CCJ ignora controvérsia do setor de seguros ao desconsiderar proposta da CAE

Integrantes da CCJ
Integrantes da CCJ
Integrantes da CCJ durante a votação da reforma tributária, em 11 de dezembro de 2024 – Foto: Roque de Sá via Agência Senado

Por Márcio Costa

Quando se lê os dispostos nos Art. 4º e 5º do PLP nº 68, não é raro ouvir que estamos diante de um verdadeiro “Imposto Sobre Tudo – IST”, pelo simples fato do entendimento extraído do próprio conceito de “base ampla de incidência”, como sendo uma das características do modelo de Imposto sobre o Valor Adicionado (IVA), base da nossa Reforma Tributária sobre o Consumo, e vislumbra-se que incidirá sobre toda a atividade econômica, alcançando não só o que tributamos hoje nas operações de consumo, mas também os negócios jurídicos onerosos com bens materiais e imateriais, inclusive as locações, licenciamento, disponibilização e cessão de direitos ou uso, a economia digital e a prestação de serviços, incluindo outras operações listadas, ainda que não onerosas.

Independente de uma percepção quiçá pessimista, certo é que ter uma base ampla, pode sim ser eficiente para o nosso IVA-Dual (EC 132), o que não significa dizer que estaríamos a tributar tudo e todos, até porque a reforma tributária prisma pela tributação sobre “consumo”, que a princípio se idealizou em um único IVA (PEC 45).

Imperioso dizer que alguns conceitos ainda que amplamente discutidos na doutrina e pela jurisprudência, ainda causam controvérsias e litígios quanto ao seu real enquadramento, isso é importante ser dito, pois de certo que ainda teremos muito o que interpretar acerca dos pressupostos estabelecidos sobre o fato gerador da CBS e do IBS descrito na lei complementar, sem perder de vista o prestigiado art. 110 do Código Tributário Nacional, levando em consideração os conceitos do direito privado, aliado a premissas contábeis.

Nesse passo, saindo de uma perspectiva de regra geral, onde a base de cálculo do IBS e da CBS será o valor total da operação, sob uma ampla base tributária (bens e serviços, tangíveis e intangíveis) irei me ater ao que dispõe a base de cálculo de alguns dos  setores inseridos no Regime Específico da Reforma Tributária, digo em relação aos setores de Seguros, Resseguros, Previdência Complementar e Capitalização, Seção X, Art. 223, que dispõe sobre a base de cálculo nas operações destes seguimentos, em especial quanto a tributação das “receitas financeiras dos ativos financeiros garantidores de provisões técnicas”:

Art. 223. Para fins de determinação da base de cálculo, nas operações de seguros e resseguros de que tratam, respectivamente, os incisos XI e XII do caput do art.

182 desta Lei Complementar:

I – as receitas dos serviços compreendem as seguintes, na medida do efetivo recebimento, pelo regime de caixa:

a) aquelas auferidas com prêmios de seguros, de cosseguros aceitos, de resseguros e de retrocessão; e

b) as receitas financeiras dos ativos financeiros garantidores de provisões técnicas, na proporção das receitas de que trata a alínea a nas operações que não geram créditos de IBS e de CBS para os adquirentes e o total das receitas de que trata a alínea a deste inciso, observados critérios estabelecidos no regulamento;

De pronto, cabe uma informação importante! No escopo legal, posto para a Reforma Tributária, as receitas financeiras auferidas pelas Empresas em geral, bem como no caso destes seguimentos inseridos no Regime Específico, não são tributadas. Fato público ratificado pelo Diretor do Programa da Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária – SERT que em audiência na CCJ, no dia 12/11/2024, debateu a reforma tributária e serviços financeiros[1].

Delineadas essas premissas introdutórias, irei adentrar nas questões que buscam contextualizar o tema central deste artigo, a começar pelo texto constitucional, § 6º do Art. 156-A (incluído pela Emenda Constitucional nº 132/2023), que será regulamentado por meio de lei complementar e que irá dispor sobre regimes específicos de tributação.

Hoje, o Setor de Seguros já goza de uma apuração específica para apuração do PIS e da COFINS, inserido no regime de tributação cumulativo, face a peculiaridade da sua operação, assim como as Instituições Financeiras. Atualmente não sendo contribuinte do ICMS, passará ser contribuinte do IBS, quiçá pela extinção do IOF –SEGUROS, o que poderia se questionar se seria uma troca justa para o Setor, haja vista que inserido em uma nova tributação, passará a conviver com todo o compliance que a não cumulatividade imprime para as empresas, mas que não é objeto deste artigo, já que o ponto controvertido, ignorado pela CCJ é outro, quer seja, a permanência da redação do Inciso I, Alínea “b” do caput do Art. 223, no texto do PLP nº 68/2024.

Especialmente no que tange aos setores de Seguros, Resseguros, Previdência Complementar e Capitalização Setor de Seguros, frente a apuração do PIS e da COFINS, hoje tendo sua receita de bolo para a apuração destas contribuições, amparada pela Lei nº 9.718/1998, bem como a IN nº 2121/2022, nos respectivos Arts, 736, 737, 738 e 739, tem como premissa o faturamento ao que compreende a receita bruta de que trata o art. 12 do Decreto-Lei no 1.598, de 26 de dezembro de 1977, com redação dada pela Lei nº 12.973/2014. Vejamos:

Receita de vendas e serviços

Art 12 – A receita bruta das vendas e serviços compreende o produto da venda de bens nas operações de conta própria e o preço dos serviços prestados.

Art. 12.  A receita bruta compreende: (Redação dada pela Lei nº 12.973, de 2014)(Vigência)

I – o produto da venda de bens nas operações de conta própria;

II – o preço da prestação de serviços em geral;

III – o resultado auferido nas operações de conta alheia; e

IV – as receitas da atividade ou objeto principal da pessoa jurídica não compreendidas nos incisos I a III.   

Também não é alvo deste artigo, adentrar na celeuma de que o Setor não estaria alcançado neste capítulo reservado pelo legislador que claramente se referiu as “Receita de Vendas e Serviços”, substanciando essas receitas ao conceito de faturamento, até porque esse assunto foi alvo do RE nº 409.479, com decisão transitada em julgado pela Suprema Corte, concluindo que mesmo antes do Inciso IV, da Lei nº 12.973/2014, “A legislação histórica conectada ao PIS/COFINS demonstra que o conceito de faturamento sempre significou receita bruta operacional decorrente das atividades empresariais típicas das empresas”, assim entendendo que as receitas de prêmios auferidas pelo setor em razão dos contratos de seguro, estão abrangidas pelo conceito de faturamento.

O ponto nevrálgico, cerne da provocação intitulada para este artigo, remete também ao Inciso IV, da Lei nº 12.973/2014, pois estaria as receitas financeiras dos ativos garantidores das reservas técnicas, inseridas no conceito de faturamento, na máxima de que seriam “receitas da atividade ou objeto principal da pessoa jurídica”?

Remetendo ao que fora decidido no RE nº 409.479, infelizmente não tivemos esse assunto qualificado em sua ementa, quiçá sendo abordado por alguns ministros, portanto a esperança dos setores mencionados era justamente que o Poder competente, no caso o Poder Legislativo, sanasse a controvérsia. Só que não!

Certo que o PLP 68/2024 (primeiro projeto de lei complementar para regular a Reforma Tributária) iria tramitar na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) criou um grupo de trabalho para ampliar o debate sobre a proposta[2].

Após os debates, que envolveram representantes de diversos segmentos da economia e das Administrações Tributárias, e as reflexões oportunizadas sobre o texto aprovado pela Câmara dos Deputados, o Grupo de Trabalho da CAE propôs modificações que alteram, entre outros, aspectos de interesse de alguns setores e que foram alvo de proposições. Foi o que ocorreu com o pleito do Setor de Seguros, no tocante ao ponto das receitas financeiras dos ativos garantidores das reservas técnicas, observado no item 42 da página 384 do Relatório do Grupo de Trabalho, com a seguinte redação:

42. Exclusão das receitas financeiras dos ativos financeiros garantidores de provisões técnicas, nas operações de seguros e resseguros, da base de incidência do IBS e CBS.

No dia 10/12/2024, o Senador Eduardo Braga (MBD-AM), disponibilizou o novo parecer do PLP 68/2024 da reforma tributária, acatando em torno de 650 Emendas, que dentre as  rejeitadas encontra-se a Emenda nº 574 encaminhada pelo Senador Eduardo Gomes (PL/TO), que justamente pleiteava a alteração na redação do Inciso I, Alínea “b” do caput do Art. 223, para retirar as receitas financeiras dos ativos financeiros garantidores de provisões técnicas, nas operações de seguros e resseguros, da base de incidência do IBS e CBS.

Vale recordar, como já dito, que as receitas financeiras auferidas pelas Empresas em geral, bem como no caso destes seguimentos inseridos no Regime Específico, não são tributadas, ao contrário no caso específico das receitas vinculadas aos ativos garantidores das reservas técnicas, que salvo um melhor esclarecimento por parte dos parlamentares, toma de assalto o arcabouço legal atual, para da mesma forma, ratificar a interpretação impressa pelo fisco[3], em um olhar raso, de que uma mera obrigação regulatória, seja classificada como sendo operacional, a qualificar um conceito de receita bruta que não se amolda com a regra matriz do IBS e da CBS, sendo que ambos são idênticos, diferenciando apenas no direcionamento do Ente Federativo beneficiado pela arrecadação.

Estamos em um momento ímpar para a evolução do nosso sistema tributário nacional, hoje esculpido em nossa Constituição Federal e que consequentemente se caminha para uma regulamentação no cotejo e sob uma percepção de tributação sobre o consumo, afinal, mesmo estando diante de um regime especial, não se pode perder de vista conceitos basilares, históricos do nosso ordenamento legal, do contrário, o melhor seria optar por um sistema equânime, sem regimes diferenciados e especiais. Tais regimes especiais, se não forem moldados com o racional normativo que se espera, sem interpretações apaixonadas que maculam a essência das receitas oriundas do objeto principal, teríamos afastada para estes setores a totalidade das receitas financeiras, sem qualquer distinção quanto ao seu destino, que por sinal não necessariamente é carimbado.

Ora, o que diferencia o rendimento financeiro oriundo de sobra de caixa de qualquer empresa, que busca o mercado financeiro para rentabilizar e aumentar o seu patrimônio, para um rendimento financeiro que também teve a mesma origem, mas que por uma imposição regulatória[4], se tornou uma verba destinada a cobrir os riscos assumidos? Certo que riscos são eminentes em todos os negócios, portanto, a qualquer momento, esses mesmos rendimentos podem ser incorporados aos compromissos cotidianos.

Se estamos diante de uma nova estrutura conceitual para a Reforma Tributária, nesse momento sobre a Tributação sobre o Consumo, por que endossar uma questão tão controvertida e sem respaldo na evolução histórica do conceito de receita bruta? Que convenhamos, não faz mais parte do fato jurídico tributário de um IVA, transvertido na forma de uma contribuição (CBS), onde em sua essência prisma de forma a demarcar no âmbito da incidência normativa, as operações onde não se incluem as receitas financeiras, há não ser, é claro, literalmente para as Instituições Financeiras, que as tem no seu core business, afinal, não se pode perder de vista que tributar o consumo é tributar a renda do consumidor final, pois assim se almeja com o tão sonhado princípio da neutralidade aplicável à tributação do Imposto Sobre Valor Agregado (IVA), assim como a redução da litigiosidade, diretrizes centrais da reforma do IVA brasileiro.

Por fim, se é para manter regimes específicos, carregando as mesmas determinantes para a construção da base de cálculo das contribuições para o PIS/PASEP e COFINS em semelhança ao que se pretende para a CBS, é de extrema importância que os digníssimos parlamentares busquem entender as agruras dos setores, pois neste ínterim não se trata de um pleito para reduzir carga tributária, como muito se vê neste estágio em que se encontra o PLP nº 68,  mas sim de uma demonstração de que acima de tudo quando o legislador inseriu o inciso IV no Art. 12 do Decreto-lei nº 1.598, “receitas da atividade”, tão só quis dizer que as contribuições só poderiam incidir sobre a atividade principal exercida pela companhia (objeto social) – da qual os rendimentos oriundos das aplicações não fazem parte, tanto é assim que a própria Suprema Corte, decidiu contra a tese de que as receitas dos prêmios de seguros não deveriam ser oferecidas para efeito das contribuições do PIS e da COFINS, mas em nada avançou em relação às receitas oriundas dos rendimentos das aplicações vinculadas aos ativos garantidores das reservas técnicas.

Acompanho a dor destes setores há anos, seja como gestor a frente da área tributária de uma Seguradora, seja como ex-Conselheiro do CARF, seja como Consultor, assim tendo me pronunciado sobre o tema por diversas vezes, sempre digo que não faltam argumentos a favor do pleito direcionado por estes setores, nas audiências públicas e através de emendas propostas, tanto que o próprio legislador excluiu da incidência do PIS/COFINS a parcela das receitas de prêmios destinada à constituição de provisões técnicas[5], por ser clara a vinculação dos respectivos valores com o mero cumprimento das obrigações destas instituições perante ao seu órgão regulador.

Legislar é uma arte por deveras complexa, onde, dentre tantas dificuldades diretivas, cabe ao legislador analisar as necessidades e demandas da sociedade. Não basta ouvi-las, é preciso entender todo um ecossistema normativo, doutrinário e jurisprudencial, do contrário, além de poder, contradizer o negócio jurídico posto, instigar novos litígios, pode levar a sérias dificuldades para a perpetuação de uma organização, quando não, retardar os investimentos projetados para o negócio, esse, sim, gera valor e consequentemente alavanca a arrecadação do país.

O debate sobre o PLP 68/2024 reflete os desafios da construção de um sistema tributário equilibrado que promova justiça fiscal e embale o desenvolvimento econômico sem comprometer setores estratégicos, como os setores de Seguros, Resseguros, Previdência Complementar e Capitalização. Dessa forma, é imperioso que o debate seja lastreado de muita leitura e compreensão do universo tributário, no qual como Tributarista conhecemos bem sua complexidade, entretanto, mais uma vez o que se vê é uma agenda apertada, para se discutir temas sensíveis, que inclusive já se encontram endereçados ao Poder Judiciário. Não podemos ter uma reforma com incerteza, mas sim uma reforma com segurança jurídica!


[2] Relatório do Grupo de Trabalho criado em decorrência da aprovação do REQ nº 66, de 2024 – CAE, com o objetivo de avaliar periodicamente a funcionalidade do Sistema Tributário Nacional.

[3] Solução de Consulta nº 83 – Cosit de 24/01/2017 traz uma ressalva importante: caso as receitas financeiras não decorram de investimento compulsório da consulente, não integram sua receita bruta e, portanto, não sofrem a incidência das contribuições em pauta. Se a Consulente provisiona como reserva técnica valores acima do exigido por lei, não se pode dizer que tais excessos sejam compulsórios”.

[4] DECRETO-LEI Nº 73, DE 21 DE NOVEMBRO DE 1966.

Dispõe sobre o Sistema Nacional de Seguros Privados – SUSEP, regula as operações de seguros e resseguros e dá outras providências.

Art 29. Os investimentos compulsórios das Sociedades Seguradoras obedecerão a critérios que garantam remuneração adequada, segurança e liquidez.

Art 84. Para garantia de todas as suas obrigações, as Sociedades Seguradoras constituirão reservas técnicas, fundos especiais e provisões, de conformidade com os critérios fixados pelo CNSP, além das reservas e fundos determinados em leis especiais.

Art 85. Os bens garantidores das reservas técnicas, fundos e previsões serão registrados na SUSEP e não poderão ser alienados, prometidos alienar ou de qualquer forma gravados em sua previa e expressa autorização, sendo nulas de pleno direito, as alienações realizadas ou os gravames constituídos com violação dêste artigo.(Redação dada pelo Decreto-lei nº 296, de 1967)

[5] Lei nº 9.701/98: “Art. 1º Para efeito de determinação da base de cálculo da Contribuição para o Programa de Integração Social – PIS, de que trata o inciso V do art. 72 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, as pessoas jurídicas referidas no § 1º do art. 22 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, poderão efetuar as seguintes exclusões ou deduções da receita bruta operacional auferida no mês: (…)

IV – no caso de empresas de seguros privados: (…)

c) a parcela dos prêmios destinada à constituição de provisões ou reservas técnicas


Márcio Robson Costa é Mestre em Ciências Contábeis pela Fucape Business School, Contador — Ex Conselheiro e Vice-Presidente de Turma no CARF — Consultor Tributário. Especialista em Direito e Planejamento Tributário, dentre outras disciplinas que cursou em Pós-Graduação/MBA: Gestão Estratégica de Empresas, Finanças e Gestão Coorporativa e Controladoria e Auditoria. Professor convidado na Pós-Graduação na Mackenzie/RJ. Professor do CRC-RJ. Membro da Comissão de Assuntos Tributários do CRC-RJ e Ex Pesquisador do Grupo de Tributação do Consumo do Núcleo de Pesquisas do Mestrado (NUPEM) – IBDT (Instituto Brasileiro de Direito Tributário).


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