Imposto Seletivo como instrumento de desenvolvimento econômico?

Edifício em construção – Foto via PxHere

Por Leandro da Luz Neto

No contexto da reforma tributária, o Imposto Seletivo (IS) tem sido objeto de intensos debates, especialmente devido à sua incidência sobre setores sensíveis, como o de bebidas e outros produtos considerados prejudiciais. 

Recentemente, a Câmara dos Deputados reinseriu as bebidas adoçadas na lista do IS, revertendo a exclusão anteriormente aprovada no Senado. Essa decisão reacende questionamentos sobre os impactos imediatos da tributação para as empresas e, principalmente, sobre os efeitos de longo prazo no desenvolvimento econômico do país.

Importante destacar que o objetivo deste texto não é defender ou criticar a aplicação do tributo, mas oferecer uma reflexão econômica sobre o seu papel e os potenciais resultados. Isto porque, o IS, enquanto instrumento extrafiscal, busca corrigir externalidades negativas, como os custos sociais e ambientais gerados pelo consumo de determinados produtos, que, em geral, não são refletidos nos preços praticados pelo mercado.

Sua análise, portanto, não deve se restringir às repercussões diretas nos custos tributários das empresas ou ao impacto inicial na redução do consumo. Mais do que isso, é fundamental considerar os benefícios estruturais que o tributo pode gerar quando aplicado corretamente.

O Imposto Seletivo como instrumento regulatório

O IS, fundamentado no artigo 153, inciso VIII, da Constituição Federal, apresenta-se como uma ferramenta de regulação econômica, direcionada à correção de externalidades negativas associadas ao consumo de bens que geram custos sociais e ambientais significativos.

Em outras palavras, mais do que uma simples fonte de arrecadação, o IS busca intervir no mercado de forma direcionada, atuando diretamente para alterar comportamentos econômicos prejudiciais à coletividade.

Conforme mencionado anteriormente, sua principal função é internalizar os custos sociais que não são refletidos nos preços desses bens, como o impacto negativo sobre a saúde pública ou o meio ambiente. Com isso, o tributo cria um custo adicional sobre produtos específicos, tornando o consumo menos atrativo, tanto para consumidores quanto produtores, e incentiva a busca de alternativas mais sustentáveis.

Não bastasse a influência sobre a demanda dos bens, o IS exerce um papel fundamental na organização e modernização do setor produtivo, visto que empresas que operam em segmentos afetados tendem a ajustar suas práticas para mitigar os efeitos da tributação, seja pela inovação tecnológica, reformulação de produtos ou transição para modelos mais sustentáveis.

Assim, o IS cria barreiras econômicas a comportamentos indesejados e estimula a adoção de tecnologias mais limpas e eficientes, fortalecendo o papel da regulação no desenvolvimento econômico sustentável.

Contudo, cumpre destacar que, para que o efeito regulatório seja eficaz, é imprescindível que o IS seja implementado de forma criteriosa, com base em análises de impacto econômico e social. Quando direcionado de maneira eficiente, o IS pode fomentar políticas públicas, estimulando o desenvolvimento econômico sustentável ao equilibrar crescimento econômico, preservação ambiental e bem-estar social.

O papel do Imposto Seletivo no desenvolvimento econômico

Entre os itens frequentemente listados no IS estão bebidas alcoólicas, cigarros, bebidas adoçadas com açúcar, veículos, embarcações, aeronaves e minério, cada qual com impactos específicos na saúde pública, na sustentabilidade ambiental e na economia.

Do ponto de vista econômico, a incidência do referido tributo promove mudanças no comportamento dos consumidores ao elevar os custos dos bens tributados, desincentivando seu consumo. Esse impacto é especialmente significativo em produtos cuja demanda é mais sensível à variação de preço, como bebidas alcoólicas, cigarros e bebidas açucaradas.

A redução no consumo de bens prejudiciais reflete diretamente em benefícios sociais e econômicos, como a diminuição da incidência de doenças associadas ao uso de álcool, tabaco e excesso de açúcar, aliviando a pressão sobre o sistema público de saúde e reduzindo despesas médicas a longo prazo.

No caso de veículos, embarcações e aeronaves, o IS pode atuar no sentido de desestimular o uso excessivo de combustíveis fósseis, contribuindo para a mitigação de danos ambientais, como a redução das emissões de gases poluentes e seus impactos negativos no clima e na qualidade do ar. Quanto à extração de minério, o tributo pode ser um mecanismo para controlar práticas exploratórias predatórias, incentivando modelos mais responsáveis e menos agressivos ao meio ambiente.

Ainda que existam críticas relacionadas à regressividade do imposto, por afetar proporcionalmente mais os consumidores de menor renda, é importante considerar os benefícios de longo prazo que compensam esses custos imediatos. A melhora na saúde pública, por exemplo, reduz despesas médicas, eleva a produtividade da força de trabalho e impulsiona o crescimento econômico.

Não obstante, no caso de itens como veículos, por exemplo, a redução dos danos ambientais traz eventuais ganhos econômicos significativos, ao mitigar custos relacionados à degradação ambiental e às mudanças climáticas, como desastres naturais e perdas na produção agrícola.

Adicionalmente, a arrecadação proveniente do IS pode ser estrategicamente direcionada para políticas públicas complementares, como programas de saúde preventiva, educação nutricional, controle do tabagismo, incentivo à mobilidade sustentável e investimentos em tecnologias limpas. Essas medidas fortalecem o papel do IS como um instrumento alinhado ao desenvolvimento econômico sustentável.

Dessa forma, o imposto não apenas corrige distorções de mercado, mas também estimula a inovação e a adaptação dos setores produtivos, impulsionando práticas mais sustentáveis e fortalecendo a competitividade a longo prazo. Ao desestimular o consumo de bens prejudiciais e fomentar investimentos em políticas públicas e inovação, o tributo promove um equilíbrio entre crescimento econômico, saúde pública e preservação ambiental.

Considerações finais

O IS, amplamente debatido no contexto da reforma tributária, reabre importantes reflexões sobre o papel da tributação como instrumento de desenvolvimento econômico sustentável.

Conforme discutido, o IS transcende sua função arrecadatória ao atuar como um mecanismo regulatório eficaz. Sua principal finalidade é corrigir falhas de mercado ao internalizar externalidades negativas, como os custos sociais e ambientais que não são refletidos nos preços dos bens tributados.

Quando implementado de forma adequada, o referido tributo tem o potencial de promover eficiência econômica, alinhando os incentivos privados com os objetivos coletivos. Dessa forma, o tributo corrige distorções estruturais, sem comprometer o dinamismo e a competitividade econômica.

Não obstante, o IS pode atuar como um catalisador de inovação produtiva, incentivando setores a investirem em tecnologias mais eficientes e processos sustentáveis, ao mesmo tempo em que reduz custos sociais, como os relacionados à saúde pública e à degradação ambiental. Esse movimento pode gerar, por consequência, benefícios econômicos de longo prazo, como o aumento da produtividade da força de trabalho, a mitigação dos impactos ambientais e a redução dos gastos governamentais com tratamento de doenças relacionadas ao consumo de produtos nocivos, reparação de danos ambientais e manutenção da infraestrutura pública impactada por práticas insustentáveis.


Leandro da Luz Neto é advogado. Mestrando em Economia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET). Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA). Membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/PR.


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