Do (des)incentivo financeiro às atividades de PD&I no contexto da reforma tributária

O setor privado investiu mais de R$ 35 bilhões em pesquisa e desenvolvimento em 2022

Um dos principais benefícios fiscais relacionado à inovação tecnológica se refere a “Lei do Bem”, instituído pela Lei nº 11.196/05 e posteriormente regulamentado pelo Decreto nº 5.798/06 e disciplinado pela Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil nº 1.187/11.

A origem do citado arcabouço legal encontra amparo no texto constitucional e reflete os valores e os princípios que o Estado brasileiro pretende alcançar, relacionados diretamente com a promoção da autonomia tecnológica, o desenvolvimento científico e tecnológico, e por consequência, o próprio desenvolvimento nacional.

De maneira exemplificativa, o art. 218 da Constituição Federal de 1988 (CF88) especificamente dispõe sobre a promoção do desenvolvimento tecnológico, estabelecendo que o Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológica para o aprimoramento do sistema produtivo regional e nacional.

Para se ter uma ideia do impacto do benefício nas atividades de PD&I, a última divulgação oficial realizada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) informa que no ano-base de 2022 o setor privado investiu mais de R$ 35 bilhões em pesquisa e desenvolvimento.

Além disso, é importante destacar que referidas atividades são inseparáveis do processo produtivo de diversas atividades (p.ex.: indústria farmacêutica), e por encontrarem amparo legal na própria CF88, a partir do aspecto enunciativo, é certo que, guardadas as proporções, seria possível concluir que, potencialmente, as atividades de PD&I desenvolvidas pelos particulares são decorrentes de exigências legais.

Nesse contexto, no âmbito da reforma tributária sobre o consumo (Emenda Constitucional nº 132/23), o Projeto de Lei nº 68/24 (PLP68) estabelece em seus artigos 122 e 127, respectivamente, que os medicamentos e os insumos agropecuários e aquícolas somente serão beneficiados pela redução em 60% da alíquota caso estejam registrados nos órgãos reguladores (no caso, Anvisa e MAPA).

Em nossa leitura, referida exigência para aplicação da redução tributária tem o condão de impactar negativamente as atividades de PD&I, especialmente para aquelas empresas em estágios mais iniciais, tendo em vista que a partir do texto do PLP68 (em votação no Senado Federal), a importação de insumos ou a sua compra no mercado interno se sujeitariam à alíquota cheia.

A despeito da possibilidade creditória, a implementação da referida condicionante, que em minha leitura desrespeita a neutralidade (um dos princípios condutores da reforma tributária), o legislador deve ter em mente o impacto no fluxo de caixa das empresas. Isso porque, especialmente no Brasil, a disponibilidade de recursos tem um custo. Nessa direção, cabe mencionar trecho do estudo publicado no Brazilian Journal of Development:

A discussão sobre retenção de caixa é um dos aspectos relevantes em finanças corporativas e tem sido o foco de diversas pesquisas acadêmicas. Um dos fatos estilizados mais comumente aceito na literatura é um crescimento do nível de caixa nas empresas abertas nos EUA durante os anos 2000, em relação a décadas anteriores (Bates et al., 2009). O motivo precaucional (evitar perder oportunidades de investimento) é o mais utilizado na explicação. Estudos de Almeida et al. (2004) e Harford et al. (2014) são consistentes com essa explicação. O primeiro verifica que as firmas mitigam os efeitos adversos da restrição financeira adotando políticas de maior retenção de caixa. Já o segundo, mostra que o nível de caixa é determinado pelo risco de refinanciamento das empresas, com o objetivo de prevenir problemas de subinvestimento. Em países emergentes o tema torna-se ainda mais relevante, uma vez que em mercados menos desenvolvidos, há tendência de maiores fricções financeiras, o que torna ainda mais difícil o acesso às fontes de financiamento, aumentando a propensão a uma restrição financeira das firmas. Não bastasse isso, o Brasil nos últimos anos tem apresentado histórico de recessões econômicas com reflexos diretamente nas finanças corporativas e, de modo particular, na liquidez das empresas. De acordo com o Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace), da Fundação Getúlio Vargas, desde 1980 o Brasil passou por nove períodos de recessão econômica, sendo o último e mais severo, entre 2014 e 2016.

Dessa forma, nos parece que a regulamentação da reforma tributária, em mais um tópico, não observou os próprios principais norteadores e os demais ditames constitucionais.


Daniel Piga Vagetti É coordenador Tributário na Ourofino Saúde Animal. Advogado e contador atuante no consultivo tributário (especialista em Direito Tributário pelo IBET e mestre em Direito Tributário pela FGV-SP) com mais de 10 anos de experiência.


Os artigos escritos pelos “colunistas” não refletem necessariamente a opinião do Portal da Reforma Tributária. Os textos visam promover o debate sobre temas relevantes para o país.


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