Luiz Gustavo Bichara alerta para desafios na transição tributária

Bichara em GT da da Reforma Tributária na Câmara

Quero cumprimentar também a Mesa, na pessoa da Dra. Camilla Cavalcanti, qualificado quadro especial da reforma tributária.

Sr. Presidente, eu venho aqui, até divergindo um pouco do meu prezado Ministro Maílson, para elogiar a reforma. Eu não vejo esse lado negativo que o Ministro aponta.

Eu acho que nós partimos para uma reforma que é simplificadora, que é moderna, com um padrão mundial de IVA. Nós tivemos o mérito de não querer inventar nada. Nós importamos um tributo que funciona mais ou menos bem no mundo inteiro. Eu acho que fizemos bem em abandonar esse mito da alíquota única.

O Brasil é um país complexo. Nós não podemos querer achar que dá para fazer uma alíquota única e, com isso, acomodar os interesses de todos os personagens envolvidos. Eu acho que nós andamos muito bem.

Também peço a maior vênia para discordar do Ministro Maílson, porque eu não vejo o diabo nessas exceções. Eu acho que essas exceções foram fruto do que é um pouco a prática mundial. A Espanha tem cinco alíquotas, a Itália tem cinco, a Alemanha tem três, a França tem quatro. Esse é o padrão mundial. Nós podemos criticar uma ou outra, mas, no geral, a reforma sai no padrão mundial.

Além de elogiar o trabalho feito aqui até agora, eu teria um ou outro comentário, todos muito construtivos, para que possamos tentar evoluir um pouco mais, Deputado Reginaldo, nesse texto.

Em primeiro lugar, eu acho importante nós termos em mente o seguinte. Essa questão do aumento de carga terá que ser verificada não só no papel, mas no dia a dia do que vai acontecer. Eu acho que há uma premissa, que tem sido um pouco desconsiderada, que é a da elasticidade de preço. Esse ponto, talvez, ainda mereça uma reflexão um pouco mais aprofundada de todos nós. O que eu quero dizer com isso?

No caso das contratações com entes públicos, ficou estabelecido, no PLP 68, que haverá um repasse automático do efeito tributário, ao passo que os entes privados estão delegados para a autonomia da vontade. O que eu quero dizer com isso? Que a transição não vai ser tão simples quanto está parecendo. Vamos pegar como exemplo a PETROBRAS, que tem milhares de contratados.

Vamos imaginar que ela tem um determinado prestador de serviço submetido ao lucro presumido hoje. Portanto, ela recebe uma fatura com um tributo embutido de 3,65%. Na virada da reforma, o prestador vai destacar o IVA e colocar aquele valor ali. A PETROBRAS vai dizer: “Não, tudo bem, eu vou te pagar o IVA. Mas, e os 3,65% que você já pagava? O que é isso? É preço ou é tributo?” E, aí, vai começar uma discussão. Vai começar uma discussão que não é trivial, porque se esse prestador de serviço estiver submetido ao lucro real ele vai pagar 9,25%. Aí, o contratante vai querer saber qual é a matriz de crédito dele no passado versus a atual. Isso tem um potencial de virar litígio.

Eu acho que isso é um ponto importante e que nós deveríamos caminhar numa reflexão sobre a transição. Ao contrário do que parece, não vai ser só destacar o IVA e mandar nota fiscal, porque haverá uma discussão sobre a matriz de custo daquele fornecedor. Esse é um ponto importante, que é mais da prática até do que do normativo, mas acho que é um ponto com que nós deveríamos nos preocupar.

Quando o art. 362 joga para a autonomia da vontade das partes, ele joga um pouco os contribuintes na confusão, no momento da transição. Se pensarmos que essa é uma transição que vai demorar 8 anos, isso tem um potencial não desprezível de problema. Eu acho que é um item para fazermos uma reflexão conjunta.

Outro item, que é muito caro para empresas de prestação de serviço, é aquele atinente à exportação de serviço. Nós ouvimos desde o primeiro dia o dogma de que as exportações estariam desoneradas. O Ministro Fernando Haddad, na porta deste Congresso Nacional, disse isso quando veio entregar o projeto, mas o texto não reflete isso. No caso de mercadorias, o texto é muito claro. Mas, no caso de serviços, o texto incorpora, Deputado Reginaldo, uma infeliz discussão, que os Municípios apresentam, que até hoje é o cadáver insepulto da jurisprudência — o conceito de resultado verificado.

O que eu quero dizer é o seguinte. O legislador aqui tinha duas opções: ou adotar o critério do PIS/COFINS, que funciona há 20 anos sem nenhum problema, ou adotar o do ISS, que, como todo mundo sabe, dá problema. E o que ele fez? Adotou o do ISS.

Então, aqui eu faria esse apelo para que nós pudéssemos tentar simplificar, porque o conceito de exportação de serviços, verificado no art. 79, é exatamente o que dá confusão hoje na jurisprudência; e ninguém sabe se aplica ou não aplica.

Aqui, só lembrando mais uma vez, eu vou insistir neste ponto, existe uma saída simples, que é fazer o que existe há 20 anos para PIS/COFINS e que nunca deu confusão. Então, essa seria a minha modesta sugestão.

Outro ponto que tem tirado o sono dos contribuintes é aquele atinente ao crédito somente após a comprovação do pagamento pelo prestador de serviço ou pela venda da mercadoria, ou seja, pelo fornecedor. Isso parece muito grave. Outro dogma que sempre é vendido é o de que (falha na gravação). Só que isso não simplifica nada. Vamos voltar ao exemplo da PETROBRAS (falha na gravação). Ela vai ter que ter um tratamento só para um (falha na gravação) recolher o tributo ou não, para que ela possa tomar o crédito. É claro que, se vingar o split payment, esse problema não existirá. Eu faço votos de que ele vingue, porque eu acho que é um sistema sensacional, sobretudo para combate à sonegação. Agora, se não acontecer o split payment, não é possível que o contribuinte, para tomar o crédito, tenha que ser fiscal do seu fornecedor. Eu julgaria que isso é realmente impossível, até porque nos levará a situações esdrúxulas. Por exemplo, se o fornecedor parcelar o tributo, terá o contribuinte que tomar o crédito parceladamente? Terá ele que estornar? Isso atribui uma complexidade à reforma que me parece bastante indesejada.

Ainda tratando do setor de serviços, há outra regra que parece perversa, que é aquela atinente à impossibilidade do crédito sobre despesas com saúde dos empregados. Vemos na PEC a previsão de que estarão excepcionados da não cumulatividade bens de uso e consumo, mas aqui não parece ser o caso. Acho que isso endereça uma preocupação muito grande, porque essas despesas no setor de saúde muitas vezes são das mais importantes, junto com a folha, que, como sabemos, não dá crédito. Eu compreendo o argumento de que esse seria um benefício para o empregado, mas sabemos que, no Brasil, isso não é opção, que não dá para deixar o empregado na fila do SUS. Esse dispositivo, aliás, vai gerar um aumento também, não desprezível, no número de brasileiros submetidos ao SUS, porque menos gente vai ter plano de saúde. Então, Deputado Reginaldo Lopes e Dra. Camilla, este é o apelo que eu faria: que possamos fazer uma reflexão melhor sobre esse tema. Isso é uma questão de saúde da população, inclusive da menos favorecida.

Aliás, sobre esse tema da não cumulatividade, eu diria que temos que permanecer vigilantes com relação a ele. Por mais que eu seja crente de que o novo sistema será efetivamente não cumulativo, infelizmente, o Governo nos manda mensagens no sentido de que devemos ficar preocupados. Está aí a MP que foi enviada ontem. A MP de ontem é um tiro no PIS e na COFINS não cumulativo. Tudo bem, eu quero crer que a vida será diferente, mas isso que aconteceu ontem inspira medo, inspira receio. O que eu quero dizer com isso é que temos que trabalhar mecanismos para garantir essa não cumulatividade. O que eu quero dizer com isso? Por exemplo, no caso da devolução dos créditos, há a regra dos 60 dias e há a regra de incidência da Selic, se demorar mais 15 dias, mas não há enforcement se o Fisco não devolver para o contribuinte os créditos. Então, o que pode acontecer é, se o crédito não for devolvido, o contribuinte ficar a ver navios. Eu acredito que o crédito será devolvido, genuinamente acredito, porque ele vai ser devolvido pelo comitê, não mais por quem faz política pública. Mas é aquela história: cachorro mordido por cobra tem medo de linguiça.

Se fosse possível, então, uma regra de enforcement aqui, eu acho que isso seria melhor. Eu acho que seria até um gesto de boa-fé do legislador e do Poder Executivo. Já que ele sabe que vai devolver, então que coloquemos uma regra de enforcement. Sugestão simples: se não devolver em 75 dias, o contribuinte pode ceder o crédito. Não estou inventando nada: está no art. 100 da Constituição. É o poder liberatório, que já acontece no caso dos precatórios. É uma regra simples, que busca coerência e busca inspirar maior confiança no contribuinte, que sofre hoje já com esses problemas.

Eu teria outros comentários a fazer, Deputado Reginaldo Lopes, mas eu sei que o meu tempo está estourado. Então, eu queria agradecer uma vez mais o honroso convite. Para mim, foi uma alegria estar aqui.