Na regulamentação da reforma tributária, o PLP 68/24 define como fornecedor a pessoa, residente ou domiciliada no Brasil ou no exterior, que realiza o fornecimento de bens materiais, imateriais ou a prestação ou disponibilização de serviços (art. 3º, inciso III). O projeto de lei também estabelece que fornecedores residentes ou domiciliados no exterior são contribuintes do IBS e da CBS, sendo obrigados a se inscrever nos cadastros desses tributos (art. 21, § 8º). Caso as operações sejam realizadas por intermédio de plataformas digitais, estas serão responsáveis pelo recolhimento em substituição ao fornecedor (art. 23, inciso I).
É importante destacar inicialmente que essa obrigatoriedade de inscrição decorre da própria sistemática do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), como são o IBS e a CBS, já que é um imposto recolhido por meio de um processo em etapas que garante que o ônus tributário recaia sobre o consumidor final. No comércio internacional, a aplicação do princípio de destino exige que o IVA seja cobrado no local onde ocorre o consumo. Para isso, ou os consumidores ficam com a responsabilidade de recolher o tributo ou, por homenagem ao princípio da praticabilidade, empresas estrangeiras que realizam operações em um determinado país precisam estar registradas nos cadastros tributários locais. Essa medida é essencial para evitar lacunas fiscais que podem resultar em não arrecadação ou dupla tributação.
Em que pese a necessidade de se estabelecer regras para garantir a possibilidade de fiscalização e o cumprimento de obrigações fiscais nas operações realizadas por estrangeiros, é necessário que sejam observados os princípios intrínsecos ao novo sistema tributário, notadamente da neutralidade e da simplicidade.
A aplicação do princípio da neutralidade tem por objetivo garantir que o IBS e a CBS não incentivem nem desencorajem empresas a investir ou realizar atividades no país. Essas decisões empresariais devem ser tomadas com base no mercado e em outras considerações não tributárias. Isso significa que a legislação vigente no país onde o imposto é cobrado de empresas estrangeiras não deve discriminá-las nem favorecê-las em relação à imposição do imposto e ao seu direito de dedução ou recuperação em comparação com as empresas domésticas.
A aplicação do princípio da simplicidade, por sua vez, aplicado à obrigação de registro no cadastro de contribuintes e ao recolhimento do IBS e da CBS por fornecedores estrangeiros, busca minimizar os custos e a complexidade administrativa para esses agentes econômicos. Ao simplificar os procedimentos de registro e compliance, como a adoção de sistemas digitais e regras claras e uniformes, o princípio visa garantir que os fornecedores estrangeiros possam cumprir suas obrigações fiscais de forma eficiente e transparente.
Isso ocorre porque, quando os mecanismos de registro e recolhimento dos tributos são excessivamente complexos ou desproporcionais às receitas tributárias envolvidas, podem gerar o descumprimento das normas, custos elevados para a administração tributária e desestimular as empresas a realizarem atividades econômicas no país. A necessidade de simplificação dessas obrigações é de extrema relevância para o sucesso da implementação das regras nas operações internacionais, conforme já foi publicado em relatórios divulgados pela OCDE.
Nesse contexto, um outro ponto que deveria ser debatido no Congresso Nacional seria a implementação de um valor mínimo anual (threshold) para que um fornecedor seja obrigado à inscrição e recolhimento do IBS e da CBS, evitando a imposição de um ônus excessivo a operações que têm pouca representatividade nas receitas tributárias e que impediria que essas operações ocorressem e até mesmo se desenvolvessem no país a ponto de passarem a ser efetivamente tributadas, gerando receitas aos entes federativos.
Assim sendo, em que pese a imposição de obrigação de cadastro e recolhimento de tributos por fornecedores estrangeiros seja uma prática internacional, é necessário que se observem os princípios da neutralidade e da simplicidade, visto que são essenciais para que o novo modelo de tributação sobre o consumo no Brasil alcance seus objetivos, promovendo segurança jurídica, facilitando o cumprimento das obrigações fiscais e incentivando a conformidade tributária, sem comprometer o ambiente de negócios e a competitividade do país no cenário global.
Luiz Roberto Peroba é Sócio/Tax Partner no escritório Pinheiro Neto. Assessora clientes nacionais e estrangeiros de diversas indústrias, tanto em consultoria/planejamento tributário como contencioso, em disputas administrativas e judiciais.
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