Por Regina Krauss
Para Luis Felipe Vidal Arellano, secretário de Fazenda do Município de São Paulo, ainda que seja inquestionável a urgência de uma profunda reforma tributária no Brasil, a inclusão do ISS no IVA pode trazer desafios aos municípios mais populosos e à manutenção de políticas públicas.
Arellano contextualiza: “No sistema tributário atual temos baixa neutralidade, a possibilidade de ter várias alíquotas diferenciadas, arrecadação concentrada onde os produtos são produzidos, restrições ao aproveitamento de créditos nos investimentos para aquisição de bens de capital e cumulatividade dos tributos. Estes fatores geram um contencioso grande para os contribuintes e, às vezes, até disputas entre os fiscos”.
No entanto, o secretário enfatiza que o ISS representa uma fatia muito pequena no contexto geral de litígio e morosidade no processo fiscal e contábil brasileiro. Este é ponto crucial para o município de São Paulo. “Quando você vê as estatísticas que analisam o tempo que se leva para pagar impostos federais, municipais e estaduais, os impostos de competência dos municípios praticamente não aparecem, porque é uma tributação muito simples, e, em geral, as empresas prestam apenas alguns serviços específicos com alíquotas semelhantes”, defende.
“Por que, ao propor uma reforma ampla sobre o consumo, que tem a simplificação como fundamento, incluir o ISS e a complexidade da tributação de 5.000 municípios com alíquotas diferentes?”, questiona. A resposta pode estar, segundo Arellano, no fato de que o ISS é o tributo que mais cresceu ao longo das últimas décadas. “Isso se deve muito em decorrência da evolução da economia brasileira, que está deixando de ser uma ter sua base sobre bens físicos, mercadorias e commodities e passando a ser prioritariamente baseada na prestação de serviços, sobre bens digitais e intangíveis, por exemplo”.
Na opinião do secretário de SP, “a União e os Estados enxergaram a oportunidade de avançar sobre uma base tributária que tem um futuro mais promissor do que a base tributária que o Brasil tem hoje”. Quando no passado foi atribuído o ISS aos municípios, era um tributo absolutamente inexpressivo e pouca gente acreditava que ele em algum momento se tornaria o carro-chefe do crescimento da arrecadação.
Arellano chama a atenção para outro ponto delicado: embora as legislações devam ser semelhantes ou idênticas, existirão diferentes alíquotas estaduais e municipais, além de discussões posteriores no contencioso administrativo e judicial. “Quem fará o julgamento e interpretará essas questões? A Justiça Federal ou as justiças estaduais? Como conseguimos resolver isso sem destruir pilares fundamentais da nossa federação? As soluções precisam ser pensadas não apenas na teoria, mas dentro do contexto histórico, político e jurídico brasileiro”.
“Vale lembrar que a gente está em um país como pouquíssimos no mundo. Uma federação de dimensões continentais, muito desigual, e organizada em três níveis. Então, qualquer mudança feita no sistema tributário, que é o coração do federalismo, precisa ser pensada de maneira a garantir o pacto federativo.”
A arrecadação do ISS
Hoje, os municípios têm autonomia para gerir os recursos do ISS, que representa cerca de 27,2% da arrecadação do município de São Paulo. “Considerando apenas as receitas próprias, o setor de serviços corresponde a quase 50%. É muita coisa. Além disso, temos absoluto controle sobre a legislação, sendo possível decidir incentivar algum setor ou aumentar a alíquota de outro”, lembra o secretário. Durante a pandemia de covid-19, por exemplo, o setor de turismo e eventos ficou completamente paralisado, enquanto o setor de tecnologia teve um desempenho “fenomenal”.
“Em cenários de recessão da economia, como vamos lidar com uma queda acentuada de arrecadação e manter em funcionamento todos os serviços públicos oferecidos hoje?”. Para Arellano, a discussão sobre a Reforma Tributária não pode acontecer sem discutir, simultaneamente, o financiamento das políticas públicas, no fim, objetivo central da arrecadação de impostos. “Eu insisto no ponto de que não temos um sistema tributário nacional imposto simplesmente para causar transtornos para as empresas e para o cidadão. Ele existe para que o Estado consiga prover as necessidades da população brasileira sem ser dependente de quem quer que seja”.
Essa reportagem foi publicada com exclusividade na Revista da Reforma Tributária. Acesse a edição completa aqui (é gratuito).