Por Regina Krauss
A reforma tributária beneficiará ao menos 82% dos municípios e 60% dos estados. É o que aponta estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) realizado pelos pesquisadores Sérgio Wulff Gobetti e Priscila Kaiser Monteiro e publicado em agosto de 2023. A análise é considerada válida para o atual cenário de regulamentação da reforma. É o que afirma Sérgio Gobetti, um dos autores da pesquisa.
Os municípios favorecidos concentram 67% da população brasileira e correspondem a 98% daqueles que possuem Produto Interno Bruto per capita inferior à média brasileira. O estudo comparou as receitas do ICMS e do ISS obtidas em 2022 por todos os municípios e estados do país com as que teriam sido verificadas na vigência do novo modelo tributário, com um imposto sobre bens e serviços de base ampla e cobrado no destino, ou seja, no local de consumo.
A redistribuição de receitas prevista na esfera municipal reduziria em 21% o grau de desigualdade entre os municípios, medido pelo Índice de Gini. A grande diferença hoje existente entre os municípios mais ricos e mais pobres deve cair em todas as UFs. Em Goiás, por exemplo, a disparidade de receita tributária per capita entre Alto Horizonte (considerado o mais rico), e Santo Antônio do Descoberto, no entorno do DF (considerado o mais pobre), que atualmente é de 127 vezes, pode ser reduzida para quatro vezes após a reforma.
“Quando analisamos quem são os ganhadores, constatamos que são, em geral, estados menos desenvolvidos e municípios mais pobres – 98% dos que possuem PIB per capita inferior à média brasileira e 98% das 108 cidades populosas e pobres que compõem o G100 (criado pela Frente Nacional dos Prefeitos – FNP)”, afirmam os pesquisadores. Entre as grandes cidades, registram-se ganhos para 59% das capitais e 72% das que possuem população superior a 80 mil habitantes.
Os efeitos redistributivos mais notáveis ocorrem na esfera municipal. No total, aproximadamente R$ 50 bilhões ou 21% das receitas municipais trocam de mãos, beneficiando 82% das cidades, onde vivem 67% da população. Este resultado decorre, conforme o estudo, da combinação de três mudanças:
1) substituição do ICMS por um imposto estadual no destino;
2) redistribuição da cota-parte municipal do imposto estadual com base em novos critérios (população é o principal deles):
3) substituição do ISS por um imposto municipal de base ampla e também cobrado no destino.
Segundo o estudo, a regra de transição de 50 anos aprovada junto do seguro constituído com 3% da receita do novo imposto garante que nenhum estado terá queda de arrecadação em relação aos valores atuais, mesmo sob cenários mais pessimistas de crescimento da economia. Caso o PIB cresça em média 1,5% ao ano, o estado com o pior desempenho arrecadatório terá crescimento de 0,9% ao ano –um diferencial de 0,6 ponto percentual a menos por ano, em decorrência da mudança gradual da tributação da origem para o destino.
No caso das cidades, nenhuma capital e no máximo 32 municípios muito ricos correm o risco de ter queda de arrecadação em algum momento da transição, considerando um cenário mais pessimista no que diz respeito ao crescimento da economia. Estão inclusos municípios que possuem receita per capita de ICMS e ISS três vezes maior do que a média nacional, como as sedes de refinarias de petróleo e hidrelétrica. Mas ,mesmo para essas cidades, a transição suavizará o impacto sobre suas receitas, permitindo que seus orçamentos sejam ajustados gradualmente à nova realidade.
O estudo foi intitulado “Impactos Redistributivos da reforma tributária: estimativas atualizadas”. Ele também apresenta estimativas de como o crescimento econômico adicional gerado pela reforma pode compensar, durante a transição, a perda relativa de arrecadação para os estados e municípios inicialmente identificados como “perdedores”; ou seja, aqueles que perdem participação no bolo tributário devido às mudanças nos critérios de tributação e distribuição das receitas.
Para comparar a trajetória das receitas de cada estado e município com aquela que obteriam sem a reforma tributária, o pesquisador do Ipea Sérgio Gobetti e a economista Priscila Monteiro simularam três cenários de impacto da reforma sobre o crescimento econômico: impulso mínimo de 4% no PIB ao longo de 20 anos; crescimento adicional de 12% (cenário conservador); e crescimento adicional de 20% (cenário otimista).
A conclusão é que, no cenário de referência, considerado conservador, com um crescimento de 12% do PIB ao longo de 20 anos, nenhum estado estaria em uma situação pior ao final desse período do que estaria sem a reforma. No entanto, ao chegarmos ao trigésimo ano de transição, sob o mesmo cenário, quatro estados apresentam perdas relativas que não são totalmente compensadas pelo aumento do crescimento econômico. E após 50 anos da transição, esse número subiria para seis estados. Entre os municípios, pelo cenário conservador, os chamados perdedores não passam de 2% em 20 anos, 11% em 30 anos e 14% em 50 anos.
Em resumo, as simulações indicam que a regra de transição combinada com o maior crescimento da economia proporcionado pela reforma, pode propiciar ganhos para a ampla maioria dos entes federados ao mesmo tempo que evita ou atenua as perdas de uma minoria, sobretudo nas duas primeiras décadas posteriores às mudanças.
Essa reportagem foi publicada com exclusividade na Revista da Reforma Tributária. Acesse a edição completa aqui (é gratuito).