A aplicação de penalidades no âmbito do IBS e da CBS

Os legisladores não deveriam perder a oportunidade de realmente enfrentar essas questões e aprovar uma legislação justa e eficaz, escreve Luiz Roberto Peroba
martelo juiz
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Foto: Lianhao Qu via Unsplash

O PLP 108/2024, que institui o Comitê Gestor do IBS e regula o processo administrativo tributário referente ao lançamento de ofício do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), aborda em seus artigos 51 a 59 as infrações, penalidades e encargos moratórios aplicáveis. As infrações no âmbito do IBS são caracterizadas por qualquer ação ou omissão que viole obrigações principais ou acessórias, independentemente da intenção do agente ou da gravidade dos efeitos gerados pela infração.

A falta de pagamento do imposto no prazo do seu vencimento acarreta a aplicação dos juros de mora calculados pela taxa Selic, acrescido de 1% no mês do pagamento, e da multa de mora de 0,33% ao dia, limitada a 20%. Constatado o descumprimento da obrigação principal em ação fiscal, o contribuinte ficará sujeito à penalidade de 75% do IBS não declarado e não recolhido e do valor do crédito indevido, além da possibilidade de aplicação de penalidades adicionais por descumprimento de obrigações acessórias que estão definidas em 36 hipóteses distintas elencadas no referido projeto de lei.

Em que pese a importância de a legislação estabelecer hipóteses de infração claras e a aplicação de penalidades a fim de desestimular o seu descumprimento pelos contribuintes, entendemos que duas observações se fazem necessárias no debate do tema no Congresso Nacional.

A primeira observação a ser feita é que, em qualquer discussão sobre a instituição e cobrança do IBS e da CBS, é imprescindível observar o princípio da simplicidade, um dos pilares da reforma tributária, garantindo que o sistema seja claro e eficiente para os contribuintes e a administração tributária. Nesse sentido, o cenário ideal seria que a legislação trouxesse previsão de que as mesmas penalidades aplicáveis ao IBS serão aplicáveis à CBS, garantindo uma uniformização do sistema nesse ponto já que, sendo tributos gêmeos, não seria razoável a existência de disposições legais distintas para a penalização da infração cometida com relação a cada um desses tributos separadamente.

Ainda visando a observância ao princípio da simplicidade, seria importante que o Congresso Nacional reavaliasse a previsão de 36 hipóteses de penalização do IBS previstas no PLP 108/2024, pois tal multiplicidade pode criar uma complexidade desnecessária, dificultando o cumprimento das obrigações fiscais, ampliando a burocracia e dando margem para interpretações divergentes por parte dos fiscais, o que contraria a simplicidade.

Ao contrário do texto atual, seria mais eficiente e condizente com a simplicidade do sistema tributário concentrar as penalidades em hipóteses mais objetivas e focadas em grandes áreas de infração como, por exemplo, relacionadas a documentos fiscais (condutas relacionadas à emissão, omissão ou irregularidade na apresentação), ao cadastro de contribuintes (focando em irregularidades ou omissões no registro e na atualização dos dados cadastrais) e o embaraço à fiscalização (penalizando ações que dificultem ou impeçam o trabalho dos fiscais). Ao reduzir e concentrar as hipóteses de penalização em categorias-chave, o sistema não apenas se tornaria mais simples e direto, mas também mais eficiente, focando nas infrações que, de fato, comprometem a arrecadação e o controle fiscal.

A segunda observação crucial é que a aplicação de penalidades no âmbito do IBS deve respeitar o princípio da não confiscatoriedade, que proíbe sanções tributárias tão severas que, na prática, confisquem o patrimônio do contribuinte. No texto atual do PLP 108/2024, muitas infrações são penalizadas com base em percentuais sobre o valor das operações, o que pode gerar penalidades superiores ao próprio valor do imposto devido. Essa abordagem não apenas seria desproporcional, mas também violaria o princípio da não confiscatoriedade, resultando em uma carga excessiva.

É importante destacar que o não pagamento do imposto já é punido com uma multa equivalente a 75% do valor que deixou de ser recolhido ou foi indevidamente creditado. A cumulação dessa penalidade com outras baseadas no valor da operação poderia gerar um efeito cumulativo extremamente oneroso, impactando significativamente o fluxo de caixa das empresas. Tal cenário, além de ser injusto, prejudicaria a capacidade financeira das empresas de manter suas atividades operacionais, especialmente as de menor porte, que poderiam ser levadas a uma situação de insolvência apenas pela soma das penalidades.

Vale ressaltar que hoje já existem inúmeras disputas entre fisco e contribuintes no tocante à confiscatoriedade na aplicação de penalidades por infrações à legislação tributária. No Estado de São Paulo, por exemplo, a legislação prevê uma série de hipóteses de infração que, no final, acabam aumentando o contencioso tributário sobre a correta capitulação das diversas penalidades, não sendo raras as vezes em que o fisco é vencido nessas disputas, o que acaba gerando inclusive a condenação em sucumbência do Estado e aumentando os gastos públicos.

Além disso, apenas no STF existem ao menos 5 temas em repercussão geral em que se discute o caráter confiscatório de multas isoladas, limites para fixação de multas moratórias, razoabilidade da multa qualificada e possibilidade de fixação de multa punitiva superior a 100% do valor do tributo (Temas 487, 736, 816, 863 e 1,195). No momento atual de debate sobre a regulamentação da reforma tributária, os legisladores não deveriam perder a oportunidade de realmente enfrentar essas questões e aprovar uma legislação justa e eficaz na aplicação de penalidades.

Em conclusão, embora o PLP 108/2024 apresente importantes diretrizes para a gestão do IBS e a definição de infrações e penalidades, é essencial que seu texto final reflita os princípios de simplicidade e não confiscatoriedade, conforme estabelecidos pela Constituição e pelos objetivos da reforma tributária. A simplificação do sistema, com a redução das 36 hipóteses de penalidade para categorias mais objetivas, além da adequação das multas para evitar o caráter confiscatório, é fundamental para garantir um equilíbrio entre a eficácia da arrecadação e a preservação da capacidade financeira das empresas. A falta de atenção a esses princípios poderá perpetuar disputas judiciais e comprometer o avanço de um sistema tributário mais justo e eficiente.


Luiz Roberto Peroba é Sócio/Tax Partner no escritório Pinheiro Neto. Assessora clientes nacionais e estrangeiros de diversas indústrias, tanto em consultoria/planejamento tributário como contencioso, em disputas administrativas e judiciais.


Os artigos escritos pelos “colunistas” não refletem necessariamente a opinião do Portal da Reforma Tributária. Os textos visam promover o debate sobre temas relevantes para o país.


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