A responsabilização tributária das plataformas digitais no Brasil

Plataformas digitais
Plataformas digitais
Plataformas digitais – Foto: Panos Sakalakis via Unsplash

Entre os diversos temas abordados pelo PLP (Projeto de Lei Complementar) 68/24, que institui o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), a responsabilização tributária das plataformas digitais é um dos que merecem destaque. Com a evolução da economia digital nos últimos anos, caracterizada principalmente pela mudança nas dinâmicas de consumo, essas plataformas tornaram-se pilares fundamentais do comércio global. Os consumidores e empresas cada vez mais optam por transações online, utilizando essas plataformas como intermediárias para a compra e venda de bens e serviços.
 
A expansão das plataformas digitais trouxe inúmeros benefícios, como a redução de custos e a possibilidade de alcance global para pequenos e grandes negócios. No entanto, essa transformação também levantou questões complexas relacionadas à tributação dessas atividades, especialmente no que diz respeito à responsabilidade das plataformas pelo recolhimento e repasse de tributos devidos nas operações que ocorrem por seu intermédio.
 
Diante dessa nova realidade, coube ao legislador complementar a desafiadora missão de adaptar a legislação brasileira para que as plataformas digitais passassem a ter uma maior responsabilidade tributária sobre as operações realizadas em seus ambientes digitais. Ao mesmo tempo, lhes foi atribuída a tarefa de fazer isso sem lhes impor um ônus excessivo que prejudique a sua expansão no mercado brasileiro.
 
Nesse contexto, o artigo 23 do PLP (leia aqui, pág. 28) estabelece as diretrizes para a responsabilidade tributária das plataformas digitais. Inicialmente, destaca-se que o conceito de “plataforma digital” definido pelo legislador refere-se àquelas que participam das receitas ou lucros das transações, desempenhando atividades como cobrança, pagamento, definição dos termos e condições, ou entrega. O principal exemplo disso são os marketplaces, ambientes virtuais onde vendedores e compradores se encontram para realizar negócios, desempenhando um papel central na facilitação das transações, seja processando pagamentos, intermediando a entrega, ou estipulando as regras que governam as interações entre as partes envolvidas.
 
Por outro lado, não se considera plataforma digital aquela que executa apenas atividade de fornecimento de acesso à Internet, processamento de pagamentos, publicidade ou busca ou comparação de fornecedores nos casos em que não há cobrança pelo serviço com base nas vendas realizadas, como os provedores de acesso à Internet e gateways de pagamento, por exemplo.
 
Com relação à responsabilidade tributária, o dispositivo legal prevê que as plataformas digitais estabelecidas no país ou no exterior serão responsáveis pelo recolhimento do IBS e da CBS, sendo essa responsabilidade atribuída (i) em substituição ao fornecedor estrangeiro; e (ii) de forma solidária ao contribuinte residente e domiciliado no Brasil e que não registre a operação em documento fiscal eletrônico.
 
Essa atribuição de responsabilidade reflete a evolução da economia digital e a necessidade de adequar a legislação tributária a essa nova realidade, como se tem discutido em vários países do mundo. Com o crescimento exponencial do comércio eletrônico e a predominância de plataformas digitais como intermediárias em transações comerciais, tornou-se imprescindível que essas empresas desempenhem um papel ativo no cumprimento das obrigações fiscais, assegurando que os tributos sejam corretamente recolhidos e repassados ao fisco.
 
Sob a perspectiva negocial, a atribuição da responsabilidade pelo recolhimento de tributos como o IBS e a CBS impacta diretamente na margem de lucro das empresas que operam plataformas digitais. Essas plataformas, ao assumirem o papel de intermediárias fiscais, precisam ajustar suas operações para garantir o cumprimento das obrigações tributárias, o que pode acarretar custos adicionais. Esses custos podem se manifestar de diversas formas, desde a necessidade de investir em sistemas tecnológicos robustos para gerenciar o recolhimento e repasse dos tributos, até o aumento de despesas administrativas relacionadas ao compliance e à auditoria fiscal.
 
Esse novo encargo fiscal também pode levar as plataformas a repensarem suas estratégias de precificação e suas políticas comerciais. Para manter a rentabilidade, as plataformas podem ser obrigadas a repassar parte dos custos tributários aos vendedores ou consumidores que utilizam seus serviços, o que pode alterar a dinâmica de preços no mercado digital. Em um ambiente competitivo, onde as margens de lucro já podem ser estreitas, esse repasse de custos pode representar um desafio significativo, pressionando as plataformas a encontrarem um equilíbrio entre a absorção dos custos e a manutenção de sua competitividade no mercado.
 
Uma das possíveis alternativas à responsabilização pelo recolhimento do IBS e da CBS, que deve ser analisada pela Senado Federal no PLP 68/24, seria a imposição da obrigação das plataformas digitais apresentarem relatórios periódicos das operações realizadas por seu intermédio. Um modelo em linha com a obrigação que existe hoje no Estado de São Paulo por meio da Portaria CAT 156/2010, sob pena de que os tributos sejam exigidos da própria plataforma.
 
Implementada há mais de 10 anos, essa norma auxilia a Administração Tributária na fiscalização das operações sujeitas à tributação ao mesmo tempo que não impõe ônus excessivos adicionais às plataformas digitais. Essa obrigação seria ainda de fácil implementação por se tratar de um procedimento já adotado atualmente.
 
Em conclusão, a responsabilização das plataformas digitais pelo recolhimento do IBS e da CBS, conforme proposto pelo PLP 68/24, é uma medida que busca adaptar a legislação tributária à realidade da economia digital. Ao impor essa responsabilidade, o legislador visa garantir que essas plataformas, que desempenham um papel central no comércio global, contribuam de maneira justa para o sistema tributário. No entanto, essa nova obrigação também traz desafios significativos para as empresas, que precisarão ajustar suas operações e estratégias para acomodar os custos e complexidades adicionais impostos por essa regulamentação.
 
Embora o impacto sobre a margem de lucro das plataformas digitais seja uma preocupação legítima, a medida pode ser vista como um passo necessário para promover a equidade no mercado, nivelando o campo de jogo entre empresas digitais e tradicionais. Ao mesmo tempo, é essencial que o legislador continue monitorando os efeitos dessa regulamentação para assegurar que ela não se torne um obstáculo ao crescimento e à inovação no setor digital. A responsabilidade tributária das plataformas digitais, portanto, deve ser implementada de maneira equilibrada, buscando preservar a competitividade do mercado enquanto se fortalece o sistema fiscal do país.
 
A longo prazo, essa mudança pode contribuir para um ambiente de negócios mais transparente e sustentável, onde as plataformas digitais não apenas desempenham um papel fundamental na economia, mas também assumem responsabilidades proporcionais ao seu impacto. Com uma regulamentação adequada e justa, o Brasil pode não apenas melhorar sua arrecadação tributária, mas também se posicionar como um líder na regulamentação da economia digital, atraindo investimentos e incentivando o desenvolvimento contínuo desse setor vital.


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