Desconfiança de parte a parte

"Não faz sentido algum dividir o custo da sonegação entre bons e maus contribuintes", escreve Augusto Flores
Prédios da cidade de São Paulo
Prédios da cidade de São Paulo
Prédios da cidade de São Paulo – Fot: Cecília Bastos via USP Imagens

Por Augusto Flores

A reforma tributária é um anseio da sociedade há cerca de 40 anos, para dizer o mínimo. A última vez que o sistema tributário nacional sofreu alterações comparáveis ao que está se discutindo agora foi em 1966.

De lá para cá tivemos uma nova Constituição Federal, alterações relevantes na legislação do Imposto de Renda, as contribuições para PIS e Cofins surgiram –depois sofreram alterações. Mas nenhum destes acontecimentos foi definido ou mesmo pode ser chamado de reforma tributária, que de tão necessária foi finalmente aprovada, remanescendo agora uma série de necessárias regulamentações para que se possa iniciar a transição em 2026.

Acontece que, da ideia inicial à execução, muita coisa já mudou e segue mudando, ao sabor dos lobbies que acontecem diuturnamente nos arredores do Congresso.

De um lado, empresários de diversos setores representados por associações com planilhas debaixo do braço, alegando aumento da carga tributária, falta de competitividade, impactos inflacionários produzidos pelo projeto de lei complementar 68/2024 e toda sorte de argumentos para negociarem melhores condições. 

De outro lado, um governo que precisa arrecadar, para fazer face ao constante aumento dos gastos públicos. É uma queda de braço que faz parte do jogo, sempre que se tem no cardápio, relevantes mudanças no ordenamento jurídico do país.

Em meio a tudo isso, os Fiscos (em suas três diferentes esferas, a saber federal, estadual e municipal), tentam garantir suas autonomias de poder, através do melhor controle da arrecadação e combate severo às brechas da sonegação, criando mais e mais obrigações acessórias, o que traz para reforma tributária um importante vetor de custo de conformidade, inteiramente absorvido pelos contribuintes. O Brasil, que já lidera diversos rankings de países em que se gasta mais horas com o compliance, parece estar perdendo ótimas oportunidades que simplificariam o sistema tributário, fruto de uma relação de desconfiança mútua entre fisco e contribuinte.

A que se deve esta relação de desconfiança mútua? Tenho lá meu palpite: de um lado, o fisco, assumindo uma premissa de que todos os contribuintes são maus e sonegam. Que, sem controle, monitoramento e obrigações acessórias, passariam a pagar menos tributos. De outro lado, o bom contribuinte, tentando argumentar com os fiscos que este tipo de postura prejudica também bons contribuintes, que pagam corretamente, mas que seguem pagando a conta da sonegação produzida por maus contribuintes.

Sem entrar nos pormenores da mudança, notadamente do projeto de lei complementar 68/2024, penso que ainda temos em mãos, como sociedade, uma grande oportunidade de produzirmos a tão sonhada simplicidade no sistema tributário brasileiro. Não no curto prazo, lógico. 

Continuo entre aqueles que acreditam que, para melhorar, primeiro o nosso sistema tributário piorará, pelo menos durante o período de transição. Mas ainda é possível criar mecanismos para termos um admirável mundo novo a partir de 2033, se conseguirmos estabelecer uma espécie de pacto, enquanto sociedade. Um pacto que pudesse, de alguma forma, premiar bons contribuintes e punir maus contribuintes, afinal de contas, não faz sentido algum dividir o custo da sonegação entre bons e maus contribuintes. Há um sem número de bons exemplos no mundo, onde a relação entre fisco e contribuintes é de parceria, complementaridade, visando efetivamente melhores condições para a construção de bons ambientes de negócio. Por que não copiar bons exemplos e, a partir de então, criar condições para que a simplicidade, tão sonhada pelos contribuintes, possa ser um grande vetor de atração de investimentos para o país?


Augusto Flores escreve sobre “as dores do contribuinte, na visão do executivo”. Contador e executivo com 30 anos de experiência. É host do Manicômio Tributário Podcast. Em 2021 foi agraciado com o Prêmio Profissional Mérito Anefac, na categoria de Tributos e em 2024 agraciado com o “Prêmio Tax do Amanhã na categoria Multinacionais”, concedido pela Deloitte.


Os artigos escritos pelos “colunistas” não refletem necessariamente a opinião do Portal da Reforma Tributária. Os textos visam promover o debate sobre temas relevantes para o país.


Esse artigo foi publicado com exclusividade na Revista da Reforma Tributária. Acesse a edição completa aqui (é gratuito)