Cost sharing e aspectos tributários

Assinando contrato. Reprodução: Freepik

Por Moises R. Coimbra

Antes de adentrar em qualquer temática, é de suma importância esclarecer alguns conceitos teóricos importantes. Já dizia George Santayana: “A teoria ajuda-nos a suportar a nossa ignorância dos fatos.”

O que é um Cost Sharing? Cost Sharing ou “Cost Sharing Agreement”, é um contrato utilizado costumeiramente pelos grupos econômicos e é um mecanismo pelo qual as multinacionais buscam se ressarcir pelo compartilhamento, rateio e reembolso de custos e despesas.

Contratos desta natureza têm por objeto o rateio de gastos incorridos por uma entidade do grupo em favor de uma ou mais empresa vinculadas, que as aproveita no desempenho de suas atividades locais.

É comum nos grandes grupos econômicos o compartilhamento de estruturas e serviços, que nada mais é do que um acordo firmado entre empresas de um mesmo grupo econômico, seja ele totalmente nacional ou com ligadas no exterior, no qual uma sociedade centraliza determinados recursos físicos e/ou humanos comuns, com a consequente divisão dos gastos incorridos entre as partes envolvidas. 

Importante salientar, de que não há dispositivo legal expresso sobre a natureza jurídica do contrato de compartilhamento de custos na legislação tributária vigente, o Código Civil, em seu artigo 425, autoriza genericamente a celebração de contratos atípicos, e, como tais, poderíamos incluir os cost sharing agrément (ou contrato de compartilhamento de custos ou de rateio).

Muito citado em um contrato de Cost Sharing, o que é uma empresa centralizadora e qual papel ela exerce nessa operação? No contrato de cost sharing, uma empresa (que pode ter sido criada para esse fim ou não) centraliza atividades-meio (marketing, jurídico, RH, contabilidade etc.) que possui em comum com outras empresas, sejam elas pertencentes ou não a um grupo econômico e, como consequência, essas empresas passam a compartilhar os custos decorrentes destas atividades.

Portanto, observe que de um lado uma empresa centraliza as atividades comuns e garante suporte aos demais envolvidos, de outro estas empresas beneficiadas pelo suporte assumem o compromisso de arcar com o rateio dos custos e despesas, ressaltando de que o rateio poderá ser feito com base na proporção dos benefícios e obrigações de cada empresa. 

A referida operação não pode ser enquadrada no conceito de prestação de serviços, uma vez que não visa lucro, mas sim mera recomposição patrimonial (reembolso). Ou seja, não poderá ter, por parte das empresas centralizadoras, nenhuma cobrança de qualquer taxa, as chamadas “fees” por essa atividade de centralização das despesas.

Isso porque os contratos de rateio não possuem a intenção de lucro, posto que neles não consta a atividade principal desempenhada pelos envolvidos, podendo ser compartilhadas apenas as atividades-meio comuns a essas empresas.

Seguindo esta linha de raciocínio, os valores reembolsados também não se enquadram com o conceito de receita que, segundo a definição dada pelo artigo 12 do Decreto-Lei n° 1.598/77 e as definições das normas contábeis (NBC TG N° 47/2016, Apêndice A), tem por finalidade o aumento do patrimônio líquido da empresa.

Usualmente estes contratos possuem como objeto as seguintes operações:

a) o uso compartilhado de bens ou direitos;

b) desenvolvimento de atividades-meio por uma empresa do grupo, centralizadora de custos com a contratação de serviços prestados por terceiros; e

c) Contratos de Contribuição de Custos.

Histórico Jurisprudencial

A Solução de Consulta Cosit n° 8/2012, mostrava um primeiro entendimento da Receita Federal no sentido de que deveria ocorrer tributação e que as receitas oriundas dos contratos de compartilhamento deveriam ser tributadas visto que o reembolso de despesas configuraria outras receitas.

Já no âmbito do CARF havia precedentes favoráveis aos contribuintes, entendendo que as despesas poderiam ser deduzidas (no caso do IRPJ), conforme exemplificativamente acórdão abaixo transcrito:

CARF 1ª Seção / 2ª Turma da 4ª Câmara / ACÓRDÃO 1402-00217 em 06/07/2010

ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA JURÍDICA – IRPJ

EMENTA Exercício: 2002, 2003, 2004, 2005 IRPJ. EMPRESAS DE UM MESMO GRUPO ECONÔMICO. DESPESAS COMPARTILHADAS. DEDUTIBILIDADE.

Tratando-se de coligadas, uma vez reconhecido que os serviços contratados em conjunto são relacionados às atividades ou à manutenção de sua fonte produtora de ambas, e foram devidamente comprovados, correta a dedutibilidade mediante rateio.

Na Solução de Consulta Cosit n° 8/2012 e posteriormente na Solução de Divergência Cosit n° 23/2013 foram elencados os requisitos que os contratos deveriam ter para que pudessem ser deduzidas as despesas.

Conforme as referidas soluções de consulta e de divergência, seria possível a concentração, em uma única empresa, do controle dos gastos referentes a departamentos de apoio administrativo centralizados, para posterior rateio dos custos e despesas administrativas comuns entre empresas que não a mantenedora da estrutura administrativa concentrada desde que:

a) correspondam a custos e despesas necessárias, normais e usuais, devidamente comprovadas e pagas;

b) sejam calculados com base em critérios de rateio razoáveis e objetivos, previamente ajustados, formalizados por instrumento firmado entre os intervenientes;

c) correspondam ao efetivo gasto de cada empresa e ao preço global pago pelos bens e serviços.

A empresa centralizadora da operação deveria apropriar como despesa tão-somente a parcela que lhe cabe de acordo com o critério de rateio, assim como devem proceder de forma idêntica as empresas descentralizadas beneficiárias dos bens e serviços, e contabilizar as parcelas a serem ressarcidas como direitos de créditos a recuperar; e que seja mantida escrituração destacada de todos os atos diretamente relacionados com o rateio das despesas administrativas.

Mesmo com estes posicionamentos favoráveis da Receita Federal, o CARF pode decidir de forma contrária em Acórdão, e reconhecer a incidência das contribuições no contrato de despesas de rateio.

A Solução de Consulta Cosit n° 43/2015 previu a incidência de CIDE nas remessas ao exterior realizadas no âmbito dos contratos de “Cost Sharing” ainda que tais valores correspondam apenas ao custo dos serviços prestados diretamente e finalmente em 2016, a Receita Federal ao publicar a Solução de Consulta Cosit n° 50/2016 reconheceu a incidência (em qualquer modalidade) da COFINS-Importação e do PIS-Importação.

Mas afinal, as operações de Cost Sharing são tributadas? Rateios de custos, são despesas e receitas que impactam na apuração da demonstração de resultado e, por conseguinte, a apuração da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.

No entanto, em matéria publicada pelo Jornal Valor Econômico em 02/01/2025, e de autoria de Flávio Miranda Molinari, Filipe Gonçalves Borges e Maria Joice dos Santos Freitas, é citado de que em maio de 2022, a 3ª Turma da Câmara Superior do Carf (CSRF), no Acórdão 9303-012.980, decidiu que os valores envolvidos em cost sharing configuravam receita de prestação de serviços para a empresa centralizadora, sujeitando-os à incidência da Contribuição ao PIS e da COFINS.

O motivo pela qual eu discordo dessa decisão é o simples fato de que na operação de Cost Sharing, há um simples reembolso entre as empresas, sendo inexistente a obtenção de lucro nos contratos nacionais de compartilhamento de custos e despesas, o que impede a incidência tributária.

Reembolso de despesas no compartilhamento não deve e as Turmas Ordinárias do Carf têm adotado posicionamento diverso em decisões mais recentes, entendendo que os valores recebidos a título de reembolso de despesas no compartilhamento NÃO DEVEM ser considerados receita tributável para fins de incidência da Contribuição ao PIS e da COFINS.

Por fim, interpreto diante da temática aqui apresentada, de que relativamente à contribuição para o PIS e para a COFINS, observadas as exigências estabelecidas no rateio, os valores recebidos pela pessoa jurídica centralizadora das atividades compartilhadas como reembolso das demais pessoas jurídicas integrantes do grupo econômico pelo pagamento dos dispêndios comuns NÃO integram a base de cálculo das contribuições apurada pela pessoa jurídica centralizadora, uma vez que não será considerada receita, preconizado pela Lei n° 10.637/2002, artigo 1°, § 1° e Lei n° 10.833/2003, artigo 1°, § 1°. 

As normas de Contabilidade (CPC/Resoluções) ou até mesmo as normas do IFRS, tratam da temática do Cost Sharing? É sabido de que os aspectos relacionados ao método de compartilhamento de custos são constantemente analisados e revisados pelos grupos empresariais que se utilizam dessa prática, já que esse tipo de estrutura costuma ser objeto de fiscalização e autuação fiscal.

Cost Sharing enquanto se trata de compartilhamento de custos, via de regra, os valores compartilhados, de um lado serão despesas, e de outro receitas, compondo a apuração do lucro líquido (§ 1º, alíneas ‘a’ e ‘b’, do art. 187, e art. 177, ambos da Lei nº 6.404/76). Na temática tributária, então, aplicar-se-ão as regras de dedutibilidade de despesas (operacionais, art. 311 do Decreto nº 9.580/2018), bem como a de considerar como ‘outras receitas operacionais’, os valores auferidos pela centralizadora de pagamentos.

Portanto, é preciso ter o registro contábil das operações relacionadas ao rateio e o quanto será ressarcido à empresa centralizadora. Ao final, a reunião desse conjunto de evidências que espelham esse tipo de operação será importante para que seja possível identificar que essas receitas não constituem objeto da sua atividade.

E por último e não menos importante, com o advento da Reforma Tributária, como fica as operações de Cost Sharing? As operações de Cost Sharing serão afetadas pela Reforma Tributária? Veja, a reforma tributária trata da tributação INDIRETA, sobre receitas e faturamentos; portanto, conforme for regulamentada, terá que ser pontuada, principalmente quanto a composição da base de cálculo dos novos tributos (IBS e CBS).

O PL 68/2024, em seu artigo 5º, determina que a LC definirá ‘outras hipóteses‘ da base de cálculo da IBS e da CBS, vejamos:

Art. 5º O IBS e a CBS também incidem sobre as seguintes operações, ainda que não onerosas:

I – fornecimento não oneroso ou a valor inferior ao de mercado de bens e serviços para uso e consumo pessoal:

a) do próprio contribuinte, quando este for pessoa física;

b) das pessoas físicas que sejam sócios, acionistas, administradores e membros de conselhos de administração e fiscal e comitês de assessoramento do conselho de administração do contribuinte previstos em lei, quando este não for pessoa física;

c) dos empregados dos contribuintes de que tratam as alíneas “a” e “b”;

II – doação por contribuinte para parte relacionada;

III – fornecimento de brindes e bonificações; e

IV – demais hipóteses previstas nesta Lei Complementar.

§ 1º A incidência de que trata o inciso I do caput:

I – se dará na forma do disposto na Seção X deste Capítulo; e

II – também se aplica ao fornecimento não oneroso ou a valor inferior ao de mercado de bens e serviços para uso e consumo pessoal de cônjuges, companheiros ou parentes, consanguíneos ou afins, até o terceiro grau, das pessoas físicas referidas nas alíneas “a”, “b” e “c” do inciso I do caput.

(…)


Moises R. Coimbra é formado em Administração de Empresas pela Universidade Ashworth College nos EUA, Contador e Advogado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Pós-graduado em Auditoria Contábil pela Faculdade de São José dos Campos, MBA em Tributos Diretos (IRPJ e CSLL) pelo Grupo Educacional BSSP, LL.M em Advocacia Tributária e Contabilidade Tributária pela renomada EPD – Escola Paulista de Direito. LL.M em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Pós-Graduando em Gestão Fiscal e Tributária promovido pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e Especialização em Tributação Internacional pela ESTB (Escola Superior de Tributação de Brasília).


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