A necessidade de mudança do contencioso judicial tributário 

Fragmentação do sistema judiciário apresenta desafios significativos para a harmonização das novas regras, escreve Luiz Roberto Peroba
Balança do judiciário

A reforma tributária no Brasil visa simplificar a tributação sobre o consumo, substituindo vários tributos por um IVA. No entanto, devido a questões federativas, foi criado um modelo de IVA dual, em que Estados, Distrito Federal e Municípios compartilham competência sobre o IBS, enquanto a União tem competência sobre a CBS 

Nesse cenário do IVA dual, é necessário criar regras que sejam harmônicas para a aplicação do IBS e da CBS não apenas do ponto de vista do direito material, mas também do contencioso tributário, mais especificamente na esfera judicial. Isso porque, atualmente, o contencioso judicial é segregado e independente em cada ente federado, o que significa que cada Estado ou região possui seu próprio Tribunal, com interpretações próprias a respeito da legislação dos tributos do ente federado de sua jurisdição. 

Contudo, esse modelo se mostra inviável no cenário pós-reforma tributária, em que se pretende harmonizar a aplicação da legislação do IBS e da CBS, bem como reduzir as complexidades do sistema atual. Por conta disso, é imprescindível que a reforma do direito material, com a instituição do IBS e da CBS, seja acompanhada da reforma do contencioso no âmbito judicial. 

As regras do sistema atual não são compatíveis com o novo sistema. Um problema que pode (e provavelmente irá) surgir é a análise de uma mesma situação concreta por diferentes tribunais e com diferentes resultados para um mesmo contribuinte, ou para contribuintes distintos que se encontram em uma mesma situação, gerando insegurança jurídica e aumentando ainda mais o número de disputas. 

Outro exemplo é a problemática da definição do foro onde o contribuinte deve ajuizar uma medida judicial para questionar a validade do IBS. Hoje o foro competente é aquele da jurisdição do sujeito ativo, ou seja, do ente competente para cobrança do tributo a ser questionado. Entretanto, com a mudança da competência tributária para o ente do local do destino no modelo do IVA dual, um mesmo contribuinte teria que ajuizar uma ação para cada ente federativo (que pode incluir inúmeros Estados e Municípios), o que seria inexequível do ponto de vista prático. 

Vale observar que, ainda que a EC 132/23 tenha criado o Comitê Gestor do IBS para que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios exerçam suas competências de forma integrada, o texto constitucional não atribui competência para que o comitê possa atuar em processos judiciais na qualidade de substituto desses entes federativos. Ou seja, eventual norma que venha a dispor sobre o assunto sem a devida previsão na Constituição corre o risco de ser declarada inconstitucional. 

Por todos esses motivos, é imprescindível que sejam discutidas e apresentadas soluções para a reforma do contencioso judicial tributário, como o atual projeto em discussão no governo para criação de um foro nacional que concentre julgamentos relativos ao IBS e à CBS. A ideia desse projeto é implementar mudanças por meio de uma PEC, sendo que as medidas estão sendo elaboradas pela AGU (Advocacia-Geral da União) e pelo Ministério da Fazenda, em discussões com o Poder Judiciário, Estados e Municípios. 

Em conclusão, a reforma tributária no Brasil não pode se limitar à criação de novos tributos, como o IBS e a CBS, sem uma reestruturação correspondente do contencioso judicial tributário. A atual fragmentação do sistema judiciário entre diferentes entes federativos apresenta desafios significativos para a harmonização das novas regras, ameaçando aumentar a insegurança jurídica e os litígios. A criação de um foro nacional para questões relacionadas ao IBS e à CBS, conforme discutido no projeto em andamento, surge como uma solução necessária para garantir a coerência na aplicação da legislação tributária e a eficácia do sistema pós-reforma. 


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