Por Caroline Souza
A Reforma Tributária, com a promessa de simplificar e modernizar o sistema tributário brasileiro, apresenta um novo panorama para o setor industrial. Um dos pontos centrais dessa reforma é a redistribuição da carga tributária ao longo da cadeia produtiva, impactando diretamente como as indústrias recolhem e se creditam de tributos. Atualmente, o setor industrial atua, em grande parte, como um “recolhedor universal” de tributos, antecipando o recolhimento da carga tributária de toda a cadeia até o consumidor final, através de tributos como o ICMS ST, IPI e Monofásico. Com a reforma, essa dinâmica se altera, transferindo parte da responsabilidade para os demais elos da cadeia, como distribuidores, atacadistas e varejistas.
O desafio pela frente com a cadeia produtiva é mais complexa do que aparenta num primeiro momento.
Menos tributos na fonte, mais complexidade na gestão
A redução da carga tributária na fonte industrial, a princípio, pode ser um aspecto bastante positivo trazido pela reforma tributária, todavia, exige uma análise aprofundada de seus efeitos. A mudança pode impactar o fluxo de caixa, a depender do ciclo de conversão de caixa das indústrias, pois, por exemplo, no caso de recebimento financeiro dos clientes antes do próprio pagamento do tributo, poderá existir um descasamento no giro do caixa, já que este recurso poderia ser utilizado para capital de giro.
Ainda, altera-se a gestão de custos das indústrias, já que alteram-se todos os preços de compras, tanto de mercadorias, quanto de serviços, assim como outros gastos, inclusive aqueles que porventura hoje estão fora do radar de tributação – Por exemplo, aluguel e royalties para fins de ISS (tributo municipal) e as importações de licenças de software equiparadas a royalties para fins de PIS e COFINS importação.
As indústrias precisarão se adaptar a um sistema mais complexo de controle de créditos fiscais, com maior ênfase no acompanhamento dos créditos tributários gerados em cada etapa da cadeia, já que o direito ao crédito passa a ser não mais escritural – conforme o tributo destacado em documento fiscal, mas sim financeiro – gerado a partir do pagamento financeiro do tributo. O Split Payment promete ser a tecnologia capaz de revolucionar a maneira como hoje apuram-se débitos e créditos tributários, resta saber se a inovação estará funcional e preparada para todos os contribuintes a partir do ano de 2026, período em que os testes de recolhimento de IVA-Dual começam.
Na seara de créditos fiscais as empresas em geral arriscam perder créditos fiscais simplesmente por manter fornecedores não estratégicos em sua cadeia de suprimentos, como o Simples Nacional, que optem por recolher o IVA-Dual (CBS e IBS) abarcado na guia simplificada, ou seja, sem optar pelo regime regular do IVA, assim, o crédito de IVA além de ser parcial ao adquirente, conforme o recolhimento efetivo de IVA (alíquota reduzida), ainda, esta mesma empresa do Simples provavelmente terá vários resíduos tributários das etapas anteriores, já que, no regime simplificado não há direito ao crédito tributário.
Muito provavelmente haverá uma pressão do mercado B2B (Business to business), das empresas que adquirem mercadorias ou serviços de empresas do Simples Nacional, para que estas optem pelo regime regular de IVA, onde, o IRPJ / CSLL / INSS podem permanecer simplificados via DAS (Documento de Arrecadação do Simples) com alíquota reduzida, e o IVA apurado “por fora” no regime de débitos e créditos, aí, sim, neste caso, fornecendo crédito integral ao adquirente, e sem resíduos tributários na cadeia anterior (compras).
- Art. 21. É contribuinte do IBS e da CBS
- § 2º Fica sujeito ao regime regular do IBS e da CBS de que trata esta Lei Complementar o contribuinte que não realizar a opção pelo Simples Nacional ou pelo MEI, de que trata a Lei Complementar nº 123, 14 de dezembro de 2006.
- § 3º Os contribuintes optantes pelo Simples Nacional ou pelo MEI ficam sujeitos às regras desses regimes.
- § 4º Os optantes pelo Simples Nacional poderão exercer a opção de apurar e recolher o IBS e a CBS pelo regime regular, hipótese na qual o IBS e a CBS serão apurados e recolhidos conforme o disposto nesta Lei Complementar.
- § 5º A opção a que se refere o § 4º será irretratável para todo o ano-calendário e será exercida no mesmo prazo previsto para exercício da opção pelo Simples Nacional, nos termos do art. 16 da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, observado o disposto no § 6º deste artigo. [PLP 68-A]
A gestão de compras passará por mudanças estruturais de controle, frente à necessidade de renegociar todos os preços de compras, mudanças sistêmicas, tendo em vista que novas tecnologias serão necessárias para adaptar a realidade atual para a reforma tributária, inovações como Split Payment e adequações nos arranjos de pagamento, conciliações real time na contabilidades, reforço nos atuais ERPs, sem contar novas tecnologias que poderão ajudar na negociação eficiente das aquisições de suprimentos no período de transição, entre 2026 e 2033, onde a forma de precificação dos produtos e serviços será mesclada entre técnica de markup (tributos por dentro / gross up), com alguns tributos por dentro (como ICMS, ISS) e alguns por fora (IBS, CBS, IS, IPI).
Zona Franca de Manaus e a Incerteza do IPI
Um dos grandes desafios enfrentados pelo setor industrial, em especial por empresas que não operam na Zona Franca de Manaus, é a incerteza em relação à manutenção do IPI. A indefinição sobre a extinção ou alteração do imposto gera um cenário de insegurança jurídica e dificulta o planejamento estratégico. A possibilidade de manutenção do IPI, seja nas compras, seja nas vendas, impõe a necessidade de reavaliação da viabilidade econômica de manter operações na atual região de atuação, considerando a perda de outros incentivos fiscais.
- Art. 450. A partir de 1º de janeiro de 2027 fica reduzida a zero a alíquota do IPI relativa a produtos industrializados na Zona Franca de Manaus em 2023 e sujeitos a alíquota inferior a 6,5% (seis inteiros e cinco décimos por cento) prevista na Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados – Tipi vigente em 31 de dezembro de 2023. [PLP 68-A]
Você pode estar pensando “ah, mas minha empresa não é contribuinte de IPI”, e eu posso te afirmar sem medo de errar com base no PLP 68-A: ainda assim sua empresa tem um risco de manter o IPI no custo das aquisições, vejamos um exemplo, a empresa atualmente adquire produtos do estado de SP, para revenda, atualmente já sem o direito ao crédito de IPI, todavia, as compras realizadas direto da indústria tem a incidência do IPI (e mesmo que seja de um revendedor, ainda assim, houve anteriormente um industrial ou um importador tributando IPI), imagine que sujeito a uma alíquota de IPI superior a 6,5%, neste caso, se houver uma empresa na Zona Franca de Manaus, que no ano de 2023 fabricou o mesmo produto com incentivo da ZFM, há o risco da empresa de SP (hoje sua atual fornecedora) precisar manter o recolhimento do IPI, e este tributo continuará sendo um custo na aquisição.
Todo o exemplo acima serve para ilustrar que será importante reavaliar a cadeia de fornecimento completa, já que, o “fornecedor do fornecedor” desta empresa de SP, pode estar situado na ZFM e o produto lá na origem ter direito ao IPI alíquota zero, ou, caso contrário, será importante repensar a logística, valerá a pena comprar direito da Zona Franca para garantir o IPI zero no custo de aquisição? Ou manter o fornecedor de SP mesmo com a manutenção do IPI será estratégico para os negócios? Só os cálculos com uma análise minuciosa responderão a esta pergunta.
O Imposto Seletivo
A introdução do Imposto Seletivo (IS) também levanta preocupações. A falta de clareza na definição das alíquotas e da metodologia de cálculo abre espaço para que este tributo a priori extrafiscal, seja usado como uma “conta de chegada” para aumentar a arrecadação do governo, impactando a indústria e o consumidor final como um todo. A aplicação de alíquotas ad valorem e/ou ad rem específicas pode resultar em aumento significativo da carga tributária sobre alguns produtos, elevando preços e impactando a elasticidade da demanda.
Para que as empresas se preparem adequadamente para a introdução do Imposto Seletivo, é essencial adotarem uma abordagem proativa. Primeiramente, devem realizar uma análise detalhada do impacto financeiro que o novo imposto terá sobre seus produtos e serviços, considerando o aumento potencial nos custos e a consequente necessidade de ajuste nos preços finais.
Além disso, é crucial revisar e otimizar a cadeia de suprimentos para minimizar custos adicionais e buscar alternativas que possam mitigar o impacto fiscal, como renegociações com fornecedores ou a busca por insumos mais econômicos.
Adaptação estratégica: a chave para o sucesso na nova era tributária
A complexidade da Reforma Tributária exige que as indústrias adotem uma postura estratégica para garantir sua competitividade. A criação de um comitê tributário interno, dedicado a analisar os impactos da reforma, desenvolver planos de ação e monitorar as mudanças na legislação, é fundamental. A revisão de contratos com fornecedores, a otimização da logística, a reavaliação de investimentos e a busca por soluções tecnológicas que auxiliem na gestão tributária são medidas essenciais para aproveitar as oportunidades da nova era tributária.
Conclusão
Diante das mudanças iminentes trazidas pela Reforma Tributária, é imperativo que as empresas iniciem o planejamento estratégico imediatamente. A antecipação e a preparação são fundamentais para navegar com sucesso pelas complexidades e incertezas do novo cenário tributário. As empresas que se adaptarem rapidamente estarão melhor posicionadas para mitigar riscos, otimizar operações e capitalizar sobre as oportunidades emergentes, garantindo assim sua competitividade e sustentabilidade no mercado.
Caroline Souza é CFO, líder de reforma tributária na ROIT. Contadora, advogada, sócia na ROIT, professora FBT e IPOG, palestrante, VP de planejamento Assespro-PR.
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