Direto ao ponto: a reforma tributária trará impactos para as empresas do Lucro Presumido?

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Por Márcio Robson Costa

Ao ministrar aulas sobre os impactos da Reforma Tributária sobre o Consumo, uma pergunta que frequentemente aparece é: haverá mudanças no regime do Lucro Presumido?

A resposta parece ser simples e imediata, já que a reforma na qual estamos debruçados em esmiuçar tem impacto nas relações de “consumo” e não da “renda”. Entretanto, como aluno sempre ouvi que não há pergunta em vão, pois ela pode ser a dúvida de muitos outros colegas, ou quando não, pode surtir efeitos inesperados e profícuos. Agora como professor, ratifico e instigo ainda mais as iniciativas de quem se aventura a lançar perguntas, pois por mais que não pareçam podem ser provocativas.

E é justamente o caso desta pergunta recorrente!

Diante deste introito, evidente que o leitor já percebeu que alguma mudança terá, pois, caso contrário, não haveria o porquê deste singelo artigo. Bingo! De certo, que sim!

Mas antes de revelar a cereja do bolo, precisamos trazer algumas contextualizações conceituais, seja em relação a reforma sobre a nova tributação sobre o consumo, o nosso IVA-DUAL, inserida no ordenamento legal, através da Emenda Constitucional nº 132/2023, bem como a recém-publicada Lei Complementar nº 214/2025, seja em relação ao regime do Lucro Presumido, sob a ótica do DECRETO nº 9.580/2018, que regulamenta a tributação do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza, bem como a Lei nº 9.430/1996, que dispõe sobre a legislação tributária federal, dentre outras providências.

A começar pelo Lucro Presumido, este regime de tributação, em suma, se baseia em uma presunção legal de lucro para fins de determinação da base de cálculo do IR, onde o regime de apuração é trimestral. Para a pessoa jurídica optar pelo Lucro Presumido, a receita total, no ano-calendário anterior deve ser igual ou inferior a R$ 78.000.000,00, segundo a Lei 12.814/13. A apuração com base no lucro presumido se dá da seguinte maneira: a base de cálculo do IRPJ é determinada mediante a aplicação de determinados percentuais previstos em lei (presunção de lucro) à receita bruta mensal do contribuinte. Após se chegar à base de cálculo, se aplica a alíquota de 15% do IRPJ, mais o adicional de 10% sobre a parcela da base de cálculo que ultrapassar o valor de R$ 60.000,00.

Assim, as empresas do Lucro Presumido calculam os tributos com base em margens de lucro predefinidas, que variam de acordo com a atividade econômica. No entanto, a Reforma Tributária, ao introduzir o IBS e a CBS, pode alterar significativamente a base de cálculo do Lucro Presumido. Isso mesmo, nobres leitores!
Aqui é aquele momento em que você agradece a pergunta e oportunidade de esclarecer um ponto importante que ainda vem sendo pouco trabalhado nas enumeras palestras e cursos sobre a Reforma Tributária.

Uma das características do nosso IVA-DUAL (CBS + IBS) é a cobrança “POR FORA”: dizer que os novos tributos serão cobrados “por fora” equivale a dizer que eles não serão incluídos no seu próprio custo, o que revela que, além de facilitar o cálculo do imposto, torna a operação menos onerosa. A título de comparação, temos atualmente, o ICMS que é incluído no seu próprio custo (isso é chamado de “cálculo por dentro”).

Este método, traz importantes vantagens, fazendo com que a carga tributária se torne mais simples e transparente, o que favorece maior isonomia na tributação, sem falar na marginal possibilidade de redução nos preços finais para os consumidores, pois se deixaria de inflar a base de cálculo, ao incluir o tributo no seu próprio custo.

Mas, e a cereja do bolo?

Pois então, precisamos trazer mais argumentos para concluirmos se há ou não impacto no Lucro Presumido com a Reforma Tributária.

Vejamos o que dispõe o Art. 208 do RIR/2018 (Dec. 9.580):

TÍTULO V
DA RECEITA BRUTA

Art. 208. A receita bruta compreende ( Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 12, caput ):

I – o produto da venda de bens nas operações de conta própria;
II – o preço da prestação de serviços em geral;
III – o resultado auferido nas operações de conta alheia; e
IV – as receitas da atividade ou do objeto principal da pessoa jurídica não compreendidas no inciso I ao inciso III do caput.

§1º A receita líquida será a receita bruta diminuída de ( Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 12, § 1º ):

I – devoluções e vendas canceladas;
II – descontos concedidos incondicionalmente;
III – tributos sobre ela incidentes; e
IV – valores decorrentes do ajuste a valor presente, de que trata o inciso VIII do caput do art. 183 da Lei nº 6.404, de 1976 , das operações vinculadas à receita bruta.

§2º Na receita bruta não se incluem os tributos não cumulativos cobrados, destacadamente, do comprador ou do contratante pelo vendedor dos bens ou pelo prestador dos serviços na condição de mero depositário ( Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 12, § 4º ).

§3º Na receita bruta incluem-se os tributos sobre ela incidentes e os valores decorrentes do ajuste a valor presente, de que trata o inciso VIII do caput do art. 183 da Lei nº 6.404, de 1976 , das operações previstas no caput , observado o disposto no § 2º ( Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 12, § 5º ).

Deste dispositivo legal, extraímos que na Receita Bruta, inclui-se os tributos sobre ela incidentes, como por exemplo, o ICMS, ISS, PIS e COFINS, questão inclusive pacificada pelo STJ, e não incluem os tributos não-cumulativos, cobrados destacadamente do comprados na condição de mero depositário, tais como o ICMS-ST e o IPI.

Perfeito, vamos adiante!

O Art. 12 da LC Nº 214/2025, dispõe que a base de cálculo do IBS e da CBS, será o valor da operação, ou seja, sem incluir os respectivos tributos, o que como contextualizamos, trata-se de tributos cobrados por fora. Vejamos o dispositivo legal:

Seção V
Da Base de Cálculo

Art. 12. A base de cálculo do IBS e da CBS é o valor da operação, salvo disposição em contrário prevista nesta Lei Complementar.

§ 1º O valor da operação compreende o valor integral cobrado pelo fornecedor a qualquer título, inclusive os valores correspondentes a:

(…)

§ 2º Não integram a base de cálculo do IBS e da CBS:

I – o montante do IBS e da CBS incidentes sobre a operação;
II – o montante do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI);
III – os descontos incondicionais;
IV – os reembolsos ou ressarcimentos recebidos por valores pagos relativos a operações por conta e ordem ou em nome de terceiros, desde que a documentação fiscal relativa a essas operações seja emitida em nome do terceiro;

Caminhando para o final, haverá mudanças no regime do Lucro Presumido? Diante do arcabouço normativo vigente, a resposta é, “sim”. Pois a base de cálculo do Lucro Presumido mudará em 2027 com o fim do PIS e da COFINS, considerando que os novos tributos (CBS e IBS) serão calculados por fora.

Certo que a base de cálculo do Lucro Presumido é aplicada considerando uma margem (%) determinada pela legislação sobre uma base que será recomposta do preço, pois não irá contemplar a partir de 2027 a CBS, assim como exemplifiquei acima, citando o ICMS-ST e o IPI calculados por fora. Portanto a CBS não irá compor o cálculo do Lucro Presumido.
Para fins didáticos, nada melhor do que revelarmos o impacto que contextualiza a resposta, através de uma demonstração numérica. Vejamos:

Ano calendário, 2025 e 2026

Impacto na BC do Lucro Presumido

Considerando uma Receita Bruta Anual de R$ 6.700.000,00, com uma margem atribuída de 32%, hoje temos:

Lucro Presumido de R$ 2.144.000,00 (R$ 6.700.000,00 * 32%)

PIS e COFINS (3,65%) de R$ 244.550,00 (R$ 6.700.000,00 * 3,65%)

IRPJ (15%) de R$ 321.600,00 (R$ 2.144.000,00 * 15%)

ADICIONAL (10%) de R$ 190.400,00 (R$ 2.144.000,00 – R$ 240.000,00 (Redutor ano) * 10%)

CSLL (9%) de R$ 192.960,00 (R$ 2.144.000,00 * 9%)

Total de Tributos: R$ 949.510,00

Ano calendário, 2027

Dados Importantes
Conforme rege a agenda da Transição, em 2027, temos que:

PIS/COFINS serão extintos

IBS continuará sendo “cobrado” a uma alíquota de 0,1%

CBS será instituído plenamente e cobrado pela alíquota prevista em lei (com redução de 0,1% para compensar a cobrança do IBS)

IPI será extinto (exceto para produtos industrializados de concorrentes àqueles produzidos na Zona Franca de Manaus).

Impacto na BC do Lucro Presumido

Considerando uma Receita Bruta Anual de R$ 6.700.000,00, com uma margem atribuída de 32%, em 2027 vamos ter o seguinte:

CBS (8,8% a ser confirmada) de R$ 589.600,00 (R$ 6.700.000,00 * 8,8%)

Observação: para simplificar, não estou considerando qualquer dispêndio que ensejasse a apropriação de créditos da CBS pelo contribuinte sujeito ao regime regular (Art. 47 em diante da LC Nº 214/2025 que dispõe sobre a Não Cumulatividade)
Lucro Presumido de R$ 1.955.328,00 (R$ 6.700.000,00 – R$ 589.600,00 * 32%)

Observação: percebam que aqui a base de cálculo é recomposta, para que se retire o efeito da CBS que será cobrada por fora, o que significa que o LP será calculado sobre o valor líquido das operações.

IRPJ (15%) de R$ 293.299,20 (R$ 1.955.328,00 * 15%)
ADICIONAL (10%) de R$ 171.532,80 (R$ 1.955.328,00 – 240.000,00 (Redutor ano) * 10%)
CSLL (9%) de R$ 175.979,52 (R$ 1.955.328,00 * 9%)

Total de Tributos: R$ 1.230.411,52

No comparativo entre os anos de 2025/2026 com o ano de 2027, o exemplo demonstra de forma transparente o impacto da recomposição da base do Lucro Presumido, o qual corrobora com o racional tratado neste artigo para responder à pergunta chave, alvo deste artigo.

Interessante, que a reboque deste singelo exercício, outras nuances se apresentam, que não necessariamente diz respeito unicamente ao cálculo do Lucro Presumido, o que certamente reserva um estudo mais aprofundado, consequentemente com novas simulações práticas a aferir e justificar, por exemplo, o aumento da carga tributária, mesmo diante da aplicação do método da tributação por fora, tendo por consequência a baixa margem de lucro, mas isso é assunto para responder outras perguntas.

Por fim, precisamos estar atentos a todo os impactos que a Reforma Tributária sobre o Consumo inseriu no nosso ordenamento jurídico. O momento é de realizar diagnósticos, simulando cenários futuros, e não procrastinar em buscar orientações de quem já está há alguns passos à frente, consultando tributaristas (contadores e advogados) e professores acadêmicos, para entender como as mudanças podem afetar sua empresa de forma específica.

Deixo a mensagem do pensador, André Menezes, que é muito apropriada ao momento de aprendizado que todos estamos vivenciando com a implementação da reforma no sistema tributário nacional: “não existe perguntas idiotas, o idiota é não perguntar nada, e se privar de um conhecimento que poderia lhe ser útil em algum momento, aprender com tudo e com todos é o que nos define”.


Márcio Robson Costa é Mestre em Ciências Contábeis pela Fucape Business School, Contador — Ex Conselheiro e Vice-Presidente de Turma no CARF — Consultor Tributário. Especialista em Direito e Planejamento Tributário, dentre outras disciplinas que cursou em Pós-Graduação/MBA: Gestão Estratégica de Empresas, Finanças e Gestão Coorporativa e Controladoria e Auditoria. Professor convidado na Pós-Graduação na Mackenzie/RJ. Professor do CRC-RJ. Membro da Comissão de Assuntos Tributários do CRC-RJ e Ex Pesquisador do Grupo de Tributação do Consumo do Núcleo de Pesquisas do Mestrado (NUPEM) – IBDT (Instituto Brasileiro de Direito Tributário).


Os artigos escritos pelos “colunistas” não refletem necessariamente a opinião do Portal da Reforma Tributária. Os textos visam promover o debate sobre temas relevantes para o país.