As novas responsabilidades das prestadoras de serviços de pagamento eletrônico na operacionalização do Split Payment

Além da variedade de alíquotas, será preciso contemplar os estornos, cancelamentos e devoluções, o que adiciona ainda mais complexidade ao modelo, escreve Aline Lara
Pagamento feito em maquininha de cartão
Pagamento feito em maquininha de cartão
Pagamento feito em maquininha de cartão

A Distribuição Automática de Pagamento, expressão que costumo utilizar para “tropicalizar” o sofisticado nome escolhido pelo Legislador, será responsável por profundas mudanças para as Empresas Prestadoras de Serviços de Pagamento eletrônico.

É importante lembrarmos que a Distribuição Automática de Pagamento é uma das modalidades de recolhimento do IBS e da CBS previstas no art. 27 do PLP 68 aprovado na Câmara, ainda pendente de aprovação no Senado. As Prestadoras de Serviços de Pagamento eletrônico serão responsáveis por recolher o IBS e o CBS em nome dos seus clientes, conforme determina o art. 52. do mesmo Projeto de Lei. Isso, por si só, já nos alerta para o tamanho da responsabilidade que será a implementação e manutenção do moderno mecanismo.

Primeiramente, elas serão responsáveis por enviar ao seu cliente, o vendedor ou prestador, uma hash de autorização de pagamento que deverá ser informada no documento fiscal eletrônico para atender ao disposto no art. 51 que determina a vinculação entre ambos.

Em primeira análise, parece algo simples e sem grandes complexidades, porém, a depender da atividade fim do seu cliente, qualquer milésimo de segundo que se inclui em um retorno de autorização de pagamento, pode impactar significativamente a experiência do cliente, especialmente no varejo. Atualmente, embora existam campos específicos no documento fiscal de mercadoria para que se vincule a forma de pagamento, não é uma exigência em todos os Estados justamente pela complexidade de operacionalização.

O vendedor/prestador deverá enviar à prestadora de serviços de pagamento eletrônico o documento fiscal devidamente autorizado contendo a hash disponibilizada anteriormente e ela terá a nova atribuição de ler o arquivo digital, identificar os valores de IBS e CBS destacados, conectá-las a transação de pagamento e, de alguma forma, manter tudo isso armazenado e de fácil acesso.

Após essa etapa, a prestadora de serviços de pagamento eletrônico será responsável por consultar o documento fiscal ou a hash no sistema do Comitê Gestor e da RFB, a fim de verificar se os tributos destacados já foram recolhidos por outra modalidade prevista no art. 27 do PLP 68. Caso não seja identificado pagamento anterior, caberá à prestadora realizar a distribuição automática, direcionando os tributos à autoridade arrecadadora competente. Por outro lado, se o pagamento já tiver sido efetuado, a prestadora deverá repassar o valor integral do documento fiscal ao seu cliente, incluindo os montantes referentes ao IBS e à CBS.

Uma das questões que surgem nesse contexto é: caso o prestador de serviços de pagamento, ao realizar a consulta, identifique a liquidação parcial do IBS e da CBS, quem será responsável pelo cálculo do saldo residual a ser distribuído?

Pelo que consta no PLP 68 até esta data, não há previsão de compensação dos créditos por entrada antes da distribuição automática do valor total destacado nas operações de vendas ou prestações, que lembremos não é o valor devido considerando a natureza não cumulativa dos novos tributos. Sabe-se que a equipe técnica que idealiza o mecanismo tem intenção de que ocorra a compensação dos créditos por operação, para evitar efeitos nocivos ao fluxo de caixa das empresas e até mesmo a insegurança jurídica que afrontará a não cumulatividade.

Nesta hipótese, se implementada a compensação dos créditos, a prestadora de serviços de pagamento precisaria ainda fazer compensações parciais, operação por operação, até o limite dos créditos existentes. A possibilidade de compensação dos créditos é vital para a garantia da não cumulatividade, no entanto, representará uma complexidade inimaginável para os operadores da Distribuição Automática.

Analisando as responsabilidades que estarão presentes no novo modelo, é preciso ter atenção para os casos de indisponibilidade do sistema do governo para consulta. Quando isso ocorrer o prestador deverá monitorar e garantir a conclusão do processo posteriormente, até que realize a distribuição nos casos obrigatórios, pois em caso de atraso do pagamento do IBS e da CBS o cliente poderá incorrer em penalidades sejam elas financeiras ou mesmo com avaliações prejudiciais nos novos programas de conformidade que servirão de parâmetro para uma série de processos.

Nas transações financeiras parceladas, a prestadora de serviços de pagamento eletrônico será responsável por consultar o Comitê Gestor e a RFB a cada liquidação posterior à operação que a originou, o que pode ocorrer meses após o recebimento do documento fiscal e aprovação da operação. É importante lembrar que o IBS e a CBS deverão ser liquidados ao final de cada período de apuração, o que nos leva a entender que somente serão distribuídos valores de IBS e CBS em parcelas futuras em caso de inadimplência.

Não se sabe ao certo quem será o responsável por calcular a distribuição automática de pagamento parcial, nos casos de vendas parceladas, onde o primeiro vencimento ocorre antes do vencimento dos tributos pela apuração. Será que a prestadora de serviços de pagamento eletrônico precisará calcular a proporção considerando que no documento fiscal teremos os valores totais de IBS e CBS da operação? 

Inevitavelmente, as regulamentações posteriores precisarão tratar de todas essas particularidades, mas, no momento, não há informação suficiente.

Independentemente das determinações de responsabilidade previstas na legislação tributária, é igualmente fundamental estabelecer delimitações contratuais claras para orientar a relação entre as partes. A responsabilidade com maior potencial de impacto envolve a garantia do recolhimento correto dos tributos por meio do split payment nos casos em que esse mecanismo seja obrigatório. Nesse cenário, o prestador de serviços de pagamento deverá assegurar o recolhimento do IBS e da CBS por meio desse sistema. Caso não o faça, ou se o recolhimento for realizado incorretamente, o contratante deverá estar devidamente protegido. Ao que parece, em última instância, caberá ao prestador de serviços de pagamento a responsabilidade pelo recolhimento em nome de seu cliente.

As responsabilidades inerentes a aplicação da Distribuição Automática de Pagamento (Split Payment) devem ser observadas desde já pelas empresas Prestadoras de Serviços de Pagamento eletrônico, pois além de robustos investimentos financeiros para operacionalização do mecanismo, as responsabilidades inerentes a ele mudarão profundamente a relação com os seus clientes. 

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Aline Lara é contadora, especialista em Direito Tributário pelo IBET RJ e UNISINOS com mais de 15 anos de experiência na área tributária. Gerente Tributário na Lojas Renner S.A.


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