Harmonização e integração entre os entes federativos

Alinhamento certamente propiciará uma simplificação do sistema tributário, escreve Luiz Roberto Peroba
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Elaboração via ChatGPT

Pelo sistema tributário definido na CF/88, cada nível de governo (Municípios, Estados e União) recebeu fatos econômicos específicos para cobrarem seus respectivos tributos e fazerem frente às despesas relativas às atividades que a eles também foi atribuída responsabilidade. No que importa para a tributação do consumo, O ISS (imposto sobre serviços) ficou para municípios, o ICMS (imposto sobre circulação de mercadorias, comunicação e energia) para estados e o PIS/COFINS (sobre as receitas) para a União Federal. Essa repartição constitucional, como sabemos, trouxe pouca colaboração entre os entes da federação para administrar, arrecadar e cobrar tributos de forma coordenada.

A falta de interação entre os governos gera vários problemas, a exemplo (i) dos conflitos sobre quem tem o direito de cobrar determinado tributo; (ii) das guerras fiscais, onde cada ente oferece inúmeros incentivos para atrair empresas para as suas jurisdições; (iii) falta de uniformidade nas regras dos estados e municípios com impacto para empresas que tem operação em várias cidades e estados; e (iv) ineficiência na arrecadação, pois a falta de cooperação dificulta o combate à sonegação e o uso otimizado dos recursos públicos.

No novo sistema de tributação do consumo que se pretende implantar, com o IBS e a CBS, a expectativa é que esses problemas sejam resolvidos ou, ao menos, bem reduzidos. Isso porque o IBS, que substitui o ICMS e o ISS, é de competência compartilhada entre Estados e Municípios, o que por si só exigirá uma integração entre essas administrações tributárias para que o sistema funcione. Exatamente com essa finalidade é que a EC 132/23 criou o Comitê Gestor do IBS (CG-IBS), por meio do qual serão concentradas as atividades de arrecadação e cobrança do imposto, incluindo a interpretação da legislação tributária, a edição de regulamento, e as regras do contencioso administrativo.

Além disso, como a CBS, de competência federal, possui a mesma legislação do IBS, será essencial que a administração tributária (via Receita Federal e Procuradoria) atue em sintonia com o CG-IBS. Essa colaboração está prevista na própria Constituição Federal (art. 156-B, § 6º), que determina que o CG-IBS, a administração tributária da União e a PGFN compartilhem informações fiscais relacionadas ao IBS e à CBS e atuem de forma a harmonizar normas, interpretações, obrigações acessórias e procedimentos desses tributos.

Para que a integração e harmonização necessárias ocorram, é essencial que as medidas sejam amplamente debatidas no Congresso Nacional, garantindo que os mecanismos adotados sejam eficientes e contribuam de maneira eficaz para a uniformidade das regras, sob pena de não se seguir o objetivo principal da reforma tributária que é a simplificação do sistema. Atualmente, a regulamentação está em discussão por meio dos PLPs 68/24 e 108/24, que ainda requerem ajustes e debates em diversos pontos para alinhar o sistema com o objetivo da reforma tributária: simplificação e clareza do sistema tributário, facilitando o cumprimento e a administração das obrigações fiscais.

O PLP 68/24 traz como regras de harmonização e compartilhamento (i) a edição de atos conjuntos do CG-IBS e da União (art. 316, § 1º); (ii) criação do Comitê e do Fórum de Harmonização com atos vinculantes (art. 318, incisos I e II); (iii) edição de convênio entre Ministério da Fazenda e CG-IBS para delegação recíproca das atividades de fiscalização e julgamento de processos de pequeno valor (arts. 325 e 326); e (iv) governança compartilhada em sistema de comunicação eletrônica entre RFB e CG-IBS (art. 332).

Já o PLP 108/24 estabelece que o CG-IBS deverá colaborar com o Executivo federal para harmonizar normas, interpretações, obrigações acessórias e procedimentos comuns ao IBS e à CBS (art. 2º, § 1º, inciso I). Além disso, o projeto prevê outras medidas para que essa integração e harmonização ocorra como, por exemplo, (i) o compartilhamento recíproco de informações entre o CG-IBS, a RFB e a PGFN (art. 2º, § 1º, inciso II); (ii) exercício da gestão compartilhada do CG-IBS e RFB do sistema de registro do início e do resultado de fiscalizações do IBS e da CBS (art. 2º, § 1º, inciso III); (iii) edição de atos exclusivos ou conjuntos com o Poder executivo federal (art. 2º, § 1º, inciso XXVII); e (iv) implementação de soluções integradas para administração e cobrança do IBS e da CBS (art. 2º, § 7º).

Apesar da relevância dessas previsões normativas para direcionar o novo sistema, os projetos ainda precisam de disposições detalhadas com medidas concretas para garantir uma coordenação efetiva. Faltam diretrizes claras sobre a edição de normas conjuntas, a possibilidade de autuação coordenada dos entes públicos, a condução do contencioso administrativo e judicial de cada tributo para evitar decisões conflitantes e ações distintas sobre a mesma matéria. Esses pontos são essenciais para assegurar uniformidade e clareza na aplicação dos tributos.

A integração dessas diretrizes permitiria aos entes federativos operarem com clareza e alinhamento, reduzindo custos administrativos e facilitando o cumprimento das obrigações fiscais para empresas e cidadãos. Além disso, ao definir previamente como o contencioso judicial e administrativo deverá lidar com o IBS e a CBS, o sistema tributário se tornaria mais transparente e confiável, fortalecendo a estrutura fiscal do país.

É importante termos em mente na regulamentação da reforma tributária que a integração entre União, Estados e Municípios é fundamental para o fortalecimento da federação, garantir justiça fiscal e eficiência na arrecadação, promovendo um desenvolvimento econômico equilibrado. Esse alinhamento certamente propiciará uma simplificação do sistema tributário, com objetivo de levar aos contribuintes mais segurança jurídica e transparência, modificando o complexo cenário atual que está permeado por exceções, cálculos por dentro, guerras fiscais, regimes especiais e contencioso massificado.


Luiz Roberto Peroba é Sócio/Tax Partner no escritório Pinheiro Neto. Assessora clientes nacionais e estrangeiros de diversas indústrias, tanto em consultoria/planejamento tributário como contencioso, em disputas administrativas e judiciais.


Os artigos escritos pelos “colunistas” não refletem necessariamente a opinião do Portal da Reforma Tributária. Os textos visam promover o debate sobre temas relevantes para o país.


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