Por Rafael Moumdjian
Como é de conhecimento para os profissionais que atuam na área tributária, temos quase que secular o desenvolvimento da doutrina com finalidades dos impostos, sendo elas a finalidade fiscal e a finalidade extrafiscal.
Colaborando com uma simples e rápida consideração acerca destas duas finalidades, obrigatoriamente temos efeitos aqueles que possuem como único para objetivo que é angariar recursos para a administração pública para manutenção e desenvolvimento do Estado, com uma finalidade exclusivamente financeira arrecadatória.
Em contrapartida, já os impostos com finalidade extrafiscal são definidos como aqueles que possuem escopo de intervir ou regular uma situação estatal e que não pode ser confundida com um imposto que não tem objetivo arrecadatório, mas que sua “função social” busca estimular ou desestimular comportamentos sociais. Como exemplo, é o caso em que iremos discorrer nesta coluna sobre as possíveis revogações dos benefícios fiscais sobre a produção e comercialização de defensivos agrícolas.
Fazendo uma conexão com a Reforma Tributária do Consumo, podemos afirmar que a extrafiscalidade está ficando robusta com a criação do Imposto Seletivo (IS) como o principal mecanismo tributário passível de utilização na proteção do meio ambiente e fazendo uma sobreposição entre os conceitos de “nocividade”, ou seja, mais ou menos nocivos ao meio ambiente.
No Brasil, por sermos um país considerado “jovem” quando comparados contra os países da União Europeia ou Estados Unidos, implica que normalmente façamos cópias ou utilizamos como base a legislação já criada e implementada em outros países. No caso em tela, o Imposto Seletivo tem como base o conceito “sin tax” do modelo Norte Americano, onde é utilizado para desmotivar comportamentos sociais considerados como nocivos ao meio ambiente.
Através da Emenda Constitucional nº 132/23 foi o instrumento jurídico que incluiu no artigo 153 da Constituição Federal de 1988 disciplinando que, além do atual IPI, poderá ser criado o imposto seletivo para outros produtos ou mercados a depender do grau de nocividade e o texto, inicialmente, considera a incidência sobre a produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços e a ser regulado nos termos da lei complementar.
- Supremo Tribunal Federal e a ADI 5553
O Plenário do Supremo Tribunal Federal é o competente a julgar a ADI 5553 que trata a constitucionalidade dos benefícios fiscais do ICMS, através do Convênio ICMS 100/97 e do IPI, com a classificação de alíquota zero e NT para a totalidade de NCMs arrolado na Tabela do IPI (TIPI) que está previsto no Decreto nº 7.212/2010.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade foi impetrada por legisladores e, além disso, por ser uma matéria controversa, o Supremo Tribunal Federal permitiu a realização de audiência pública, referente ao andamento da ação que foi impetrada em 2020 no plenário virtual e com diversos pedidos de vistas.
A época dos fatos, no plenário virtual, o STF chegou ao placar de 6X2 pela manutenção dos benefícios fiscal, mas com teses distintas entre si. No que culminou na transferência da discussão para a modalidade presencial e os ministros que já votaram, poderão votar novamente ou manter suas posições prévias.
Dentre as teses debatidas e defendidas, na ADI considera-se, sem qualquer análise crítica, cientifica ou distinção, é que o uso dos defensivos agrícolas leva à contaminação dos recursos hídricos, ar, solo e saúde humana. Ainda se argumenta que a extrafiscalidade não está sendo aplicada e sim que o ponto em debate é a não continuidade da fruição de benefícios alíquotas, ou seja, sem majoração de alíquotas ou proibição.
Ponto que chega ser contraditório, pois está se tentando aplicar de uma forma “invertida” o Princípio da Essencialidade que em regra geral temos quanto mais “essencial, menor a carga a tributária” e no caso em tela, continuam a considerar que os produtos e sua utilização são importantes, necessárias e essenciais, mas que devem ser tributados integralmente.
A contraparte, que representa uma das associações que estão atuando no processo como “amicus curiae”, defende que a própria Constituição Federal dá base e concede os benefícios fiscais para a produção agropecuária, sendo que os incentivos foram confirmados pela Emenda Constitucional nº 132/23, que já consideram as novas regras da reforma tributária do consumo.
Mas para deixar a questão mais “emocionante” (contém tom de ironia), é que o texto da PLP nº 68/24 sequer foi aprovado pelo Congresso Nacional e já foi interposta uma nova ADI com pedido de medida cautelar no STF alegando inconstitucionalidade sobre a aplicação de incentivos fiscais para pesticidas. Ou seja, já temos a primeira ação contra alguma matéria da reforma tributária do consumo, sendo o Ministro Edson Fachin o relator definido para relatoria do caso.
Ação continua a evocar a inconstitucionalidade das clausulas primeira e terceira do Convênio ICMS nº 100/97 que permite a redução de 60% da base de cálculo do ICMS nas operações interestaduais, mas agora combinado com a alegada inconstitucionalidade do artigo 9º, §1°, inciso XI da EC nº 132/23, pois ambos os textos trazem benefícios fiscais para defensivos agrícolas.
Nesta nova ação, o mérito apresentado pelos autores refere-se a que a manutenção do benefício fiscal estimará o uso em demasia dos defensivos agrícolas e que isso viola claramente diversos preceitos fundamentais, tais quais os direitos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, à saúde e à integridade física sob a ótica constitucional e ainda complementam declarando que as legislações descumprem os deveres estatais de controle, fiscalização e sanção de atividades perigosas.
- ADI 5553 e o regime diferenciado na reforma tributária
Como já afirmei em artigo anteriormente publicado, bem como defendido de longa data, a “pseudo” tributação favorecida para o agronegócio não é, nem de longe, um privilégio. Em verdade, é o cumprimento, respeito e defesa dos direitos sociais, pois além das particularidades muito especificas do setor, que por vezes é muito deficitário do ponto de vista de infraestrutura, temos que nos atentar as questões que envolvem o Princípio da Igualdade, Dignidade Humana, Direito a Vida, Direito Social e a alimentação, ou seja, todos aqueles que estão elencados ainda nos 10 primeiros artigos da Constituição Federal de 1988.
Além dos principais princípios fundamentais constitucionais estarem sendo compreendidos e aplicados quando falamos de regime diferenciado para o agronegócio, não podemos deixar de destacar que, mesmo assim, a tributação considerada pela EC 132/23 combinada com a proposta da PLP nº 68/24, a carga tributária efetiva vai mais que dobrar. Isso mesmo, vai dobrar! Mas deixaremos isso para outra oportunidade.
De forma, resumida e com base no texto base do momento, teremos alguns alimentos tributados a alíquota zero, com produtores rurais podendo optar por ser contribuintes do IBS/CBS e os insumos, produtos agropecuários e alimentos para consumo humano terão redução de 60% na alíquota que ao considerarmos que o IVA referencial padrão é de 26,5%, teremos uma carga tributária efetiva de 10,6%, independentemente de a operação ser intraestadual ou interestadual.
Ou seja, de forma bem simplista compararmos uma operação atual dentro do estado onde o ICMS é zero (não importa se isento, diferido ou desonerado), tributado Pis e Cofins à alíquota zero contra uma operação amparada pelo regime diferenciado do CBS/IBS onde teremos a carga tributária efetiva de 10,6%, penso que já está respondido que não existe tratamento diferenciado algum.
Pois bem, além da questão constitucional, ao menos pela simplista e pobre visão do autor, ser suprimida de forma rápida e objetiva. Ainda devemos demonstrar que o posicionamento do Brasil, ao contrário do que é alegado na ADI, é que estamos seguindo o modelo internacional e com a grande maioria dos países membros da OCDE, deixando nítido que não é nenhuma beneficie ou regalia.
Basta pesquisar no site da OCDE ou na pesquisa de mercado realizado pela própria OCDE, é possível confirmar que em praticamente todos os países que se utilizam do IVA, que o percentual varia entre 8% e 27%, sendo média de 22% da União Europeia e os demais com uma média de 15%, sem comentar a fundo dos Estados Unidos da América que a taxa efetiva é de 0% a 10%.
Conforme já posicionado diversas vezes em minhas manifestações, apesar do Brasil estar entre as 20 maiores economias do mundo e, por vezes, figura no “Top 10”, jamais podemos deixar de esquecer que o Brasil é um país pobre e sem renda, ou seja, 95% de riqueza circulada é através do consumo e, mesmo que a Reforma Tributária traga solução ou mitigação para distorções tributárias atuais, não podemos esquecer desta situação e querer equiparar o Brasil pais países da Escandinávia ou os mais ricos do mundo, com taxas de juros por vezes negativa.
Estamos nos referindo a países como Dinamarca que aplica o IVA de 25%, Noruega também com 25%, Suécia 24%, bem como podemos ir para o outro do mundo como os casos de Japão e Nova Zelandia que tem o IVA de 10%, além dos alimentos básicos, ou a nossa “cesta básica” que é o caso deles, onde não sofrem qualquer tributação de IVA.
Já que estamos sendo técnicos e tentando, com o todo o respeito, contrapor algumas questões que são mais populistas ou midiáticas, vejo que a ADIN também poderá questionar sobra a opção do produtor rural ser contribuinte. Não deveria ser isento e não haver qualquer facultatividade? Onde está a proteção ao Princípio Legal da Liberdade Econômica?
Vamos “liberar” o produtor rural de apura e declarar qualquer IVA, aplicando ainda sistemáticas simples e básicas de cobrança com taxas fixas e com ressarcimento imediato de valores na cadeia. Comento, pois, melhor que seja o modelo e é muito melhor ao comparado com o atual, anote o que o autor afirma, pois ainda incorremos em muito risco de termos resíduo tributário nas operações.
Enfim, o ideal seria que o produtor rural não recolha imposto algum em sua operação e ainda receba ressarcimentos do estado como forma de recuperar a variação de custo que teve durante sua operação.
- Conclusões preliminares
Considerando o atual cenário da ADI 5553, mesmo que o texto da Emenda Constitucional nº 132/23 seja declarado inconstitucional, quase que obrigatoriamente o Convênio ICMS nº 100/97 deve ser, também, declarado inconstitucional e o Confaz deverá revogar de imediato os efeitos do texto da lei, mas após a declaração de inconstitucionalidade publicada pelo STF.
Contudo, ao verificarmos exclusivamente impactos ao texto da reforma, não existem impactos, pois a regulamentação que está em votação, não sofrerá qualquer afetação nas questões que envolvem o IVA, tributação no destino, não cumulatividade plena, base ampla, integração dos conceitos entre bens e direitos ou a neutralidade.
Como é uma matéria que ultrapassa a questão legal ou técnica processual, o Ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin, afirmou em suas razões para que a audiência pública fosse realizada, pois novos estudos técnicos e outras publicações cientificas sobre o tema poderiam ser objeto de nova apreciação e mesmo assim o ministro permanece extremamente positivista e votou pela inconstitucionalidade alegando violação aos direitos fundamentais.
Em contrapartida o Ministro Gilmar Mendes abriu divergência, aplicando o entendimento que os incentivos fiscais não violam quaisquer direitos à saúde ou ao meio ambiente equilibrado, pois a eventual nocividade do produto não retira seu caráter essencial e ainda citou medicamentos como exemplo.
E para “apimentar” ainda mais a questão, o Ministro Andre Mendonça abriu uma segunda divergência, aplicando o conceito da gradação das alíquotas sobre os agrotóxicos e pediu para a União e Confaz avaliarem os impactos de uma política fiscal com base no nível de toxicidade ou algo similar.
Princípios Fundamentais Constitucionais evocados a todos e qualquer momento, sem critérios técnicos e científicos, trazem impactos a insegurança a toda sociedade, não apenas jurídica, mas brasileira e todos os cidadãos só têm a perdem com isso, principalmente quando a questão, ao menos para o autor, está clara que qualquer que seja a possibilidade de lesividade de um produto, isso não retira ou macula a essencialidade do mesmo e pesquisas cientificas demonstram isso diariamente.
Por fim, mas não menos importante, resta evidente que existem Princípios Fundamentais Constitucionais que além de estarem sendo respeitados e protegidos, ainda temos claro e transparente que o regime diferenciado para o setor do agronegócio não é qualquer privilégio, já está sendo onerado de forma demasiada no ponto de vista do autor e representa uma política econômica fiscal muito comum entre os países produtores e, em especial, aos países membros da OCDE.
Rafael Garabed Moumdjian é head of tax & LTOs do Syngenta Group. Professor de MBA de Direito Tributário na
Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), é Board Member, “PcD” Professional e Executive Director of Pensions.
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