Legalização do pagamento indevido

Cartão, maquinha
Dinheiro; nota de R$ 100
Foto: Cecilia Bastos via Agência USP

O art. 165 do CTN dispõe que o sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, nos casos de:

  1. cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido;
  2.  erro na edificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento; e
  3. reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória.

Nas lições do professor Paulo de Barros Carvalho, a norma de restituição dos tributos pode ser sintetizada da seguinte forma:

  • “Muitas vezes a importância recolhida a título de tributo é indevida, quer por exceder o montante da dívida real, quer por ter sido o crédito tributário desconstituído em virtude de estar em desacordo com o sistema pátrio. Nesse caso, assegura o ordenamento jurídico a devolução daquilo que o contribuinte pagou indebitamente. Fá-lo mediante norma geral e abstrata cuja hipótese descreve, em caráter conotativo, o pagamento indevido, prescrevendo, no consequente, uma relação jurídica obrigacional em que o Fisco ocupará o polo passivo, assumindo o dever de restituir o indébito, enquanto o contribuinte figurará como sujeito ativo, com o direito de exigir o cumprimento desta restituição. Diferentemente do que ocorre na obrigação tributária, o contribuinte é credor na relação ora examinada. O Fisco encontra-se no polo passivo do vínculo obrigacional, possuindo o dever de cumprir uma prestação pecuniária para com o contribuinte.”

Ou seja, o pagamento indevido pode ser lido como aquela prestação feita de maneira excedente ao montante do tributo devido pelo sujeito passivo ou ainda em relação ao crédito tributário que posteriormente venha a ser desconstituído, dado a sua divergência com o ordenamento jurídico.

Do exposto, em nossa leitura, temos que a redação atual do inc. I do art. 37 do PLP 68. O trecho faz com que a restrição da restituição do IBS e da CBS apenas para situações que não tenham gerado crédito ao adquirente, elimina, praticamente, a grande parte das operações em que, potencialmente, essa situação venha a ocorrer.

Isso porque, caso seja esse o entendimento adotado, nos termos do art. 51 e seguintes do PLP 68, todas as operações realizadas pelo sistema financeiro, abarcadas pelo split payment (ventilado pelas autoridades como a força motriz da reforma tributária, inclusive com impactos significativos na alíquota de referência) e que automaticamente terão uma parcela dos saldos direcionada ao Comitê Gestor, não poderiam gerar restituição. Isso mesmo que os tributos tenham sido recolhidos de maneira indevida.

A lógica do split payment e da segregação dos valores com o Comitê Gestor acaba por sempre gerar um crédito ao adquirente: seja pelo pagamento do tributo pelo fornecedor em sua apuração corrente; seja pelo pagamento feito pelo adquirente.

Ainda, de maneira periférica à presente análise, cabe mencionar que recentemente a 1ª Seção do STJ (Superior Tribunal de Justiça), no âmbito do Tema Repetitivo 1.191, fixou a seguinte tese:

  • Na sistemática da substituição tributária pra frente, em que o contribuinte substituído revende a mercadoria a preço menor do que a base de cálculo presumida para o recolhimento do tributo, é inaplicável a condição prevista no artigo 166 do CTN.

A despeito da diferença da lógica de cálculo e destaque do ICMS em relação ao IBS e a CBS, bem como do contexto constitucional em que cada um dos tributos está inserido, o racional aplicado pelo STJ no Tema 1.191 nos parece acertado. E pode ser utilizado como balizador ou paradigma em relação ao previsto no PLP 68 e a limitação contida no inc. I do art. 37 do PLP 68.


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