A PEC 45, ao idealizar a reforma tributária do consumo, foi pensada para que se instituísse um tributo único nacional. Por questões federativas, contudo, isso não foi possível, e a reforma aprovada criou dois tributos: o IBS, de competência dos Estados e dos Municípios, e a CBS, de competência da União. Por terem as mesmas regras de incidência, são tributos gêmeos.
Disso decorre a necessidade de integração entre os entes federativos para que não se tenham distorções nas medidas de arrecadação e cobrança do IBS e da CBS. Foi exatamente por isso que, ao aprovar a reforma tributária, a Emenda Constitucional 132/23 inseriu na Constituição Federal dispositivo prevendo que o Comitê Gestor do IBS e a administração tributária da União “poderão implementar soluções integradas para administração e cobrança” desses dois tributos, além da possibilidade de lei complementar prever a integração do contencioso administrativo.
A integração consiste na constituição de um todo pela adição ou combinação de partes ou elementos. Levando isso em consideração e a característica dos novos tributos sobre o consumo, essa previsão constitucional deve ser vista como um poder-dever, já que a integração é essencial para o sucesso da reforma tributária, sem a qual há o risco de conflitos de competência, sobreposição de cobranças, aplicação de regras distintas para o IBS e a CBS e dificuldades operacionais, prejudicando a eficiência fiscal e gerando insegurança jurídica para contribuintes e administrações tributárias. Assim, a integração não é apenas desejável, mas essencial para garantir a harmonização e funcionamento do sistema tributário.
Na regulamentação da reforma tributária, entretanto, os debates sobre as medidas de integração têm deixado a desejar. A lei complementar deve detalhar e garantir a implementação efetiva desses mecanismos, em vez de delegar essa tarefa para regulamentos que têm menor força jurídica e podem não cumprir o requisito constitucional de integração. Inclusive, cabe ressaltar que a ausência de medidas concretas pode até comprometer a constitucionalidade das leis regulamentadoras, por não atenderem à determinação expressa na Constituição Federal.
A ausência de integração no contencioso administrativo é uma das principais questões que precisam de maior atenção nos debates do Congresso Nacional sobre a regulamentação da reforma tributária. No texto atualmente proposto, embora tenha sido atribuída ao CG-IBS a competência para decidir o contencioso administrativo relacionado ao IBS, persistem problemas com potenciais conflitos.
Esses conflitos podem surgir tanto entre as decisões das câmaras que representam diferentes entes federativos dentro do próprio CG-IBS, quanto entre essas decisões e as emitidas pelo já existente CARF, que será responsável pelo julgamento de litígios envolvendo a CBS, o que pode resultar em decisões contraditórias e comprometer a segurança jurídica dos contribuintes, dificultando a uniformidade e a previsibilidade no tratamento de disputas tributárias.
Além disso, em que pese a previsão de criação do Comitê de Harmonização das Administrações Tributárias e do Fórum de Harmonização Jurídica das Procuradorias, por exemplo, que podem auxiliar na uniformização da interpretação da legislação do IBS e da CBS, é necessário levar em conta que tais órgãos são compostos exclusivamente por autoridades fiscais, sem representantes dos contribuintes, o que elimina a necessária paridade que permite a imparcialidade, democratização e legitimação das decisões administrativas em matéria tributária.
Assim, as propostas de integração e uniformização da interpretação da legislação do IBS e da CBS têm potencial de gerar mais problemas do que soluções. Sem uma integração adequada, o contencioso administrativo continuará sendo um ponto de atrito, prejudicando a eficiência do sistema tributário e aumentando os custos para contribuintes e administrações tributárias. Por isso, a construção de um modelo integrado e funcional para o contencioso administrativo é uma prioridade que não pode ser negligenciada no processo de regulamentação da reforma tributária.
Em conclusão, a integração entre os tributos IBS e CBS, bem como a uniformização do contencioso administrativo, são pilares indispensáveis para o sucesso da reforma tributária. A ausência de medidas concretas e efetivas nesse sentido não apenas compromete a eficiência do sistema tributário, mas também gera insegurança jurídica, conflitos de competência e custos desnecessários para contribuintes e administrações. A regulamentação da reforma deve ir além de propostas genéricas, priorizando um modelo integrado, equilibrado e representativo, que contemple a participação dos contribuintes e assegure a harmonização das decisões administrativas. Apenas com um esforço legislativo robusto e compromissado será possível atingir os objetivos de simplicidade, justiça e eficácia fiscal que a reforma tributária se propôs a alcançar.
Luiz Roberto Peroba é Sócio/Tax Partner no escritório Pinheiro Neto. Assessora clientes nacionais e estrangeiros de diversas indústrias, tanto em consultoria/planejamento tributário como contencioso, em disputas administrativas e judiciais.
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