Por Rafael Moumdjian
O Projeto de Lei nº 68/24 que instituiu o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS), o Imposto Seletivo (IS) e a Contribuição Estadual (CS), trouxe alguns importantes avanços e, dentre eles, o que merece destaque é a criação oficial do Comitê Gestor do IBS, obrigatoriamente, para o ano de 2025 e combinado com a postergação do pagamento dos novos tributos para somente em 2027 (ano de extinção do Pis/Cofins) e o ano de 2026 será um período de testes.
Essa postergação, que aos olhos do contribuinte é positiva, já é resultado do grande esforço e impasse que o Pacto Federativo trará para a criação do Comitê Gestor do IBS, pois ele será o responsável pela criação e estabelecimento de normas gerais para a operacionalização e funcionamento do IBS com a obrigatoriedade de garantir que a sua aplicação seja uniforme em todo território nacional.
Além disso, a gestão de recolhimento será crucial para definição de procedimentos de arrecadação, distribuição e fiscalização do imposto entre estados e municípios. Outro ponto é que o mesmo Comitê Gestor será o ente responsável com a resolução de conflitos, atuando como mediador em disputas entre os entes federativos que estão relacionados com a partilha de receitas e à aplicação das normas da IBS.
Ao mesmo tempo, ao menos teoricamente, o Comitê Gestor atuará como conexão entre União, Estados e Municípios para assegurar uma governança equilibrada. Mas, ao mesmo tempo, irá reacender o federalismo cooperativismo “como uma medida de repartição dos poderes na República e a descentralização financeira, para realizar o dirigismo constitucional do desenvolvimento com redução das desigualdades sociais, econômicas e regionais”.
A cooperação entre os entes federados não se vislumbra tão somente em relação vertical, partindo-se da União em direção aos Estados e, posteriormente, dos Estados em direção aos Municípios, mas permite-se, a partir da Constituição Federal, o favorecimento do desenvolvimento e redução das desigualdades regionais, sempre estando alerta para os objetivos prescritos no art. 3º da Constituição Federal de 1988.
Princípios como segurança jurídica, eficiência e integração devem agir como pilares da relação entre os membros da Federação, sejam Estados ou Municípios, com o objetivo de reduzir as desigualdades regionais em consonância aos fundamentos do Estado Democrático de Direito previsto na Constituição Federal de 1988.
Com base nas premissas acima, entendemos que a composição do Comitê Gestor, além de incluir representantes da União, Estados e Municípios, possivelmente incluirá entidades da sociedade civil, com a promoção de uma visão ampla e inclusiva.
Outro ponto é que para evitar a concentração de poder, o modelo de decisão provavelmente será baseado em um sistema de pesos e contrapesos (ao menos o autor espera), respeitando as diferenças na capacidade arrecadatória dos entes.
Não podemos esquecer que, em paralelo às questões que envolvem a criação do Comitê Gestor, ainda permanece a necessidade de criação, validação, habilitação e implementação dos mais diversos modelos tecnológicos que serão fundamentais para o acompanhamento, apuração e cobrança dos novos impostos, tanto por parte do Comitê Gestor do IBS, como pela Receita Federal pela CBS.
Desta forma, ficam as dúvidas de como isso será definido e implementado em tão pouco tempo, mesmo com a prorrogação da tributação para 2027, pois a edição das normas complementares, com foco especial por parte da Receita Federal, pois como o Comitê Gestor e RFB atuarão em conjunto, como será tratado o Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais do ICMS que foi criado pela própria Emenda Constitucional nº 132/23, que tem como objetivo a compensação de contribuintes beneficiários de isenções, incentivos e benefícios fiscais relativos ao ICMS.
Por isso, as transferências intergovernamentais de recursos são instrumentos fundamentais para que os princípios da igualdade e da solidariedade se subsumam em uma política eficaz de redistribuição de renda na busca pela isonomia do desenvolvimento regional. Ou seja, pela Constituição Federal de 1988, o federalismo fiscal comporta competências tributárias para cada ente federativos conforme o tipo de tributo ou contribuição, assim como a participação dos entes nas transferências de recursos.
O Comitê Gestor e a RFB deverão trabalhar em três capacidades, sendo a autonomia política, autonomia administrativa e a autonomia financeira, implicando em fontes próprias de recursos, sempre assegurados constitucionalmente.
Por isso, ao menos no momento, temos uma grande apreensão em como as Leis Complementares serão publicadas, pois é premissa sem qualquer negociação é assegurar a autonomia dos entes para se buscar o desenvolvimento regional nos Estados e Municípios.
Lembrando que o desenvolvimento regional deve ser compreendido como algo que vai além do acúmulo de capital, mas que passa por temas como distribuição de renda, desenvolvimento tecnológico, desenvolvimento e aumento de capacidade de produção, grau de escolaridade da população e o fortalecimento do mercado regional.
Para compreender o atual problema federativo relativo à tributação e distribuição de receita importante tomar nota da realidade federativa brasileira nos primeiros anos de vigência da Constituição Federal de 1988 em relação ao enfraquecimento da política de desenvolvimento regional.
De forma resumida, o tema do presente artigo foi trazer um objeto que vai além da Reforma Tributária do Consumo, mas deixarmos registrado nossa preocupação com as Leis Complementares serão debatidas, conduzidas e implementadas, buscando uma forma de evitar concentração de capital, industrialização e fortalecimento de mercado interno regionalizado, para algo que promova o desenvolvimento em regiões de todo o Brasil.
Conclusão
Diante de todo exposto, o motivo que mais provocou a redação deste artigo é que o atual posicionamento do Ministério da Fazenda em avaliar a capacidade contributiva das empresas levando em consideração o valor dos benefícios fiscais concedidos pelos Estados, parece um tanto quanto precipitada e superficial sobre a ótica tributária e financeira.
Os incentivos fiscais, que deixarão de existir, são instrumentos estatais concedidos às empresas, a partir da competência legislativa e jurisdicional que a ente estatal possuem, para se autorregular e auto regularizar para financiamento de suas políticas públicas internas.
Em outras palavras, as receitas que a União vê como uma nova fonte de receita fiscal, nada mais é que efeitos das ações governamentais aplicadas pelos estados, sendo que além de ir na contramão das disposições constitucionais que limita o poder dos entes, ainda pode ferir a autonomia ofertada aos Estados e Munícipios já prevista em uma Constituição Federal que busca e aplica o federalismo cooperativo.
No final do dia, a colaboração mútua entre os entes da federação, o setor privado, as organizações civis e toda a sociedade, será fundamental para buscar, ao máximo, o equilíbrio da efetividade do novo sistema tributário nacional, onde o controle e repasse das receitas poderá impactar positivamente na redução do IVA referencial.
Rafael Garabed Moumdjian é head of tax & LTOs do Syngenta Group. Professor de MBA de Direito Tributário na
Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), é Board Member, “PcD” Professional e Executive Director of Pensions.
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