativas tragam mais complexidade. A administração tributária, historicamente, é executada pelos fiscos. Claro que as procuradorias têm um papel importante de consultoria, tem alguns casos de cobrança administrativa, como existe em alguns estados. E o nosso papel nesse contexto é que a gente, por causa dessas questões corporativas, não traga complexidade para esse sistema e mantenha o sistema da forma que funciona hoje, com as administrações tributárias exercendo o seu papel.
Mas também, do ponto de vista do Comsefaz, a gente não está enxergando isso como nada beligerante, não. Nós vamos preservar as competências nessa discussão do PLP 108, que é o PLP que trata do Comitê Gestor que deve ser aprovado agora no segundo semestre, e dialogar com as procuradorias para que isso fique bem definido, para que não traga para o Comitê essas disputas corporativas. Eu acho que acabam atrapalhando o Brasil muito mais do que ajudando.
O Ministério da Fazenda investirá R$ 600 milhões na criação do Comitê Gestor. Como está o processo de implementação?
A tentativa que a gente está dando da característica desse Comitê é algo muito parecido com os consórcios que existem hoje, como o consórcio Nordeste. Mas é uma estrutura completamente nova. Temos técnicos trabalhando com a Secretaria da Reforma Tributária e junto aos municípios para fazer todo esse projeto dessa nova estrutura. A sede será em Brasília? Fatalmente será. Mas onde será? Isso ainda está muito embrionário. É algo que a gente terá que trabalhar no ano de 2025 para começar a tirar essa estrutura da abstração e trazer para o mundo real, para o mundo concreto. Então essa é uma grande construção a se fazer.
No seu Estado, Rio Grande do Norte, qual mudança na dinâmica das empresas o senhor espera que ocorra com o início da implementação do IVA? Há um risco de as empresas mudarem de domicílio?
Isso é uma questão muito sensível e que, no meu ponto de vista, tem uma crítica severa a como foi definido o critério de distribuição do Fundo de Desenvolvimento Regional. Com a migração do ICMS para o IBS e a migração do princípio de origem-destino para o destino puro e com a premissa de fim da guerra fiscal, de fato, a gente não manter a concessão de renúncias na forma que a gente tem hoje. Todas as concessões, a maioria delas, grande parte delas é concedida na origem.
Então, uma empresa que está no Rio Grande do Norte tem um crédito presumido nas vendas que faz para outros estados. Ela goza de um grande benefício concedido na origem. Quando você liga para o destino puro, você não terá mais como conceder essas renúncias.
E aí a figura que vem para substituir as renúncias fiscais é o Fundo de Desenvolvimento Regional. O Fundo de Desenvolvimento Regional deveria, o nome já diz, o Fundo de Desenvolvimento Regional deveria combater as desigualdades regionais do país. Quando se colocou o critério da população, você está levando recursos para estados muito populosos que não precisariam desse recurso para fazer investimento em infraestrutura.
Isso reduzirá o percentual destinado aos estados menos desenvolvidos. Esses estados, que utilizarão o fundo para substituir as renúncias e atrair investimentos, podem ter dificuldade em atrair novos investimentos e até mesmo manter os existentes. Então esse é um ponto de preocupação da reforma tributária do ponto de vista do desenvolvimento desses estados na geração de emprego e renda.
Porque do ponto de vista arrecadatório, em primeiro momento, é melhor. Porque, por exemplo, o estado do Rio Grande do Norte, você perguntou do meu estado. É um estado que importa, importa no sentido de compra mais produtos dos outros estados do que vende.
E com o princípio da origem e destino, parte desse imposto fica lá nos estados produtores. Quando migra tudo para o destino, esse imposto vem todo para a gente. Então a gente tende a ter mais arrecadação ao longo, depois, principalmente, do período de transição, que é bem longo até para não ter um impacto muito grande na arrecadação dos estados produtores.
É um ponto de preocupação que a gente vai ter mais arrecadação, sim, mas a gente pode ter uma fuga dessas indústrias, principalmente que estão instaladas em nossos estados.
Como o seu estado está se planejando para evitar essa perda de empregos?
Aí a primeira coisa, a melhor utilização possível desse Fundo de Desenvolvimento Regional. Investimento em infraestrutura, ciência e tecnologia e mesmo na concessão de subvenções para empresas –que hoje a gente faz a renúncia, a gente faria algumas subvenções para manter esses investimentos no nosso estado.
É uma grande discussão que a gente lá no Rio Grande do Norte está procurando fazer, inclusive com o setor produtivo, o setor empresarial, para a gente manter as indústrias, os investimentos. E para que também mantenhamos o poder de atração de novos investimentos para o estado. Mas a questão de infraestrutura, ciência e tecnologia e a concessão de subvenções vão ser fundamentais nesse processo.
Qual que é a diferença da subvenção para a concessão de benefício?
Na renúncia, o Estado abre mão de arrecadar o tributo que a empresa pagaria.
Esse é o conceito de renúncia fiscal. Na subvenção, você injeta recursos do orçamento nessas empresas. Você injeta recursos para ela ficar no seu estado, ou seja, você faz uma subvenção mensal ou anual para aquela empresa permanecer no seu estado.
É uma mudança, é dinheiro do orçamento que vai para a empresa privada. É bem diferente do conceito da renúncia.
Darei um exemplo: há um voo de Natal para Mossoró operado por uma empresa que, nas contas da companhia, não é viável economicamente. O Estado então subsidia esse voo para torná-lo viável.
A mesma coisa funcionará com a indústria. Olha, se eu for para São Paulo, isso terá que ter um estudo técnico, eu tenho uma vantagem competitiva X que eu tinha com a renúncia fiscal. Preciso que o Estado chegue com esse valor para que eu tenha ainda a competitividade de permanecer aqui no Estado gerando esses empregos que gero aqui.
Será mais ou menos esse contexto. Não pode ser só a subvenção, você vai ter que ter outros investimentos em infraestrutura, em tecnologia para que essas empresas tenham algum diferencial competitivo de estarem instaladas nesses Estados, porque não terá mais a renúncia.
Essa reportagem foi publicada com exclusividade na Revista da Reforma Tributária. Acesse a edição completa aqui (é gratuito).