Controvérsias relativas ao Imposto Seletivo

Enquanto o país busca simplificar tributos, novas cobranças geram questionamentos, analisa Luiz Roberto Peroba
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Por Luiz Roberto Peroba

A proposta de reforma tributária do consumo instituída pela EC 132/23 nunca teve como objetivo principal a redução da carga tributária no curto prazo. Sempre foi vendida como a reforma da simplificação do sistema tributário nacional. No entanto, para surpresa de muitos, trouxe nova incidência tributária por meio de um Imposto Seletivo (IS), sobre o qual têm surgido inúmeras discussões.
 
O primeiro debate tangencia o próprio objetivo da Reforma. Se a ideia principal era simplificação, por que trazer mais esse ingrediente para o debate? Por entraves federativos, o País já teve que seguir um modelo de IVA-Dual (CBS e IBS) ao invés de um IVA único nacional como previsto pelo projeto original. Pode ter sido suficiente para viabilizar a aprovação da PEC, mas não é o modelo mais simples de tributação. Além disso, teremos prazo longo de transição, introdução do mecanismo do split payment, além de questões muito importantes para serem definidas acerca das regras sobre o contencioso administrativo e judicial.
 
Além disso, estamos tentando sair de uma longa fase de grande desconfiança entre o fisco e os contribuintes e muitas controvérsias sem dúvida vão ocorrer acerca da sua natureza arrecadatória ou se teria de fato uma função extrafiscal. Ainda na fase de discussão da proposta que deu origem à EC 132/23, muito se debateu sobre a base de incidência do imposto, a exemplo da possibilidade de ser cobrado sobre operações com energia elétrica e com telecomunicações, o que felizmente acabou sendo afastado expressamente no texto final aprovado no Congresso, mas esse debate já é um indicativo de outras situações que podemos enfrentar pela frente.
 
Com a regulamentação da reforma tributária agora em trâmite por meio do PLP 68/24, novos debates surgem quanto aos critérios para definir o que seria considerado prejudicial à saúde e ao meio ambiente e de que forma deveriam ser definidas as alíquotas para que sejam condizentes com o consumo que se pretende desestimular.
 
É premissa dessa discussão que os bens e serviços que façam mal à saúde, e ao meio ambiente indicados em lei complementar podem ser base para essa tributação extravagante.
 
Mas, além disso, para que o novo IS efetivamente cumpra a sua finalidade extrafiscal, sob pena de ser inconstitucional, devem ser trazidos estudos/análises que identifiquem problemas públicos e justifiquem (por métodos comparativos) porque aqueles itens são tão nocivos assim à saúde e ao meio ambiente. Essa análise deve definir estratégias para a implementação e o uso dos recursos arrecadados em políticas que promovam a conscientização e desestimulem certos comportamentos, além de prever o monitoramento da efetividade da medida.
 
Assim, a tributação deve ser comprovadamente a alternativa mais eficaz, eficiente e adequada para lidar com o problema público identificado.
 
Apesar da liberdade do governo para instituir tributos sobre bens e serviços que se deseja desestimular, essa criação precisa ser devidamente justificada. O monitoramento da efetividade do imposto também é fundamental para garantir sua continuidade, pois, sem a comprovação regular de sua eficácia, o tributo passa a incorrer em violação constitucional.
 
Em conclusão, a criação do IS em um momento de reforma e simplificação da tributação do consumo parece não ter sido o melhor momento. Assim, tem o governo e o Congresso um desafio adicional na implementação dessa nova espécie tributária, demonstrando para sociedade que os eventuais bens e serviços super gravados merecem ter seu consumo desestimulado a partir de critérios claros e justificativas bem fundamentadas para sua instituição, sob pena de incorrer em inconstitucionalidade.


Luiz Roberto Peroba é Sócio/Tax Partner no escritório Pinheiro Neto. Assessora clientes nacionais e estrangeiros de diversas indústrias, tanto em consultoria/planejamento tributário como contencioso, em disputas administrativas e judiciais.


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