A imunidade tributária e as implicações da reforma tributária para o Terceiro Setor

Business people shaking hands together. Reprodução: Freepik

Por Ana Carolina Carrenho

A imunidade tributária, é uma proteção constitucional que impede a incidência de tributos sobre determinadas situações, trata-se de um conceito fundamental no direito brasileiro, sendo que no contexto do terceiro setor – pessoas jurídicas sem fins lucrativos – a imunidade tributária é crucial para garantir sua perenidade, de modo que possam operar sem o ônus de impostos que comprometeriam suas atividades essenciais. 

Conforme definido por Hugo de Brito Machado “Imunidade Tributária é o obstáculo decorrente de regra da Constituição à incidência de regra jurídica de tributação. O que é imune não poder ser tributado. A imunidade impede que a lei defina como hipótese de incidência tributária aquilo que é imune. É limitação da competência.” 

Assim, diferentemente da isenção, que é regulada por leis infraconstitucionais, a imunidade tem sua origem na Constituição, sendo que no contexto deste texto é pertinente a análise da imunidade trazida pelo artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal de 1988, que contempla as entidades sem fins lucrativos.

Enfatiza-se, ainda, que não se trata a imunidade tributária de uma renúncia fiscal, mas sim de uma limitação constitucional ao poder de tributar, tal imunidade deriva da proteção aos bens e serviços essenciais para a sociedade, portanto, o Constituinte teve como escopo não obstar o desenvolvimento pleno de tais atividades, tal entendimento expressa-se na vinculação da imunidade tributária ao desenvolvimento das finalidades essenciais das entidades imunes.

Considerando que a Reforma Tributária trouxe significativas alterações ao sistema tributário nacional, faz-se pertinente a análise da imunidade tributária concernente as entidades sem fins lucrativos, com foco nas mudanças introduzidas pela Emenda Constitucional 132/2023 e a Lei Complementar 214/2025.

É cediço que através da Emenda Constitucional 132/2023,  o Brasil adotou no sistema tributário brasileiro o Imposto sobre o Valor Agregado (IVA), introduzindo  o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) com características recomendadas pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE e pelo Banco Mundial, quais sejam, base ampla de incidência, tributação no destino, não cumulatividade plena, legislação uniforme (o que se dará através das leis complementares), cobrança “por fora” (o imposto incide apenas sobre o valor do produto); rápida devolução dos créditos acumulados; desoneração dos investimento; desoneração das exportações; incidência sobre importações.

No contexto das entidades sem fins lucrativos, a Emenda Constitucional 132/2023, estabeleceu através do artigo 149-B, parágrafo único, que o IBS e a CBS observarão as imunidades previstas no artigo 150, inciso VI da CF/88, vide: “Os tributos de que trata o caput observarão as imunidades previstas no art. 150, VI, não se aplicando a ambos os tributos o disposto no art. 195, § 7º” (art. 149-B, parágrafo único).

Cabendo a Lei Complementar a regulamentação do IBS e CBS, o que se deu através da Lei Complementar 214/2025, a qual dispôs sobre a fruição da imunidade tributária pelas organizações sem fins lucrativos, assim, destaca-se:

LC 214/2025: 

Art. 9º São imunes também ao IBS e à CBS os fornecimentos:

[…]

III – realizados por partidos políticos, inclusive seus institutos e fundações, entidades sindicais dos trabalhadores e instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos;

[…]

§ 3º A imunidade prevista no inciso III do caput deste artigo aplica-se, exclusivamente, às pessoas jurídicas sem fins lucrativos que cumpram, de forma cumulativa, os requisitos previstos no art. 14 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional).

§ 4º As imunidades das entidades previstas nos incisos I a III do caput deste artigo não se aplicam às suas aquisições de bens materiais e imateriais, inclusive direitos, e serviços.

Como se vê, a LC 214/2025 trouxe mudanças significativas na aplicação prática da imunidade tributária constitucional às entidades sem fins lucrativos, visto que, o atual entendimento sedimentado pela jurisprudência pátria, em especial o Supremo Tribunal Federal, é de que, na aquisição de bens destinados à finalidade essencial da instituição, a organização é imune, por exemplo, ao IPI e ao ICMS, visto que estará na qualidade de contribuinte de direito, contudo, há incidência dos impostos quando a organização seja contribuinte de fato (organizações que revendem produtos, na qualidade de revendedoras), sendo esta a tese firmada pelo STF, através do tema de repercussão geral 342: 

A imunidade tributária subjetiva aplica-se a seus beneficiários na posição de contribuinte de direito, mas não na de simples contribuinte de fato, sendo irrelevante para a verificação da existência do beneplácito constitucional a repercussão econômica do tributo envolvido. (RE 608.872, Tema 342 da RG, de relatoria do Min. Dias Toffoli, Pleno, DJe 27.9.2017)

Atualmente o contribuinte de direito é aquele que recolhe, por exemplo, o ICMS aos cofres públicos (normalmente a empresa que vende um produto) e o contribuinte de fato é o consumidor final, que arca com o ônus do imposto, pois o tributo está embutido no preço do produto ou serviço. Importante frisar que no novo texto da Reforma Tributária não há essa distinção, entre contribuinte de fato e contribuinte de direito o que acarreta possíveis novas discussões judiciais, uma vez que as instituições sem fins lucrativos acabam por ser tributadas quando adquirem bens ou serviços em contrariedade ao artigo 150 VI, c.

Assim, o §4ª, do art. 9º, da LC 214/2015, pode trazer expressivo impacto quanto a realidade, atualmente vivenciada pelas entidades sem fins lucrativos, visto que na aquisição de bens não haverá imunidade, e incidirá o IBS e a CBS.

Dessa forma, em que pese a EC 132/2024, tenha garantido a imunidade tributária trazida pelo artigo 150, VI, “c”, da CF/88, a LC 214/2025, ao limitar a imunidade ao fornecimento de bens e serviços, trouxe significativa mudança quanto a fruição da imunidade, o que pode resultar em novos desafios para organizações sem fins lucrativos. Portanto, é crucial que tais entidades revisem seus planejamentos estratégicos e orçamentários para mitigar os impactos que serão sentidos com as mudanças legislativas aqui apontadas.


Ana Carolina Carrenho é sócia no Pinheiro Carrenho Advocacia, doutoranda em Direito da União Europeia, ex-presidente da Comissão de Direito do Terceiro Setor da OAB/SP.


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